A prescrição total na reforma trabalhista

AutorRodolfo Pamplona Filho e Leandro Fernandez
Páginas38-48

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Ver Nota12

1. Considerações iniciais

A denominada Lei da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/17) alterou sensivelmente a disciplina da prescrição no âmbito do Direito do Trabalho.

O diploma: a) positivou a noção de prescrição total, estendendo-a também aos casos de descumprimento do pactuado; b) sugeriu3 a limitação das hipóteses de inter-rupção da prescrição apenas ao caso de ajuizamento de reclamação trabalhista; c) admitiu expressamente a prescrição intercorrente na fase de execução e sua pronúncia ex officio, fixando em dois anos o prazo para tanto, sem, todavia, prever a adoção das cautelas consagradas no art. 921 do CPC/15; d) criou uma nova causa de suspensão da prescrição, consistente no ajuizamento de ação destinada à homologação de acordo extrajudicial.

Cumpre-nos, aqui, analisar a mais radical alteração de paradigmas em matéria de prescrição trabalhista, contida no novo art. 11, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que passa a disciplinar a prescrição total4. Prevê o novel dispositivo: “Tratando-se de pretensão que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração ou descumprimento do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei”.

Sob o pretexto de positivar os parâmetros adotados pelo Tribunal Superior do Trabalho na Súmula n. 2945 (vide, neste sentido, o relatório do Projeto da Reforma Trabalhista na Câmara dos Deputados), o legislador ampliou a abrangência da prescrição total também para os casos de atos omissivos (descumprimento do pactuado), linha inter-pretativa há décadas rejeitada pela Alta Corte Trabalhista. Embora passível de críticas, por conferir distinto tratamento jurídico a atos comissivos e omissivos, sem fundamento objetivo para tanto, é certo que o posicionamento encontrava-se sedimentado na jurisprudência da Corte.

Vale recordar, a propósito, que a Súmula n. 4526 do

TST reflete o entendimento no sentido da aplicação da prescrição parcial em relação a pretensões decorrentes de atos omissivos, verbete que, com início da vigência da nova legislação, tende a ser cancelado.

O déficit democrático que caracterizou a elaboração do projeto da reforma trabalhista redundou em graves prejuízos

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sociais, em aumento exponencial da insegurança jurídica para a atuação dos agentes econômicos e, também, na baixa qualidade da redação de alguns dispositivos, seja sob a perspectiva da boa técnica gramatical, seja sob a ótica da técnica jurídica. Tivesse havido efetivo debate sobre o texto com todos os setores sociais interessados e com a academia, decerto muitos equívocos teriam sido sanados ao longo da tramitação.

O novo art. 11, § 2º, celetista é um dos mais eloquentes exemplos da gravidade dos erros técnicos contidos no mencionado diploma legislativo.

Até naquilo em que o dispositivo poderia contribuir para o aperfeiçoamento do entendimento dominante (isto é, no afastamento da ideia de atribuição de efeitos jurídicos distintos a atos comissivos e omissivos) acabou por falhar, ao consagrar amplamente a figura da prescrição total. Todas as demais deficiências contidas na Súmula n. 294 são visíveis no art. 11, § 2º, da CLT.

No presente trabalho, analisaremos a prescrição total consagrada na Súmula n. 294 do TST e no novel art. 11, § 2º, celetista. Para tanto, abordaremos as modalidades de prescrição ordinariamente admitidas na seara trabalhista, o contexto histórico de edição do mencionado verbete, a delicada questão da prescritibilidade dos atos nulos, o conteúdo do art. 7º, inciso XXIX, da Constituição de 1988 e a desafiadora delimitação do sentido da expressão “preceito de lei”. Proposto o itinerário, passemos a percorrê-lo.

2. Modalidades de prescrição no direito do trabalho

A prescrição consiste em ato-fato jurídico caducificante cujo suporte fático é composto pela inação do titular do direito em relação à pretensão exigível e pelo decurso do tempo fixado em lei (PONTES DE MIRANDA, 1955, § 665, 1 e 3). Com a oposição da exceção (em sentido material) da prescrição ou, na atualidade, sua pronúncia ex officio, encobre-se a eficácia da pretensão7. Não há, entretanto, extinção do direito, da ação processual ou da própria pretensão.

Rigorosamente, não há falar em distinção ontológica entre as denominadas espécies de prescrição, já que todas dizem respeito ao mesmo fenômeno jurídico. No entanto, peculiaridades em sua operacionalização têm justificado abordagens específicas em relação às modalidades identificadas pela doutrina.

A prescrição bienal é aquela flui a partir da extinção do contrato de trabalho, alcançando a generalidade das pretensões nele lastreadas (a exceção fica por conta das lesões pós-contratuais).

