Premissas fundamentais

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas1-153
CAPÍTULO 01
PREMISSAS FUNDAMENTAIS
1. EXECUÇÃO QUE SE REALIZA POR EXPROPRIAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO
EXECUTADO
1.1 Panorama principiológico da execução por quantia no Código de
Processo Civil
1.1.1 Cognição e execução
Pensar, meditar, ref‌letir, avaliar, considerar, sopesar, ponderar etc. são verbos que
tem em comum o fato de que todos eles expressam múltiplos processos de aquisição
de conhecimento, sejam eles através da percepção, do raciocínio, do juízo de valor,
da linguagem, da imaginação etc.
Por outro lado, os verbos realizar, fazer, efetivar, proceder, efetuar, implemen-
tar, atuar, operar, empreender etc. expressam múltiplos processos de concretização,
ou seja, não estão no mundo imaginário e impalpável, mas sim no mundo real,
concreto, material etc.
E, conjugando estas duas noções de cognição e execução, não precisaremos
muito esforço para identif‌icar que uma das características do homo sapiens [homem
que sabe o que sabe] que o distingue dos seus ancestrais é justamente o pensamento, e
que, por isso mesmo, muitas vezes sem que percebamos, as nossas ações, execuções
e realizações são previamente informadas por nossos pensamentos, meditações e
cognições.
Conhecer primeiro para depois executar é um mantra lógico de sobrevivência
do ser humano que inclusive o distingue dos irracionais.
Como a aquisição do conhecimento é um processo altamente complexo que f‌ica
registrado na nossa memória, muitas vezes nem precisamos agir como “o pensador”
na escultura de bronze de Auguste Rodin, que, sentado sobre uma pedra expressa
um ato de profunda meditação. É que o conhecimento já está registrado na nossa
memória, e, por já o possuir, torna-se mais célere e mais rápido o nosso salto entre
pensar e depois agir.
Até quando dissemos que “agimos totalmente sem pensar” não estamos abso-
lutamente corretos pois, como ser racionais que somos, todo agir é precedido de um
conhecimento, ainda que ele seja insuf‌iciente para se tomar esta ou aquela atitude.
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EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE • MARCELO ABELHA RODEGUES
Disso resulta uma lógica sentença “antecedente-consequente” entre pensar
e agir onde à medida que se desenvolve o pensamento e a cognição sobre alguma
coisa, mais chances teremos de executar com segurança aquilo que pensamos, pois
maior será o nosso conhecimento a respeito.
A segurança é intima dessa relação entre conhecer e executar pois, ela decorre
dessa prévia calculabilidade de prós e contras, riscos e certezas, perdas e ganhos de
se escolher este ou aquele caminho. Disso resulta que tende a ser mais segura, mais
estável, mais conf‌iável e bem mais coerente a execução de qualquer ato se for precedido
de uma cognição mais extensa e mais profunda sobre aquilo que se pretende realizar.
Ao inverso, por motivos alheios à nossa vontade e às vezes por razões de sobre-
vivência ou para evitar um dano irreparável, nem sempre temos tempo ou condições
adequadas para proceder uma cognição extensa e profunda sobre as nossas escolhas,
e, por isso mesmo, acabamos por executá-las sem um juízo cognitivo completo ou
satisfatório. É certo que nestas hipóteses a quebra do binômio cognição completa
– execução posterior pode levar a um certo grau de insegurança e risco, mas este é
preço que muitas vezes é preciso pagar para que o tempo da cognição seja um fator
impeditivo do usufruto dos bens.
Esse é o pêndulo com que a Justiça trabalha. Em um lado a cognição e de ou-
tro lado a execução. Ao mesmo tempo que dar razão a quem não tem razão é uma
grave injustiça, também é uma negação da justiça reconhecer a razão em tempo
inadequado para o usufruto do direito, daí porque o legislador, sempre atrasado
em relação à evolução social, cria técnicas que permitem organizar a cognição e a
execução de modo que o reconhecimento do direito e a sua efetivação se deem da forma
mais equilibrada possível.
A tutela jurisdicional executiva, como o nome mesmo já diz, corresponde à
proteção jurisdicional que atua em concreto, que realiza, que efetiva, que torna real,
que coloca o jurisdicionado em uso e gozo com o bem da vida, e que, como dito
alhures, pressupõe cognição já existente, ainda que incompleta.
