O presente de grego nos 30 anos da constituição federal: a reforma trabalhista e a transição para um modelo intermitente de trabalho

AutorStéfano Cunha Araújo
CargoDoutorando em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Analista Judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, exercente do cargo de Assessor de Ministro
Páginas73-91
!
73
O PRESENTE DE GREGO NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: A
REFORMA TRABALHISTA E A TRANSIÇÃO PARA UM MODELO
INTERMITENTE DE TRABALHO
THE INTERMITTENT CONTRACT ON BRAZILIAN'S LABOR LAW: A
WRACKING BALL AGAINST HUMAN RIGHTS AT THE LABOR ARENA
Stéfano Cunha Araújo
1
RESUMO
O artigo tem como finalidade analisar, de forma crítica, um acontecimento contemporâneo do
cenário político-jurídico brasileiro: a reforma trabalhista e a transição de um modelo de
emprego direto, formal e duradouro (o contrato de trabalho por tempo indeterminado) para um
modelo de engajamento fortuito e fracionariamente remunerado (o contrato intermitente de
trabalho). A reflexão visa a desmistificar a chamada modernização das leis trabalhistas,
demonstrando que, na verdade, se trata de uma revogação de direitos fundamentais ao arrepio
PALAVRAS-CHAVE: Reforma trabalhista; Contrato intermitente de trabalho; Democracia
constitucional; Cidadania inclusiva; Controle de constitucionalidade; Justiça do Trabalho;
Ministério Público do Trabalho; Ministério do Trabalho.
ABSTRACT
The article intends to propose a critical analysis about a political movement that remount the
last two years of Brazil´s policy: the labor Law reform and the consequent transition between a
formal and long labor relationship (traditional labor contract) to a freelance model (intermittent
contract). The intended discourse is about how the extinction of elementary constitutional rights
at the labor arena represents not a modernization but a racking ball against human rights and
the concept of labor´s citizenship and dignity.
KEYWORDS: Brazil´s labor Law reform; Intermittent Contract; Constitutional democracy;
Inclusive citizenship; Constitutional adjudication; Judicial review; Labor Justice; Public Labor
Ministry; Labor State Department.
1. Introdução
Nos idos de 1300 a.C. a 1200 a.C. ocorreu uma violenta guerra de 10 anos entre aqueus
(habitantes da Grécia antiga) e troianos (uma região da Turquia), a qual se deflagrou por conta
do rapto da esposa do rei Menelau de Esparta por Páris (príncipe troiano, filho do rei Príamo de
Tróia).
A famosa passagem contada por Homero, em Odisseia
2
, e resgatada em alguns de seus
pontos, em Ilíada
3
, tem no mito do Cavalo de Tróia o seu ápice, quando os gregos supostamente
haviam presenteado os troianos com um gigantesco adorno de madeira no formato deste animal,
como sinal de desistência do combate e anúncio da vitória troiana.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
1
Doutorando em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB.
Analista Judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, exercente do cargo de Assessor de Ministro.
2
HOMERO. Ilíada. Trad. Haroldo de Campos. São Paulo: Arx, 2008. passim.
3
HOMERO. Odisséia. Lisboa: Livros Cotovia, 2005. passim.
!
74
O adorno ficou conhecido como “presente de grego” porque na verdade a lenda conta
que aquele presente era uma armadilha plantada dentro dos muros de Tróia. Com a suposta
desistência da guerra pelos gregos, os troianos festejaram a vitória e enquanto seus soldados
exaustos descansavam da grande festa promovida pela vitória sobre os inimigos, soldados que
se encontravam dentro do adorno de madeira saíram do esconderijo, abriram as portas da cidade
de Tróia e deram passagem aos soldados gregos, que arrasaram os troianos e capturaram as
mulheres e crianças daquele povo, tornando-os escravos.
Qualquer semelhança entre esse mito e a realidade política brasileira não é mera
coincidência, e a figura literária foi cuidadosamente escolhida para representar aquilo que se
está vivendo neste momento conturbado de vida política brasileira.
Adiante, tentar-se demonstrar que no ano em que a CLT completou 74 anos, e
menos de um ano do aniversário de 30 anos da Constituição Federal, o Congresso Nacional
presenteou os brasileiros com um verdadeiro Cavalo de Tróia (a reforma trabalhista), o que
insere no campo das necessidades da população trabalhadora o resgate de Helena como única
solução viável para a manutenção da dignidade dos trabalhadores no seio das relações laborais.
Assim como na lenda grega, os adornos suntuosos da armadilha estão sendo enaltecidos
(retomada do crescimento econômico, queda nas taxas de desemprego, diminuição do déficit
público, viabilização da competitividade internacional, etc.), mas o exército de destruição
inserido dentro da armadilha não está sendo sequer notado, quiçá debatido pelos veículos de
imprensa e de formação de opinião das massas.
A força destruidora de direitos fundamentais inserida no seio dessas e de outras reformas
em debate na sociedade brasileira é de tamanha magnitude que, tal qual uma imensa edificação,
não pode ser visualizada em sua plenitude muito de perto. Por isso, a observação desse adorno
precisa de um certo distanciamento (no caso, distanciamento dos sensos comuns midiáticos que
vendem as propostas com tom de apelo comercial e de propaganda de governo) e de foco
(recortes pontuais de algumas medidas que já foram implantadas e quais suas consequências).
Essa é a tarefa a que se reserva o presente ensaio, que irá focar sua análise em um de
dos institutos mais agressivos da reforma trabalhista, qual seja, o contrato intermitente de
trabalho, a fim de estimular um exercício de emulação do prognóstico da perda de direitos
fundamentais que acena no horizonte dos trabalhadores brasileiros.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT