O presente dos sistemas de governo na América Latina

AutorMarvin Carvajal Pérez
Páginas35-50

Marvin Carvajal Pérez. Diretor da “Escuela Judicial” da Costa Rica. Professor Associado da “Universidad de Costa Rica”. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Licenciado em Direito pela “Universidad de Costa Rica”.

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1 Introdução

Os sistemas de governo constituem as formas segundo as quais, um Estado há organizado a estrutura política interna de poder. É o modelo de distribuição do poder entre os órgãos encarregados de realizar as funções básicas em uma sociedade organizada sob a forma estatal.

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Seguindo a clássica tipologia de Montesquieu bem como a mais recente de Loewenstein, a forma de governo está referida à posição que ocupam o Legislativo, o Executivo (a Administração) e o Judiciário na distribuição do poder político, bem como às diferentes relações existentes entre estas agências públicas. Quanto maior a separação dos poderes, maior a proximidade com o sistema presidencialista ou até com os regimes autoritários. Todavia, se maior a interação e colaboração entre estes, mais proximidade teremos do sistema parlamentarista.1

Cada sociedade, na hora de constituir seu pacto fundamental, deve decidir o tipo de governo que deseja. Daí que a Constituição seja o cenário natural em que se definirão os órgãos depositários do poder público, bem como a maneira em que estes se desenvolverão. Uma maior concentração de autoridade no Executivo deveria facilitar o efetivo exercício do poder (governabilidade), mas ao mesmo tempo dificultar o controle e diminuir a necessidade de produzir consensos para a tomada de decisões públicas de transcendência. Pelo contrário, a existência de mais controles e pontos de contato interinstitucional, favorece a consolidação de uma democracia inclusiva, ao tempo que impede o exercício “executivo” e expedito do poderEm termos de escolha entre o presidencialismo e o parlamentarismo, os diversos Estados têm optado por variações aos clássicos modelos: o inglês (paradoxo do sistema de sujeição parlamentar) e o estadunidense (modelo presidencialista por excelência). Desde a relativamente exitosa experiência européia com os modelos mistos (França, Portugal e a Finlândia como exemplo), até a evolução que apresentam os sistemas de governo latino-americanos, do presidencialismo caudilista à moderação parlamentar. Este breve ensaio dedicar-se-á a “sobrevoar” o cenário constitucional regional, com o intuito de determinar os traços do que se poderia chamar o modelo latino-americano de governo no começo do Século XXI.

2 A herança colonial e o caudilismo

Na América espanhola (motivo essencial deste trabalho), bem como na portuguesa, a sujeição colonial monárquica foi substituída com o Ascenso das novas elites militares e econômicas, que em alta medida reproduziram o modelo au-Page 37toritário trazido das metrópoles. Para a consolidação das novas formas de governo republicanas, os nascentes Estados tomaram como modelo a Constituição Federal dos Estados Unidos de 1787.

Esse fator produziu a difusão (não necessariamente o sucesso) do federalismo, ensaiado em quase todas as nações da região e consolidado formalmente em Brasil, Argentina, México e a Venezuela. Trouxe também a forma presidencialista de governo, segundo a qual o Presidente adquire largos poderes de condução da “res publica”, ao tempo que mantém uma marcada separação com o Legislativo, carecendo de responsabilidade política recíproca entre ambos os poderes, pois obtém a legitimidade não da confiança parlamentar, mas do voto popular, mesmo que indireto.

O modelo resultou muito apropriado para as novas repúblicas ainda saudosas do poder não questionado dos “Virreyes”, dos “Capitanes Generales”, dos Capitães Hereditários e dos Governadores Gerais, já que simplesmente se substitui uma figura forte por outra. Esses espaços seriam no começo ocupados pelos caudilhos militares e posteriormente pelos líderes das nascentes oligarquias nacionais.2

O resultado desta “adaptação” do modelo norte-americano, bem como da demorada consolidação do ideário democrático e da persistência de estruturas produtivas altamente inequitativas, é o desenvolvimento de formas de governo que pouco evocam a evolução do presidencialismo estadunidense, constituindo sistemas próprios, compostos por elementos não identificáveis na matriz constitucional comum.