Por sua vez, a prescrição quinquenal corre no curso do contrato, a partir da exigibilidade da pretensão, encontrando, em caso de superveniência da cessação do liame, limitação no prazo de dois anos após tal evento.

São elas as duas únicas modalidades de prescrição pre-vistas no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição de 1988.

Seguindo a lógica trilhada pela Súmula n. 294 do TST, a prescrição quinquenal poderá ser total ou parcial, de acordo com a fonte em que se ampare o direito. A discussão acerca da natureza total ou parcial da prescrição somente encontra sentido quando analisamos parcelas de trato sucessivo.

Por isso, não é da melhor técnica atribuir à prescrição bienal a qualificação de total, já que, para a pronúncia daquela, não se coloca em debate a fonte da qual emanam prestações de índole sucessiva. Para a incidência da prescrição bienal interessa apenas o transcurso do prazo fixado na Constituição após a ruptura do vínculo empregatício. No entanto, em uma acepção ampla e desvinculada dos conceitos construídos em torno da Súmula n. 2948 do TST, a prescrição bienal possui, por assim dizer, um efeito “total”, por atingir as pretensões em geral oriundas do contrato de emprego (ressalvadas as lesões pós-contratuais), estabelecendo um limite fatal para o seu exercício.

Em razão dessa acepção ampla, popularizou-se o uso da expressão “prescrição total” como referência à prescrição bienal. A confusão conceitual é agravada por um motivo histórico: antes da Constituição de 1988, a prescrição das pretensões trabalhistas em geral consumava-se em dois anos (excetuando-se as atinentes ao FGTS), seja no curso do contrato, seja após sua extinção.

As vastas consequências da prescrição bienal conduziram os Tribunais trabalhistas e a doutrina à utilização de outras nomenclaturas para designá-la: totalíssima, absoluta ou extintiva.

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Em contraposição, a prescrição quinquenal (total ou parcial) seria relativa, já que diria respeito a pretensões específicas decorrentes do contrato, não à totalidade delas.

3. Prescrição total e parcial: a Súmula n 294 do TST e o art. 11, § 2º, da CLT

A distinção entre prescrição parcial e total trata-se de temática relacionada às Súmulas ns. 168 e 198 (canceladas há cerca de 30 anos) e n. 294 do TST, além do novo § 2º do art. 11 da CLT (inserido pela Lei n. 13.467/17).

A discussão a respeito da incidência de cada uma delas apresenta-se, como dito, apenas quando em jogo parcelas de trato sucessivo.

Quando se considera uma lesão pontual (a exemplo do não pagamento de prêmio prometido em uma única oportunidade ao longo do contrato), não se cogita, rigorosamente, de prescrição total. A violação não atingirá prestações sucessivas e, simplesmente, ocorrerá a prescrição da pretensão correspondente no prazo de cinco anos no curso do contrato, observada a limitação ao biênio em caso de sua extinção.

Não obstante, alertamos o amigo leitor que pode ser visualizado na jurisprudência e na doutrina o uso da expressão “prescrição total” em referência a três distintas situações: a da prescrição bienal (pelo motivo anterior-mente mencionado), a da prestação única (lesão pontual) e a da alteração contratual que importe em prejuízo a prestações sucessivas.

A última situação é aquela à qual está reservada, propriamente, a locução “prescrição total”.

O critério consagrado na Súmula n. 294 para a distinção entre a prescrição total e a parcial é a fonte em que se funda o direito (parâmetro que veio a ser albergado pelo novo § 2º do art. 11 da CLT).

Teremos a prescrição total (também conhecida como “nuclear” ou do “fundo do direito” ou da “fonte do direito”) quando a alteração do pactuado afetar prestações sucessivas de direito assegurado por preceito de lei (por exemplo: décimo terceiro salário).

Por outro lado, teremos a prescrição parcial (ou “parciária” ou “parcelar”) quando a alteração do pactuado afetar prestações sucessivas de direito previsto apenas no âmbito da relação individual de trabalho, isto é, no contrato ou no regulamento de pessoal da empresa (v.g.: anuênio).

A partir dessa enunciação, é possível extrair, desde logo, quatro reflexões.

A incidência da prescrição total ou parcial busca fundamento no grau de indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Na precisa síntese de Augusto César Leite de Carvalho (2016, p. 92), “se a lesão se dá a direito previsto em lei, fere-se direito de indisponibilidade absoluta e, por isso, a prescrição é total; se a lesão se dá a direito não previsto em lei, fere-se direito de indisponibilidade relativa e, por isso, a prescrição é parcial”.

O emprego das expressões “nuclear”, “fundo do direito” e “fonte do...

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