A Prevalência do Acordo Coletivo de Trabalho de Empresa no Sistema das Fontes do Direito do Trabalho

AutorTúlio de Oliveira Massoni
Páginas153-171
A PrevAlênCiA Do ACorDo Coletivo De trAbAlho De emPresA
no sistemA DAs fontes Do Direito Do trAbAlho
Túlio de Oliveira Massoni
(1)
(1) Doutor em Direito do Trabalho pela USP. Especialista em Direito Sindical pela Universidade de Modena, na Itália. Bacharel
em Ciências Sociais pela USP. Advogado. Professor Concursado da UNIFESP. Professor Convidado da Universidade Tor Vergata
(Roma II), da FGV-RJ, da Especialização da PUC/SP, da Universidade Mackenzie e outras. Autor do Livro “Representatividade
Sindical” (LTr, 2007) e de Artigos em Revistas Especializadas.
(2) A própria composição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reflete, no plano internacional, esta estrutura de relações
entre os atores sociais.
(3) ERMIDA URIARTE, Oscar. Curso introductorio de Relaciones Laborales. v. 1. FCU: Montevideo, 1995. p. 7; 26.
1. MODELOS DE REGULAÇÃO DO TRABALHO,
ESTADO E ATORES SOCIAIS
Interpretar e conhecer o direito do trabalho, além de
uma aproximação histórica, envolve também o estudo dos
atores sociais e da dinâmica das relações que entre si esta-
belecem (de conflito e de consenso), da mediação estatal
por meio de leis reguladoras do trabalho e das formas de
solução dos conflitos coletivos. É desta trama social e po-
lítica da qual decorre a pluralidade de fontes do direito do
trabalho que se cuidará nesta breve introdução.
Tradicionalmente se denominou “relações industriais”o
conjunto de normas (formais e informais, gerais ou espe-
cíficas) que regulam o emprego dos trabalhadores (salário,
jornada etc.), assim como os diversos métodos (negocia-
ção coletiva, lei etc.) através dos quais se estabelecem as
mencionadas normas e podem ser interpretadas, aplica-
das e modificadas; métodos eleitos e aceitos pelos atores
(empregadores e suas organizações e as representações
de trabalhadores, Estado) nos processos de cooperação
e conflituosidade, de convergência ou antagonismo. Tais
normas, métodos, atores e processos sofrem mudanças no
transcurso do tempo, por meio do qual as relações indus-
triais vão tendo perfis e características próprias na evolu-
ção temporal.
Todo sistema de relações industriais, como mostra Os-
car Ermida Uriarte, envolve três grupos de atores sociais
(ou interlocutores): 1) os trabalhadores e suas organiza-
ções; 2) os empregadores e suas organizações; e 3) os orga-
nismos estatais relacionados ao trabalho.(2) E deste sistema
emerge um complexo de normas para governar e reger a
comunidade de trabalho, as quais podem assumir uma di-
versidade de formas nos diferentes sistemas: convênios,
estatutos, ordens, decretos, regramentos, laudos, políticas,
práticas e costumes. A forma da norma não altera seu ca-
ráter essencial: o de definir o status dos atores e governar
a conduta de todos os atores no lugar e na comunidade de
trabalho.
Um aspecto central do sistema tem a ver com as re-
gras que regulam a relação conflitual ou negocial entre os
atores sociais. E esta regulamentação do sistema pode ser
de dois tipos. Assim como a relação entre as partes pode
ser negocial ou conflitiva, a regulação dessas relações pode
ser estatal (através da lei) ou pode ser autônoma, caso em
que não é o Estado que regula, mas as próprias partes por
meio da negociação coletiva e outros institutos. Aqui sur-
gem variáveis importantes com vistas a definir e classificar
certo sistema de relações industriais de trabalho, já que ele
pode ser regulado autônoma ou heteronomamente. O que
é melhor? Maior grau de intervenção legislativa na regu-
lação do sistema ou menor grau de intervenção legislativa
e maior grau de regulação entre as partes. Neste ponto co-
loca-se o debate intervencionismo X autonomia, regulação
estatal X autorregulação das partes.(3)
Sendo o conflito, notamente o conflito coletivo, o pon-
to de partida de todo o sistema, é sobre ele (e seus desdo-
bramentos, mediações e técnicas), e em especial sobre a
negociação coletiva de trabalho, que se arraiga todo o edi-
fício laboral, dado que os problemas laborais são normais,
e não patológicos, em uma sociedade industrializada, na
qual o objeto das relações industriais como técnica é a so-
lução do conflito.
O aspecto característico do contrato de trabalho é que
o trabalhador encontra-se submetido ao poder do empre-
gador, mas, ao mesmo tempo, o poder deste último é, por
sua vez, coordenado com aquele do trabalho sindicalmente
organizado. A regulação do trabalho, portanto, resulta da
154 | Reforma Trabalhista em Perspectiva: Desafios e Possibilidades
combinação desses processos de subordinação e de coor-
denação. O conflito entre capital e trabalho é naturalmente
imanente em uma sociedade industrial e, por isso, também
nas relações de trabalho. Como mostra Otto Khan-Freund,
em já clássico estudo, os conflitos de interesses são inevitá-
veis em toda sociedade. Há regras para a sua composição,
mas não podem ser regras para sua eliminação. Devem
ser regras aptas a promover a negociação, a promover os
acordos e a promover a observância dos mesmos; e devem
ser regras destinadas a regular o uso da pressão social e
que devam valer para as armas exercitáveis pelas partes
em conflito. (4)
Há modelos autônomos e modelos heterônomos de
relação de trabalho na conformidade do espaço maior ou
menor que o Estado reserva para suas leis e para a auto-
nomia coletiva dos particulares. Otto Khan-Freund conce-
be três grandes modelos de regulação do trabalho e que,
também, indicam a consequente relação que se estabelece
entre lei estatal e contratação coletiva de trabalho.
O primeiro, de tradição da “Common Law”, em que o
papel da lei na formação das regras é muito menor, é por
alguns denominado absenteísmo estatal ou, ainda, “lais-
sez-faire coletivo”.
O segundo modelo corresponde ao da “legislação
reguladora”(regulatory legislation), no qual a legislação
estabelece as normas reguladoras do trabalho, atuando de
maneira a restringir o poder do empregador e sendo indi-
ferente ao fato de os trabalhadores serem ou não sindical-
mente organizados ou em que medida o sejam. Adverte
o autor que o desenvolvimento da contratação coletiva
(determinando tanto a sua amplitude quanto a sua pers-
pectiva) reduziu o sentido de tal legislação reguladora, in-
clusive em termos de eficácia desta última.
O terceiro modelo, em contraposição ao modelo regu-
lador, é o modelo “auxiliar”de normatização, tendente a
estabelecer as “regras do jogo”, em especial por delimitar
uma moldura legal (“legal framework”) da contratação co-
letiva. A lei tem por tarefa definir o processo formativo das
próprias regras oriundas das partes coletivas interessadas e
de suas imposições (“enforcement”). É o modelo de maior
aplicabilidade hoje nos países democráticos, nos quais a
legislação e os poderes públicos incentivam e fomentam a
negociação coletiva como forma privilegiada de superação
de conflitos coletivos(5).
Nos sistemas autônomos ou autorregulados das re-
lações laborais, como no britânico, no norte-americano
e no italiano, a negociação coletiva é uma norma basilar
que regula todo o sistema. Existe pouca ou nenhuma lei
(4) KHAN-FREUND, Otto. Il lavoro e la legge. Trad. Guido Zangari. Milano: Giuffrè, 1974. p. 21.
(5) KHAN-FREUND, Otto. Il lavoro e la legge. Trad. Guido Zangari. Milano: Giuffrè, 1974, p. 30.
(6) URIARTE, Oscar Ermida. Curso introductorio de Relaciones Laborales. v. 1. FCU: Montevideo, 1995. p. 9.
(7) URIARTE, Oscar Ermida. Curso introductorio de Relaciones Laborales. v. 1. FCU: Montevideo, 1995, p. 49. Isto explica a preva-
lência do contrato coletivo de trabalho sobre o contrato individual, expresso, no Direito brasileiro, nos arts. 444 e 619 da CLT.
regulando a estrutura sindical, a negociação coletiva, a
greve, os direitos de empresários e de trabalhadores; tu-
do ou a maior parte disso se regula através da negociação
coletiva. A negociação coletiva é, portanto, nos sistemas
autônomos de relações industriais a norma que estrutura
a totalidade do sistema, não sendo necessário dizer nada
mais para destacar a sua essencialidade. Diferentemente,
nos sistemas intervencionistas ou regulamentaristas e na-
queles sistemas em que a regulação do todo do sistema não
se confia tanto à autonomia coletiva, a não ser, em menor
ou em maior medida, o papel proeminente é confiado ao
Estado, que o exerce através da lei. Ainda assim, a nego-
ciação coletiva segue sendo um elemento essencial do sis-
tema; não tão essencial como o caso anterior, mas de todo
modo importante, porque segue sendo, por mais leis que
existam, a forma básica, a forma principal, a forma essen-
cial da relação obreiro-patronal. Em outras palavras, põe-
-se a negociação coletiva a alternativa ao conflito, o modo
de solucionar o conflito, a forma principal de relação entre
o sindicato e o empresário, seja o empresário individual,
seja a associação sindical de empregadores.(6)
O predomínio do coletivo sobre o contrato individual
teve sua gênese no continente Europeu no qual as forças
conservadoras e socialistas deixaram pouca margem aos
governos liberais e o protagonismo do Estado deu-se atra-
vés de uma extensa legislação garantista do trabalhador
individual. Talvez, por consequência da crise econômica,
a legislação do Estado deixou de fixar mínimos, parece ha-
ver unanimidade em deixar aperfeiçoar, retocar o edifício.
Aflora com toda evidência o maior peso das relações coleti-
vas sobre as individuais, não somente pela sua centralidade
nas Constituições, ou porque se acumularam as sentenças
de cortes constitucionais nos diversos países, senão por-
que, ademais, as primeiras são a fonte das segundas: os
sujeitos coletivos têm característica de fonte de produção
e os acordos coletivos, o de fonte de conhecimento das
normas que regulam as condições individuais de trabalho;
o valor qualitativo sobrepõe-se, assim, à história, e todo o
Direito Sindical chega a ser um “a priori”, um “prius”, da
relação individual do trabalho.(7)
2. DIREITO DO TRABALHO: PLURALISMO DE
FONTES E AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA
Uma das grandes marcas do Direito do Trabalho, ao
lado do princípio protetor, é precisamente o pluralismo
jurídico. O direito do trabalho não está adstrito às leis ela-
boradas pelo Estado. Há também, simultaneamente com

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