A pressão político-ideológica contemporânea para que a negociação coletiva exacerbe seus poderes inerentes: neoliberalismo e flexibilização trabalhista

AutorEvellyn Thiciane Macêdo Coêlho Clemente
Ocupação do AutorMestre em Direito das Relações Trabalhistas e Sociais
Páginas49-72
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C II
A pressão político-ideológica contemporânea para
que a negociação coletiva exacerbe seus poderes
inerentes: neoliberalismo e flexibilização trabalhista
Ante a aplicabilidade dos movimentos ultraliberais na economia, o primado
do trabalho e do emprego no sistema capitalista passa a ser severamente
atacado. Esse contexto acarreta na busca pela flexibilização das normas
laborais, por meio de negociações coletivas trabalhistas sem observância do
mínimo já garantido aos trabalhadores, conforme dispõe o texto constitucional,
bem como as normas internacionais ratificadas pelo Brasil.
As relações de trabalho são conflituosas. Submetendo-se a duas verten-
tes do direito, cada uma defenderá seu âmbito de atuação, estando o trabalho
pautado de um lado, como direito fundamental do empregado; e, do outro, será
embasado nos direitos que circundam o empregador, no exercício legítimo do
direito à livre-iniciativa e ao poder de direção.
A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignida-
de da pessoa humana, enquanto valores históricos e filosóficos, conduzem ao
significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa
humana. Assim, estando a ordem econômica sustentada pelos pilares da
livre-iniciativa e da valorização do trabalho humano, em situações conflituosas
nas negociações coletivas trabalhistas, necessário a aplicabilidade dos limites
impostos às categorias sociais, a fim de evitar renúncia reiterada e crônica
dos direitos constitucionais dos trabalhadores.
Diante dos impactos da matriz ideológica da globalização, materializado
pelas tendências do neoliberalismo, ocorre a flexibilização dos direitos huma-
nos fundamentais dos trabalhadores. Isso é perceptível na disputa acirrada
pelo capitalismo, com a instituição de normas que desconstroem as bases
fincadas pela Constituição Federal de 1988, e do mais importante veículo de
afirmação socioeconômica da grande maioria da sociedade, o trabalho.
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É nesse contexto a explanação do presente capítulo, com a demons-
tração da flexibilização e desregulamentação laboral, ante os impactos do
neoliberalismo, por meio da exacerbação dos poderes da negociação coletiva
trabalhista, pela inobservância dos limites e possibilidades da flexibilização,
já taxadas pela Constituição Federal de 1988, por normas coletivas.
2.1. FLEXIBILIZAÇÃO E DESREGULAMENTAÇÃO TRABALHISTA:
CONCEITO E DISTINÇÕES
É preciso destacar que a função do Direito em regular condutas, inte-
resses, relações e instituições, com a harmonização da convivência social
e na busca pela pacificação de conflitos, preserva-se no período histórico
caracterizado pelo advento da Democracia. O Direito Coletivo, expressão do
direito material do trabalho, traz a possibilidade e edição de normas autôno-
mas, sendo uma concessão do Estado, que reconhece a normatividade das
regras construídas coletivamente.
Sob tal aspecto, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 170,
projetou uma ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano
e na livre-iniciativa, com a finalidade de assegurar uma existência digna
a todos, conforme os preceitos da justiça social. Desse modo, as normas
autônomas juscoletivas, construídas para incidirem sobre certa comunidade
econômico-profissional, podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo
justrabalhista, desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados.
Nessa vertente, a negociação coletiva trabalhista, conquanto seja
mecanismo desejável de solução dos conflitos entre o capital e o trabalho
no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro, não pode flexibilizar, de modo
amplo, os direitos básicos dos trabalhadores.
Existem inúmeras possibilidades de validade e eficácia jurídicas das
normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas
à luz do princípio da adequação setorial negociada. No entanto, tais possibi-
lidades não são plenas e irrefreáveis, havendo limites objetivos à criatividade
jurídica da negociação coletiva trabalhista. Desse modo, ela não prevalece
se concretizada mediante ato estrito de renúncia ou se concernente a direitos
revestidos de indisponibilidade absoluto (e não indisponibilidade relativa), os
quais não podem ser transacionados nem mesmo por normas coletivas.
Os limites legais considerados impositivos encontram guarida no princípio
da dignidade da pessoa humana, por constituir unidade dos direitos e garan-
tias individuais e sociais. Tais direitos, destaca Rúbia Zanotelli de Alvarenga,
visam rechaçar “[...] qualquer comportamento que atente contra a pessoa
humana. A dignidade de cada homem consiste em ser essencialmente uma

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