Prescrição total e parcial. Prescrição das prestações sucessivas. Art. 11, § 2º, da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/17

AutorFrancisco Rossal de Araújo - Rodrigo Coimbra
Páginas123-136

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Os efeitos da prescrição sobre prestações de trato sucessivo há muito tempo inquieta e divide os profissionais e agentes públicos que atuam no Direito do Trabalho e no Processo do Trabalho. Ao longo do tempo, a matéria foi objeto de um Prejulgado (48) e de três Súmulas do TST: ns. 168, 198 e 294. Tal circunstância, por si só, revela o grau de controvérsia sobre a matéria. Além disso, outras súmulas tratam do tema de maneira incidental, em temas como complementação de aposentadoria, equiparação salarial, desvio de função, entre outros. Recentemente, a Reforma Trabalhista de 2017 incorpora o entendimento da Súmula n. 294 ao art. 11, § 2º, da CLT.

A distinção entre prescrição total e prescrição parcial, tem como elementos centrais a continuidade do contrato (parcelas de prestação sucessiva) e a distinção de efeitos dos atos nulos e dos atos anuláveis.

No contrato de trabalho, a continuidade tem especial importância, pois as prestações e adimplementos recíprocos das partes são contínuos ou de trato sucessivo. Assim, um contrato de longa duração pode ter sucessivas lesões, com sucessivos prazos prescricionais. Como exemplo, pode-se indicar a supressão de pagamento de uma determinada parcela componente da remuneração do empregado. Imagine-se que um empregado receba adicional de insalubridade por determinado tempo e, num determinado momento, o empregador deixa de pagar a parcela, mas o empregado continua trabalhando. Sua remuneração diminuirá no primeiro mês, no segundo, no terceiro e assim sucessivamente. A cada novo mês, mantida a supressão da parcela, haverá uma nova lesão e a contagem de um novo prazo prescricional, pois se trata de parcela sucessiva. Quando o empregado é despedido, ele decide entrar com uma ação trabalhista e postular as diferenças que entende devidas, desde a data da primeira lesão. No lado contrário, a reclamada alega a prescrição. O problema é definir se as diferenças estão totalmente prescritas ou se a prescrição não atinge

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o direito, mas apenas as parcelas que estão fora do quinquênio prescricional determinado pelo art. 7º, XXIX, da Constituição.

Imagine-se, como outro exemplo, que passados mais de 5 anos do ajuizamento da ação, tenha nascido o direito à equiparação salarial (suponha-se que estejam presentes todos os requisitos do art. 461 da CLT) situação que perdurou até a extinção do contrato de trabalho e que na mesma época o seu empregador passou a não mais pagar comissões (que pagou desde o início da contratualidade até então). É desses casos envolvendo prescrição quinquenal de prestações sucessivas inadimplidas que a matéria trata.

Também é preciso levar em conta a natureza da lesão: se ela atinge norma jurídica ou cláusula contratual. Atos nulos não prescrevem, pois decorrem de normas de natureza pública. Atos anuláveis, decorrentes de cláusulas contratuais, podem ser objeto de prescrição.

Não havia nada na legislação até então e coube á jurisprudência criar as soluções para as situações concretas e tentar sistematizar a matéria.

O Tribunal Superior do Trabalho por meio do Prejulgado n. 48319, firmou entendimento de que “na lesão de direito que atinja prestações sucessivas, de qualquer natureza, a prescrição é sempre parcial e se conta do vencimento de cada uma delas e não do direito do qual se origina”.

Essa posição foi mantida integralmente pela Súmula n. 168 do TST (DJ 11.10.1982) e se baseava no entendimento doutrinário capitaneado por Délio Maranhão320, segundo o qual as alterações contratuais lesivas geram nulidade, independente da natureza da verba trabalhista objeto da lesão, incidindo o art. 468 da CLT, que confere pena de nulidade plena para as alterações realizadas ao longo do contrato de trabalho sem o consentimento do empregado e/ou que lhe causem prejuízos de forma direta ou indireta.

A cada nova lesão, ocorreria uma nulidade por afronta a expresso texto de lei, o art. 468 da CLT. A cada mês que não foi paga a parcela, uma nova lesão e um novo prazo prescricional. Assim, de acordo com o entendimento da Súmula n. 168 do TST as lesões de parcelas sucessivas, de origem contratual ou legal, tinham apenas prescrição parcial, ou seja, a prescrição contava-se da parcela em si.

