Preliminares

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas33-73

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11. Introdução

Em 1983 o seguro social completou um século de fecunda existência; em 2014 completaram-se 131 anos de previdência social mundial. Desde as três leis de Otto Von Bismarck até os dias de hoje, são surpreendentes as transformações ocorridas nas técnicas de proteção social, assinaladamente as sucedidas nos últimos 30 anos.

Iniciada, incipientemente, em 1919, com a obrigatoriedade do seguro de acidentes do trabalho (Decreto Legislativo n. 3.724/19), logo após, mediante a Lei Eloy Marcondes de Miranda Chaves, implantou-se a previdência social no Brasil (Decreto Legislativo n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923).

O tempo passado, as vicissitudes enfrentadas e as experiências acumuladas, ultrapassada a fase econômica assinaladamente agrícola e atrelado o País a um processo de desenvolvimento econômico, encontra-se o Brasil em condições de situar-se no conceito mundial das nações como capaz de ixar seu destino histórico, político, econômico e social.

Quando se pensava destinada a economia vigente ao estágio agrícola, mantida por largo espaço de tempo, diversiicaram-se as exportações e, por intermédio da indústria automobilística, envolveu-se o País na pré-industrialização, quiçá industrialização ao inal da década de 80, tornan-do-se produtor e exportador de bens manufaturados.

A previdência social sofreu o impacto de iniltrante inlação; ela erodiu suas reservas matemáticas, atingiu o sistema securitário calcado em monetarismo incapaz de suportar o primeiro ciclo de beneiciários que completaram os pressupostos necessários à fruição das principais prestações.

Aproxima-se célere a hora em que, outra vez, a exemplo do acontecido nas décadas de 30 e 60 do século passado, devem ser repensadas as bases técnicas da previdência social. Antes de consolidar-se o seguro social, abriu-se a perspectiva venturosa de iniciar o processo de passagem para a seguridade social — técnica socialmente mais justa —, empreendimento monumental que reclama prevalência total do social sobre o econômico, exatamente no momento em que o inverso é praticado. A revisão da Constituição Federal de 1988, iniciada com a Lei n. 9.032/95 e reencetada com a EC n. 20/98, talvez tenha sido o primeiro passo do gigante.

O modelo previdenciário brasileiro apresenta-se atuarialmente em equilíbrio bem instável. A razão não é apenas a insuiciência de recursos,

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renúncia do custeio ou concessão de prestações a pessoas social ou juridicamente sem direito. Mesmo caso todos os devedores se pusessem em dia, assim permanecessem e o custo administrativo se reduzisse ao mínimo, o sistema continuaria entropicamente ameaçado pela técnica adotada, não adequada à clientela de beneiciários.

Fundamentalmente, a população ativa carreia recursos hoje e satisfaz necessidades da população inativa — representada por clientela protegida; esta, no seu tempo de contribuir, percebia remuneração relativamente menor — quando chegar sua vez de auferir as prestações onerará de tal forma a despesa que desestabilizará o sistema. Parte da solução implica reexame da ilosoia da proteção social vigente; o presente desequilíbrio populacional entre jovens e idosos sofrerá mutações ao largo do tempo, com consequências imprevisíveis.

Esse modelo deve ser adaptado às condições econômicas da atualidade, diferenciadas das décadas de 40 e 60 do século XX; ajustar-se às condições sociológicas do trabalhador; avaliar a crescente expectativa de vida, reconhecer a mudança havida na composição da clientela protegida; admitir o crescimento da assistência social — nela compreendida a dispendiosa, mas socialmente indispensável, assistência médica; acomodar-se às lutuações do desemprego, subemprego e excesso de mão de obra não especializada, sem falar na baixa natalidade e envelhecimento populacional.

O planejamento administrativo tem de racionalizar e desburocratizar métodos de trabalho; rever o inanciamento, modiicado e ajustado na medida do fato gerador da obrigação iscal; agilizar o sistema de arrecadação e iscalização; acompanhar as técnicas cibernéticas, empregando a informática em larga escala.

Mas, sobretudo, o seguro social brasileiro tem de impor-se como ciência jurídica e técnica cientíica, observando regras, técnicas e pesquisas à altura de suas enormes necessidades. O primeiro passo seria a reavaliação do plano de benefícios com a extinção de algumas prestações inconciliáveis (caso da aposentadoria por tempo de serviço) e o fortalecimento de outras (principalmente as por incapacidade), de sentido mais protetivo.

Nessa linha, correta é a Lei n. 8.870/94, quando pôs im ao pecúlio e ao abono de permanência em serviço de 25%, e a EC n. 20/98, que extinguiu a aposentadoria proporcional por tempo de serviço.

Pertinentemente à técnica cientíica, impõe-se posicionar-se quanto à proteção social adotável: seguro social, seguro social tendente à seguridade social ou, o que parece ainda distante e conveniente, seguridade social. Depois, à base da reformulação, ixados os princípios técnicos e jurídicos (Subsídios para um Modelo de Previdência Social para o Brasil. São Paulo: LTr, 2008).

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Os princípios representam a consciência jurídica do Direito. Podem ser concebidos pela mente do cientista social ou medrar no trato diário da aplicação da norma jurídica. Criados artiicialmente, não devem descurar de sua parte, as razões mais elevadas, diretrizes superiores, os valores eternos da civilização, entre os quais avultam os postulados fundamentais da liberdade, o primado dos direitos e das dignidades humanas, o dogma da responsabilidade social e os preceitos de igualdade, equidade e legalidade.

São apresentados, um ou outro ligeiramente esmiuçado, os princípios do seguro social brasileiro. Não é estudo aprofundado, deinitivo ou exaustivo quanto ao mérito; cuida-se apenas de identiicá-los, em alguns casos nomeá-los, relacioná-los sistematicamente e trazê-los a público em condições de oferecer alguma utilidade à reformulação do modelo e como instrumento auxiliar na interpretação e na integração.

A apresentação inicia-se com as preliminares relativas ao tema. É examinado o princípio fundamental da solidariedade social e do equilíbrio atuarial e econômico, os básicos e os técnicos; esses últimos, os que dizem respeito mais amiúde às práticas previdenciárias, divididos em substantivos e adjetivos.

São enfocados princípios administrativos, relativos à assistência social, aos acidentes do trabalho e aos trabalhadores migrantes. Abordam-se, igualmente, os princípios constitucionais, de direito procedimental e interpretativo. Como complemento, postulados de outras ciências jurídicas. Finalmente, com o objetivo de distingui-los dos princípios, descritos exemplos práticos de regras, técnicas e presunções previdenciárias, a par de rápidas referências às máximas latinas, natureza da prestação previdenciária e ligeiro desenvol-vimento das razões previdenciárias.

Por sua oportunidade, em verdadeiro dicionário de institutos técnicos e jurídicos, comparecem questões de interesse prático permanentes: as distinções teóricas e práticas, encerrando-se o ensaio.

Esta simples exposição, quase sem exame de mérito, corre os riscos inerentes à principiologia; não são poucos e a estes perigos devem ser somados a diiculdade decorrente de escassez bibliográica e o fato de os postulados securitários se encontrarem em substanciação, buscando funções, limites, individualizando-se, fenômeno comum no estágio atual do Direito Previdenciário.

Identiicá-los, diferenciá-los dos postulados do Direito, de modo geral, do Direito Social e do Direito do Trabalho, em particular, elevar certas praxes à categoria de princípios ou reduzi-los à condição de simples anexins ou prolóquios, é tarefa arriscada sob o ponto de vista didático, mas necessária.

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De regra, os princípios são imprecisos. No seguro social em face da não sedimentação da disciplina jurídica e à indeinição inal dos seus reais objetivos, ampliam-se os óbices para quem tentar embrenhar-se no cipoal dos conceitos e institutos jurídicos envolvidos.

A principiologia, a rigor, é matéria de difícil trato e, por isso, poucos foram os que cuidaram especiicamente dela. No nosso País, valendo registrar Nicolau Nazo (Os Princípios Gerais de Direito — 1923), Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito — 1924) e Rubens Limongi França (Princípios Gerais de Direito — 1966).

No seguro social, a contribuição doutrinária é ainda menor; raros sistematizaram a matéria, registrando-se as contribuições de Armando de Oliveira Assis e Marly Antonieta Cardone. A maioria dos jusprevidenciaristas menciona os princípios de passagem.

Aspecto digno de nota é o emprego da expressão “princípios”, tanto no singular quanto no plural. Em muitos casos, como acontece com Albino Pereira da Rosa (A Lei...

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