Costuma-se dizer que a tutela jurisdicional cognitiva é aquela que vai dos
fatos ao direito, e, a tutela executiva que vai do direito aos fatos, justamente porque
enquanto a primeira passa-se no mundo da ref‌lexão, da meditação, da dialética, da
discussão, da aquisição do conhecimento, a segunda atua em concreto, porque se
implementa no mundo real.
1.1.2 Cognição plena, evidência e título executivo
Como vimos anteriormente, é normal que no nosso agir a cognição completa
preceda a execução. Normalmente se pensa, conhece, ref‌lete para depois agir, atuar
e realizar. Mas essa lógica pode ser invertida ou atenuada não apenas no processo,
mas na nossa vida também. Muitas vezes por razões de urgência, para evitar um
risco de dano iminente agimos antes de termos uma cognição completa dos fatos
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CAPítulo 01 • PrEmISSAS fuNdAmENtAIS
e da situação. Não raras vezes também se efetiva determinado ato de imediato,
prescindindo da cognição [prévia] completa, tendo por base uma situação evidente
ou escancarada e que aparentemente não suscita maiores dúvidas e nem justif‌icaria
uma cognição prévia à execução.
Há vários exemplos do nosso cotidiano que demonstram que não é necessário
esperar uma cognição completa antes de se realizar determinado ato, até porque todo
conhecimento que se adquire é armazenado e projeta-se para situações futuras sem
que percebamos. Por isso, por exemplo, quando chegamos num lugar que não “co-
nhecemos” é normal que sejamos mais cautelosos antes realizar nossos atos. Mas,
se é um local que frequentamos, então o conhecimento adquirido é memorizado, e
a realização de nossos atos é fruto de uma evidente e quase imperceptível cognição
já adquirida. A rotina diária do nosso cotidiano é um exemplo disso.
E, com o processo não se passa de modo diferente. Nele também é possível que
a execução seja antecipada à cognição, permitindo que se realize determinado ato
antes mesmo de se ter uma cognição completa da situação. É claro que estas situações
não são as comuns ou vulgares, mesmo assim acontecem e é importante que o orde-
namento jurídico as preveja, exatamente para que esteja rente ao direito material1.
Além do fato [inconteste] de que as relações sociais na sociedade atual são
liquidas e não mais tão sólidas quanto outrora, ou seja, contentamo-nos com um
grau de cognição bem mais brando para tomar decisões e fazer escolhas sobre coisas
da vida comum2, o legislador também reconhece que em determinados casos, pela
evidência do direito ou pela urgência da situação, torna-se possível a antecipação
do momento executivo à cognição judicial plena. Tateando a superfície do CPC de
2015 nós podemos identif‌icar várias técnicas diferentes envolvendo alterações ou
combinações entre o momento da cognição com o da execução.
A regra normal do CPC envolvendo o momento cognitivo e executivo está prevista
no procedimento comum do Título I do Livro II do CPC. Neste, o processo inicia por
petição inicial e só “termina” com o cumprimento da sentença3. Mas, como já se
disse, existem diversas outras situações em que o binômio cognição-execução fruto
da análise do conf‌lito de interesses não segue o modelo padrão. Nessas situações
1. A observação acima não representa, de forma alguma, uma repristinação da divisão estanque de processos
e ações (cognição, execução e cautelar) que durante muito tempo foi corrente no processo civil clássico
quando a ciência processual sedimentava suas bases teóricas em razão do reconhecimento da sua autonomia
em relação ao direito material. A respeito ver, por todos, SICA, Heitor. O conceito de ação: uma síntese da
doutrina clássica à concepção atual (2020). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BLYmWO-
gf4gk. Acesso em: 16.05.2021; SICA, Heitor. Cognição do juiz na execução civil. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=m0TcQt5FdFI. Acesso em: 10.04.2021.
2. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar. 2001, p. 07.
3. Duas observações são importantes. A primeira, de que o cumprimento de sentença para pagamento de
quantia depende de requerimento executivo (art. 513 e 523). A segunda, de que as regras do procedimento
da fase de cumprimento de sentença para pagamento de quantia dependem de atos executivos cuja regula-
mentação se encontra no Livro II dedicado ao Processo de Execução.
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