Fundamentalmente, o modelo presidencialista latino-americano caracteriza-se por estabelecer um Poder Executivo forte, onde a figura do Presidente é determinante na condução da vida política e econômica nacional. As suas atribuições chegam até a ultrapassar as clássicas fronteiras dos outros poderes, intervindo diretamente na atividade legislativa, e com maior o menor intensidade, também na judiciária.

Mesmo que muitos autores façam divisões entre tipos de presidencialismos na região, baseadas no grau de proximidade de cada um com o prin-Page 38cípio democrático ou a mistura com elementos próprios do parlamentarismo3, a verdade é que existem alguns traços comuns que –em maior ou menor grau- se observam em todos os ordenamento constitucionais da região. Não deveria resultar estranho que o modelo tenha servido como base institucional para a persistência de regimes autoritários durante boa parte dos séculos XIX e XX.

No entanto, as últimas décadas do século XX e os primeiros anos do XXI mostram um intenso processo de evolução do modelo para formas mais democráticas (e, paradoxalmente, para outras mais autoritárias) de governo. Mostra, ao mesmo tempo, um fortalecimento das instituições representativas e participativas e um movimento em procura de maior poder para o Executivo. As reformas em procura da reeleição presidencial ilimitada e a delegação plena de poderes legiferantes convivem ironicamente com a expansão da democracia na região. No próximo apartado, analizar-se-ão os traços essenciais do presidencialismo latino-americano no sentido clássico.

3 Os caracteres do presidencialismo latino-americano

Partir-se-á dos seguintes caracteres comuns ao sistema presidencialista latino-americano clássico: a eleição direta do Presidente; a concentração, neste funcionário, da Chefia do Estado, do Governo e da Administração; a figura do Chefe do Executivo como diretor da vida política pública, bem como da economia; a falta de responsabilidade recíproca em relação com o Legislativo; a subordinação dos ministros e outros órgãos públicos à Presidência; a intervenção do Executivo nas esferas de competência legislativa e judiciária.

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a) Eleição direta

Na América Latina, a regra é a eleição direta do Presidente. Assim o regulamentam as constituições da região: Argentina (artigo 94), Bolívia (96), Brasil (14), Chile (26), Colômbia (260), Costa Rica (93), Equador (165), El Salvador (80), Guatemala (184), Honduras (236), Nicarágua (146), Panamá (172), Paraguai (230), Peru (111), República Dominicana (88), Uruguai (151) e Venezuela (228). As experiências de voto indireto mediante colégios eleitorais é apenas histórica, destacando-se os casos da Argentina, Bolívia, Brasil e a República Dominicana.

O fato dos presidentes serem eleitos por meio do voto direto sem dúvida contribui a garantir o princípio democrático, ao aproximar mais o cidadão da decisão, mas ao mesmo tempo gera uma forte personalização da vida política latino-americana. A pouca maturidade política dos corpos eleitorais faz com que a figura do candidato seja o centro do processo eleitoral, bem mais do que os próprios partidos políticos, as plataformas de governo e a ideologia do discurso.

Esta prevalência da pessoa sobre a estrutura partidária se reproduz posteriormente no Governo. O Presidente é o grande ator da vida política nacional. Os feitos do Governo são tidos como próprios do líder pela população. Daí que não seja estranho concluir que o Presidente adquire uma grande quantidade de poder político. Tal condição traduzir-se-á, no modelo latino-americano e como regra geral, na verticalidade das estruturas de governo, baseadas na hierarquia do chefe do Executivo a respeito dos ministérios ou secretarias de Estado, assim como da direção administrativa das autarquias e outras estruturas públicas.

b) Chefia do Estado, do Governo e da Administração

Na América Latina, é regra que os Presidentes são ao mesmo tempo, chefes do Estado, do Governo e da Administração Pública. Trata-se, de fato, de um dos caracteres principais dos sistemas presidencialistas, que não distribuem tais atribuições entre órgãos diversos, mas o concentram na figura do Presidente da República.

A Chefia do Estado está referida às competências que traduzem a unidade nacional em face da...

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