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Em 1985, o Tribunal Superior do Trabalho introduziu o conceito de “ato único do empregador”, determinando que a prescrição, nesse caso, seria total e que, nos demais, seria parcial. O texto da referida Súmula era o seguinte:

Súmula n. 198 (DJ 1º.4.1985). Na lesão de direito individual que atinja prestações periódicas devidas ao empregado, à exceção da que decorre de ato único do empregador, a prescrição é sempre parcial e se conta do vencimento de cada uma dessas prestações, e não da lesão do direito.

Ocorre que quase todas as alterações de contrato de trabalho decorrem de “ato único do empregador”, pois o contrato de trabalho é marcado pela subordinação do empregado ao empregador e pelo jus variandi ou poder diretivo. Como consequência, o empregado deveria entrar com a ação contra seu empregador no curso do contrato de trabalho em vigor, a fim de que eventuais lesões não prescrevessem. Em um sistema onde não há garantia de emprego, um empregado que demanda contra seu empregador no curso do contrato de trabalho tem grandes probabilidades de ser despedido.

Do contrário, passados cinco anos da lesão causada por “ato único do empregado” toda pretensão estaria prescrita (por isso a posterior expressão “prescrição total”). Isso é muito difícil num contexto em que não há garantia de emprego e que, com muita probabilidade, o empregado seria despedido se demandasse em juízo contra seu empregador, no curso da relação de emprego.

Em abril de 1989, no contexto da promulgação da Constituição Federal de 1988 — que inovou no que tange aos prazos prescricionais trabalhistas, aumentando-o, de 2 para 5 anos —, bem como pela pressão que sofria pela criação da categoria “ato único do empregador”, o TST cancelou a Súmula n. 198 e editou a Súmula n. 294, baseada na distinção entre ato nulo e ato anulável capitaneada por Orlando Gomes, com a seguinte redação:

Súmula n. 294. PRESCRIÇÃO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. TRABALHADOR URBANO. Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei.

Orlando Gomes defende que a aplicação da teoria das nulidades do Direito Civil ao Direito do Trabalho, segundo a qual o tipo de invalidade do ato jurídico (nulidade absoluta, relativa e anulabilidade) depende da natureza do direito violado, destacando que: “se os atos nulos estivessem excluídos do âmbito da regra estatuída no art. 11, teria a Consolidação consagrado um preceito ocioso, pois, a prevalecer o entendimento de que nulo todo ato infringente de lei imperativo, dominaria a regra da imprescritibilidade, eis que as disposições trabalhistas têm essa natureza. Por outro lado, o art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho não autoriza, para efeito de prescrição, a distinção entre atos nulos e anuláveis mas, ao contrário, deixa bem claro o propósito de cobrir com a prescrição todos os atos infringentes das suas disposições”.321

Após estas considerações, podemos sistematizaras seguintes conclusões: a) não há que se falar em prescritibilidade ou não dos atos nulos, mas sim da prescritibilidade do

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direito de ação que vise anular os efeitos dos atos supostamente nulos; b) pela falta de previsão expressa, eis que o disposto nos arts. 794 a 798 da CLT refere-se apenas às nulidades processuais, deve ser aplicada, no Direito do Trabalho, a teoria das nulidades do direito comum.

A Súmula n. 294 do TST chegou a uma espécie de ponto médio, entendendo que se a lesão for relacionada com parcela de natureza contratual e o empregado não demandar o empregador mesmo no curso da relação de emprego, haverá prescrição total. Se a lesão decorrer de afronta a dispositivo legal, a prescrição será parcial, ou seja, dentro do prazo não abrangido pela prescrição, as diferenças serão devidas, mesmo que a lesão original tivesse ocorrido em período anterior. Isso ocorre porque a lesão se renovaria mês a mês e adentraria dentro do período não abrangido pela prescrição.

Baseado nas normas de Direito Civil (diferentemente de Délio Maranhão que construiu sua tese sob o art. 468 da CLT, conforme acima referido), Orlando Gomes sustentava que o tipo de invalidade do ato jurídico depende da natureza (origem) da estipulação da prestação trabalhista.

É preciso lembrar que o próprio Código Civil, promulgado em 1916, obra toda ela calcada no individualismo jurídico que marcou o pensamento do início deste século, consagra a prescrição parcial em se tratando de prestações sucessivas (art. 178, § 10, inciso VI). Quando a violação de direitos é continuada não sendo razoável acolher-se a tese da prescrição total em decorrência de ato único do empregador.

19.1. Prescrição total

As lesões sobre prestações de origem contratual — estabelecidas originariamente por pacto entre os sujeitos, em contrato individual de trabalho, por exemplo — geram anulabilidade322 do ato e sobre as respectivas pretensões incide prescrição total, cuja...

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