O Pressuposto da Fraude ou do Abuso no Emprego da Personalidade Jurídica

AutorOswaldo Moreira Antunes
Páginas283-335
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O PRESSUPOSTO DA FRAUDE OU DO ABUSO
NO EMPREGO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Mas se é certo, como já acenado, que a desconsideração da personalidade
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fraudulenta e abusiva, é justamente esta mesma circunstância que imprime ao
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remédio, a patologia ainda tem caráter de exceção e não se presume. Vale dizer:
do correto emprego do instituto depende sua própria valorização, de tal sorte que
o uso indiscriminado da teoria e das normas jurídicas que a positivaram poderia
produzir efeito muito diverso do que o sistema pretende.
Sobre o tema, Cândido Rangel Dinamarco escreveu que:
Conforme lição incontrastada dos próprios arautos da disregard doctrine, ela foi
concebida e legitima-se no objetivo de afastar a fraude que através da personali-
dade jurídica se perpetra contra terceiros. Ela não é e não pretende constituir-se
em aniquilação dessa tradicional e arraigada categoria jurídica (que, ademais, está
insculpida no direito objetivo e não pode ser assim pura e simplesmente banida:
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por quotas (cf. Dec. nº 3.708, de 10.01.1919, artigos 9º e 10). Continua em vigor e
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rias as situações em que tal distinção se desconsidera.
E mais: Cf. Fundamentos do processo civil moderno. 4ª ed. São Paulo: Ma-
lheiros Editores, 2001, p. 1.181.
“Também em sede pretoriana”, na aplicação da disregard of legal entity des-
 
que levou e tem levado os tribunais brasileiros, caso por caso, a afastar os óbices
que às vezes a personalidade jurídica opõe ao cumprimento dos desígnios do
direito material e efetiva realização da justiça.
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Nessa perspectiva de combate à fraude, a aplicação das novas ideias trou-
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enfrentar continuamente com os casos extremos em que resulta necessário
averiguar quando pode prescindir-se da estrutura formal da pessoa jurídica
para que a decisão penetre até o seu próprio substrato e afete especialmente
os seus membros.
Não fora excepcional e a aplicar-se prudentemente em casos de efetiva frau-
de a terceiros, o novo pensamento seria violador da ordem jurídica, desconside-
rando o que ela institui (CC, artigos 13 e seguintes) e responsabilizando sócios
contra o veto expresso em lei. Cf. Fundamentos do processo civil moderno.
ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 1.182.
Tratando do assunto, Fábio Ulhoa Coelho lembra que há duas formulações
para a teoria da desconsideração: “A maior, pela qual o juiz é autorizado a igno-
rar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes
e abusos praticados através dela, e a menor, em que o simples prejuízo do credor
já possibilita afastar a autonomia patrimonial”. Nas palavras do ilustre comercia-
lista, a teoria maior da desconsideração
elegeu como pressuposto para o afastamento da autonomia patrimonial da socieda-
de empresária o uso fraudulento ou abusivo do instituto. Cuida-se, desse modo, de
uma formulação subjetiva, que dá destaque ao intuito do sócio ou administrador,
voltado à frustração de legítimo interesse do credor.
E mais: Cf. Curso de direito comercial. v. 2. 5ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva,
2002, p. 35 e 44.
A teoria da desconsideração visa a coibir fraudes perpetradas através do uso da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Sua aplicação é especialmente indicada
na hipótese em que a obrigação imputada à sociedade oculta uma ilicitude. Abstra-
ída, assim, a pessoa da sociedade, pode-se atribuir a mesma obrigação ao sócio ou
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caracteriza-se o ilícito. Em síntese, a desconsideração é utilizada como instrumento
para responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade. Cf. Curso
de direito comercial. v. 2. 5ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, p. 44-45.
Procedendo a percuciente exame da legislação brasileira no tocante ao ins-
tituto, Ulhoa Coelho lembra que “o primeiro dispositivo legal a se referir à des-
consideração da personalidade jurídica é o Código de Defesa do Consumidor, no
art. 28”. Contudo, atento ao aparente divórcio entre a norma legal e o fundamen-
to principal que sempre norteou o instituto (fraude ou uso abusivo da personali-
dade jurídica), ressalvou o comercialista que
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fundamentos legais da desconsideração em benefício dos consumidores, encon-
tram-se hipóteses caracterizadoras de responsabilização de administrador que não
pressupõe nenhum superamento da forma da pessoa jurídica. Por outro lado, omite-
-se a fraude, principal fundamento para a desconsideração. A dissonância entre o
texto da lei e a doutrina nenhum proveito traz à tutela dos consumidores, ao contrá-
rio, é fonte de incertezas e equívocos. Cf. Curso de direito comercial. V. 2. 5ª ed.
São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, p. 49.
Prosseguindo nesse exame, Ulhôa Coelho lembra também que:
O segundo dispositivo do direito brasileiro a fazer menção à desconsideração é
o art. 18 da Lei nº 8.884/1994 (Lei Antitruste). Em duas oportunidades, poderá
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da sanção.
Portanto, prossegue, não há
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tutela do livre mercado; mas, como o legislador de 1994 praticamente reproduziu,
no art. 18 da Lei Antitruste, a redação infeliz do dispositivo equivalente do Código
de Defesa do Consumidor, acabou incorrendo nos mesmos desacertos. Desse modo,
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Cf. Curso de direito comercial. v. 2. 5ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, p. 53.
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leiro, já mencionado neste e no precedente parecer, encontra-se no artigo 4º da
Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre a responsabilidade por lesões ao meio ambien-
te. Como já assinalado, “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que
sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à quali-

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direito societário, impropriedade em que incorreu ao editar o Código de Defesa
do Consumidor e a Lei Antitruste”. Mas foi taxativo ao ressalvar: “Não se pode,
também, interpretar a norma em tela em descompasso com os fundamentos da
teoria maior”. Cf. Curso de direito comercial. v. 2. 5ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva,
2002, p. 53.
Finalmente, detendo-se agora sobre o Novo Código Civil, Ulhoa Coelho
asseverou que:
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