A Liberdade como Prerrogativa Fundamental dos Contribuintes e as Limitações ao Poder de Polícia Fiscal

AutorEduardo Arrieiro Elias
CargoAdvogado em Belo Horizonte. Pós-graduado em Direito Tributário
Páginas5-11

Page 5

1. Introdução

A busca pela liberdade, através dos séculos, sempre foi um dos maiores ideais dos povos civilizados. O tributo, por seu turno, sempre foi visto como uma forma de restrição à liberdade.

Deste confronto surgiram as maiores revoluções da história, muito sangue foi derramado, muitas vidas extirpadas. No Brasil, principalmente nos últimos anos, a interferência estatal na atividade do contribuinte, na sua vida privada, tem-se mostrado preocupante.

Não se respeitam as garantias fundamentais. Tudo em prol de arrecadações recordes. Problema dos mais atuais e que reclama as maiores reflexões. Diante de tema de tamanha importância, o objetivo deste trabalho é analisar a forma como o Estado tem agido do alto de seu poder de polícia fiscal, confrontando esta atuação com a ordem, a liberdade e as prerrogativas fundamentais dos cidadãos-contribuintes.

O presente ensaio, destarte, tem como foco demonstrar as principais agressões à liberdade, levadas a cabo pelas atitudes tomadas pelos entes tributantes, dotados de poder de polícia fiscal.

O trabalho será dividido em três partes distintas. Na primeira, colocar-se-á o problema. Na segunda, discorrer-se-á, de maneira sucinta acerca do poder de fiscalização. Na terceira, também de forma breve, dissertar-se-á acerca das principais agressões à liberdade no âmbito da atuação fiscalizatória estatal. Da análise efetuada, apresentar-se-ão as conclusões sobre os limites do poder de polícia fiscal e o respeito à liberdade no Direito Tributário.

2. Da colocação do problema: o direito fundamental à liberdade e o confronto com o dever de tributar

Ao se proceder à análise de tão polêmico tema, mister que não se deixe de abordar aspectos primordiais, que colocam frente a frente o dever do Estado de fiscalizar, de arrecadar, de tributar, e o direito fundamental à liberdade que têm os contribuintes, mesmo frente ao fisco.

No Estado Democrático de Direito, o poder de tributar jamais pode servir de entrave ao exercício dos direitos e garantias fundamentais. Certo é que o Estado tem o dever de combater a sonegação fiscal, de buscar a igualdade e a solidariedade entre os contribuintes e, ainda, de arrecadar tributos para a manutenção de suas atividades essenciais. Mas sempre com o respeito à liberdade.

Como muito bem assevera o professor Ricardo Lobo Torres, o tributo nasce no espaço aberto pela autolimitação da liberdade e constitui o preço da liberdade, mas por ela se limita e pode chegar a oprimi-la, se não o contiver na legalidade1.

Com brilhantismo, a professora Misabel Derzi afirma que "em um Estado Democrático de Direito, a igualdade e a solidariedade, que lhe são inerentes, exigem leis tributárias justas e exeqüíveis, completadas pela implementação de administração e fiscalização eficientes do cumprimento dos deveres tributários. Os poderes de fiscalização e administração são essenciais para se obter a execução satisfatória das leis tributárias, com que se possa alcançar a manutenção adequada dos serviços públicos essenciais. O esforço executivo, compreendido como a totalidade das condições que garantam uma execução cômoda e econômica, pode ser designado de praticidade. O cumprimento das próprias leis, da forma mais ampla possível, a praticidade, desencadeia uma série de outras questões e limites"2.

Obviamente, não se busca, aqui, o esgotamento do tema, o que se fará é uma crítica acerca da atuação Estatal na busca pela arrecadação. O Estado, nos dias atuais, essencialmente no que tange à atividade fiscalizatória, assume postura medieval. Para os entes públicos, os fins arrecadatórios justificam quaisquer meios usados, mesmo que tais meios suprimam direitos e garantias fundamentais.

