Pressupostos necessários

AutorAires F. Barreto
Páginas13-65
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PARTE I
PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS
1. A Primeira providência: a identificação da atividade
É preciso ter cautela, antes de fazer algumas afirmações
ou de extrair certas conclusões, que logo se revelarão incorre-
tas. No processo de interpretação, constitui equívoco manifes-
to iniciar o processo pelo exame de normas infraconstitucio-
nais, sem antes verificar se elas guardam plena consonância
com os ditames da Constituição. Faz-se necessário extrair do
Texto Supremo as balizas que delimitam os confins de cada
tributo, a fim de não incursionar por veredas incorretas e aca-
bar obtendo conclusões que, embora compatíveis com normas
infraconstitucionais, discrepem frontalmente da Constituição.
Temos visto, com muita frequência, análises doutrinárias e
esparsas decisões que tomam por ponto de partida a definição
apresentada pela lei complementar, como se esta fosse uma nor-
ma suprema, acima da Constituição. Não se parte do raciocínio
incontornável de verificar como a atividade se classifica peran-
te a Constituição, para só então verificar se a lei complementar
lhe deu tratamento com ela consentâneo. Ponha-se exemplo: a
lei complementar entendeu que “locação de bens móveis” era
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AIRES F. BARRETO
serviço e, então, curou de listá-la. Não houve a preocupação de
previamente verificar se, à luz de um critério jurídico, locação
de bens móveis, era, em verdade, serviço. Ora, como sabido,
serviço implica a existência de “obrigação de fazer” e locação
de bens móveis é paradigma de obrigação de dar. O exame da
Constituição e a observância dos princípios gerais de direito
teria evitado o erro palmar de situar a locação de bens móveis
como serviço. Restam muitos outros equívocos. Eufemismos,
tais como “fornecimento de andaimes” (mera locação de bens
móveis), só para mencionar um, persistem na indigitada lista
como se fossem serviços, como se a lei complementar, como um
novo rei Midas, pudesse transformar em serviço toda e qual-
quer atividade, afastando o campo que tenha sido outorgado a
outra esfera de governo, é dizer, invadindo competência tribu-
tária alheia.
Para a obtenção de resultado compatível com o sistema é
preciso, pois, antes de proceder a qualquer exame da lei com-
plementar,
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verificar se a atividade considerada guarda plena
sintonia com o arquétipo disposto na Constituição. Só ao de-
pois de concluir que se trata de atividade, (a) em tese classifi-
cável como serviço, (b) serviço de competência dos Municípios
(e, por exemplo, não dos Estados) configurador de obrigação de
fazer, é que se poderá, então, ir à lei complementar para consta-
tar se se trata de atividade constante da lista que a acompanha.
Essa observação merece atenção especialíssima relativa-
mente a atividades ligadas ao setor financeiro, porquanto, na
maioria das vezes, o sistema constitucional demonstrará que
se tratam de operações creditícias, principais ou acessórias, e
nenhuma prestação de serviços.
1. É preciso ter em conta que as listas veiculadas pelas leis complementares (e antes
pelos decretos-leis que lhes faziam as vezes) sempre tiveram por nascedouro as re-
lações que chegavam ao Congresso pelas mãos dos Municípios. Estes, por sua vez,
tudo faziam e fazem visando a que as atividades em geral figurem nessas normas
como caracterizadoras de serviço. Apresentado um projeto, atuam os Municípios
vorazmente, para em substitutivo aprovar listas que nada têm a ver com a primeira
– e até mesmo com o projeto — incluindo, nestas, uma plêiade de atividades que
serviço não são. E, como tantas vezes se disse, “tá na lista, é serviço”.
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ISS, IOF E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
Em resumo, a natureza jurídica da atividade é crucial
para identificar o tributo a que subsume. Desprezar essa pro-
vidência é, via de regra, obter conclusões equivocadas, sem
lastro na Carta Magna.
2. Hipótese de incidência do ISS
aos Municípios competência para instituir imposto sobre
“serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.
155, II, definidos em lei complementar”, é de elementar evi-
dência que circunscreveu esse âmbito de competência aos
fatos incluídos no conceito de “serviço”. E esse conceito, em-
pregado pela Constituição Federal para discriminar (identifi-
car, demarcar) essa determinada esfera de competência, é de
direito privado.
É, pois, no interior dos lindes desse conceito — no direi-
to privado — que se enclausura a esfera da competência dos
Municípios para a tributação dos «serviços de qualquer na-
tureza”, visto que foi por ele que a Constituição Federal, de
modo expresso, a discriminou, identificou e demarcou.
Exatamente porque a rigidez e a exaustividade são ca-
racterísticas particulares e notáveis do nosso sistema consti-
tucional tributário, foi que o CTN propôs, em precepto didac-
tico (como o qualificaria Sainz de Bujanda) de notável alcance
(art. 110), ser defeso (vedado, proibido) à lei tributária “alterar
a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e
formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicita-
mente, pela Constituição Federal”, para “definir ou limitar
competências tributárias”.
Com efeito, outra não é a opinião do nosso Poder
Judiciário, ilustrada pelo teor do seguinte trecho do acórdão
— bem a propósito do tema deste estudo — proferido pelo E.
1º TAC-SP [tribunal extinto]:
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