Ações preferenciais. Não pagamento de dividendos. Aquisição do direito de voto

AutorNelson Eizirik
Páginas23-29

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Em função dos diferentes direitos ou vantagens que atribuem aos seus titulares, há, em nosso sistema jurídico, duas espécies de ações:1

(a) as ações ordinárias, que são aquelas que conferem aos seus titulares a plenitude dos direitos decorrentes da qualidade de sócios, inclusive o direito de voto nas deliberações da Assembléia Geral; e

(b) as ações preferenciais, que conferem aos seus titulares, além dos direitos essenciais dos acionistas, vantagens patrimoniais e preferências especiais em relação às ações ordinárias, mas que, em contrapartida, podem ser privadas do direito de voto.

A ação preferencial sem voto ainda é o instrumento utilizado pelo acionista controlador para viabilizar a capitalização da sociedade no mercado de valores mobiliários, sem que isto acarrete o comprometimento de seu poder de controle.

No entanto, a emissão das ações preferenciais sem direito a voto pressupõe a atribuição de uma vantagem de natureza patrimonial ou econômica, vis-à-vis as ações ordinárias, como forma de compensar seus titulares pela não participação no poder político da companhia. Não existe ação preferencial sem a atribuição de uma vantagem patrimonial ao acionista, visto que a subtração do direito de voto só é possível enquanto compensada por um privilégio econômico, na repartição dos lucros ou no reembolso de capital.2

Assim, a Lei das S/A, ao permitir que o Estatuto Social prive o preferencialista do direito de participar politicamente da vida da sociedade, estabelece, em contrapartida, as vantagens de natureza patrimonial que podem justificar a supressão ou a restrição do direito de voto.

Em sua redação original, a Lei n. 6.404/1976 condicionava a legalidade da privação do direito de voto à atribuição, aos titulares de ações preferenciais, de uma das seguintes vantagens: (i) prioridade na distribuição de dividendos fixos ou mínimos (art. 17, inciso I); (ii) prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem prêmio (art. 17, inciso II); ou (iii) acumulação das duas vantagens anteriores (art. 17, inciso III).

A Lei das S/A estabelecia basicamente duas modalidades de dividendos que poderiam ser conferidos às ações preferenciais: o fixo e o mínimo.

As ações preferenciais com dividendo fixo ou mínimo são aquelas cuja vantagem consiste no direito de o seu titular receber, antes que haja qualquer distribuição

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de dividendos entre os demais acionistas, um montante previamente quantificado nos estatutos sociais, seja um valor certo em reais, seja um percentual determinado do capital social, do valor nominal da ação ou, ainda, do patrimônio líquido da companhia.

No caso das ações preferenciais com dividendo fixo, o acionista tem direito a receber apenas o valor estatutariamente predeterminado. Uma vez atingido esse montante, tais ações não participam dos lucros remanescentes que venham a ser distribuídos, ainda que o valor dos dividendos pagos às demais classes e espécies de ações supere o do dividendo fixo.3

A prioridade no recebimento de um dividendo mínimo, por sua vez, consiste na acumulação da vantagem outorgada aos portadores de dividendos fixos com a possibilidade de participar dos lucros remanescentes em igualdade de condições com as ações ordinárias.

Ou seja, as ações preferenciais com dividendo mínimo, têm o direito de receber prioritariamente uma parcela do lucro, que deverá ser determinada no Estatuto Social. Após o pagamento do dividendo mínimo às ações preferenciais, igual valor deverá ser atribuído às ações ordinárias. Por fim, o remanescente do lucro a ser distribuído, se houver, será partilhado entre as ações ordinárias e preferenciais em igualdade de condições.

Como se verifica, as ações preferenciais com dividendo fixo ou mínimo possuem prioridade no recebimento de dividendos em relação às ações ordinárias, visto que, se o lucro líquido distribuível apurado pela companhia não for suficiente para assegurar o pagamento do montante do dividendo fixo ou mínimo estatutariamente previsto, os titulares de ações ordinárias não terão direito ao recebimento de qualquer dividendo.

Além do dividendo fixo ou mínimo, a Lei n. 6.404/1976, em sua redação original, também permitia a emissão de ações preferenciais cuja vantagem patrimonial consistia, exclusivamente, em prioridade no reembolso do capital.

Tal prioridade somente se verifica quando da liquidação da sociedade, cabendo aos titulares deste "benefício" o direito de receber o capital correspondente às suas ações logo após a satisfação de todos os credores.

Ou seja, os titulares de ações preferenciais que tenham como vantagem a prioridade no reembolso do capital, na hipótese de liquidação da sociedade, preferem os demais acionistas na restituição da importância contribuída para o capital, recebendo o valor correspondente às suas ações mesmo que o montante do patrimônio remanescente, após o pagamento dos credores, não seja suficiente para satisfazer a integralidade dos acionistas da companhia.

No entanto, a prática empresarial demonstrou que a prioridade no reembolso no capital não proporcionava ao preferen-cialista um benefício patrimonial efetivo, uma que a vantagem a que ele fazia jus somente se verificava no momento da liquidação da sociedade e, ainda assim, caso restasse algum patrimônio após o pagamento dos credores da companhia.

Visando a solucionar tal distorção, a Lei n. 9.457/1997 determinou que a ação preferencial sem direito de voto que tivesse como vantagem exclusiva a prioridade no reembolso do capital teria o direito ao recebimento de um dividendo, no mínimo, 10% (dez por cento) superior àquele atribuído às ações ordinárias, o qual foi denominado, pela doutrina, de dividendo majorado ou diferencial.

Assim, de acordo com a redação então conferida ao inciso I do art. 17 da Lei das S/A, os titulares de ações preferenciais que não faziam jus a dividendos fixos ou mínimos, teriam o direito de receber sem-

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pre o diferencial a maior de 10% (dez por cento) sobre o valor pago aos titulares de ações ordinárias.

A própria redação do art. 17 dada pela Lei n. 9.457/1997 deixava claro que os dividendos majorados não se confundem com dividendos fixos...

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