Não importa se será necessário quebrar sigilos bancários, não importam as garantias da inviolabilidade dos dados, do sigilo de informações, da proteção do domicílio, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, a plenitude de defesa, a ética, a moralidade, a impessoalidade, a legalidade, a igualdade, a segurança, o devido processo legal, o direito de propriedade, enfim, não importa a liberdade. O que importa, para o fisco, é a arrecadação. Mesmo que a política utilizada esteja minando as prerrogativas fundamentais. Os poderes de investigação, fiscalização e administração dos tributos sempre se assentaram no interesse público, isso é indubitável.

Entretanto, tais poderes não são ilimitados, visto que encontram nos direitos e garantias fundamentais barreira intransponível, pelo menos enquanto vigente um regime de liberdade, regime que não suprima as prerrogativas encravadas no seio da Lei das Leis. A liberdade é um princípio. Desse fato, seu campo de aplicação não pode ser circunscrito e os limites à sua atuação são exceções que não podem escapar à atuação do Poder Judiciário.

Certo que o interesse público, o interesse coletivo, também é um princípio. O que fazer, então, diante de tal antinomia? Diante da colisão entre o interesse público e a liberdade? O que se deve fazer é adequá-los, de modo que o intérprete possa, através de uma escolha racional, optar pelo princípio mais adequado ao caso concreto3. Entretanto, não há dúvidas que, a regra geral, é de prevalência, pelo critério da adequabilidade, da liberdade, pois expressão da dignidade humana. A prevalência do interesse público somente se dará em casos excepcionais.

Como bem expõe Rodrigo da Cunha Pereira, "não há como se evitar que, em uma colisão de princípios, o intérprete busque a melhor forma de alcançar a dignidade da pessoa humana, ou seja, a dignidade deverá sempre preponderar"4. Posto o problema, passa-se, doravante, a brevíssima exposição dos principais aspectos inerentes ao confronto entre o poder-dever de fiscalizar e os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes.

3. Do poder de polícia fiscal

O poder de polícia é a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos5.

Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder6.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "pelo conceito clássico, ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança. Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público"7.

No Brasil, essencialmente com a promulgação da Carta de 1988, as prerrogativas da liberdade como direitos e garantias fundamentais foram elevadas a patamar acima das intervenções estatais. Isso é inegável.

É incontestável que deve predominar o direito à liberdade, quando confrontado com o poder de polícia fiscal. Somente em Estados totalitários o poder de polícia não encontra limitações, podendo atingir as liberdades individuais.

Verifica-se, assim, que a concepção do poder de polícia está diretamente relacionada à noção do Estado. Onofre Alves Batista Júnior, em obra ímpar a respeito do tema, descreve minuciosamente a origem do poder de polícia e suas manifestações nos diferentes paradigmas estatais8.

Contudo, não é interesse, neste trabalho, o aprofundamento acerca do poder de polícia, em sua acepção genérica. O que se fará, neste tópico, é uma brevíssima noção do que seja poder de polícia fiscal, para que se possa contrapô-lo aos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes.

Preambularmente, ressalta-se que o poder de polícia fiscal nada mais é que o poder de polícia do Estado voltado à atuação da atividade fiscalizatória que, no Brasil, é atividade administrativa plenamente vinculada.

Nesse contexto, como supressão das liberdades, o poder de polícia fiscal sempre será levado ao sopesamento e à adequação quando confrontado com os direitos e garantias fundamentais. Isto é, o poder de fiscalizar não é absoluto, cede passo aos direitos fundamentais dos contribuintes, que por sua vez, também não são absolutos. Ambos, isto é, os direitos e garantias individuais e o poder de polícia fiscal encontram limitações na Constituição da República.

A fiscalização é meio pelo qual se vale o Estado na busca pela arrecadação, na busca pela riqueza dos contribuintes, que servirá de contrapartida aos serviços providos pelo Estado.

No entanto, o que se tem observado, atualmente, é que o Estado tem atribuído ao poder de polícia fiscal uma força sem precedentes. A atividade fiscalizatória tem se mostrado muitas vezes desrespeitosa aos direitos encravados na Lei Maior.

A questão dos direitos e deveres da fiscalização é um problema real. As dificuldades são numerosas, principalmente quando a fiscalização tributária ultrapassa seus limites, vilipendiando direitos e garantias do contribuinte.

Exemplos não faltam de práticas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT