A previdência é superavitária

AutorCláudia Salles Vilela Vianna
CargoAdvogada
Páginas18-24

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Conferencista e consultora jurídica empresarial nas áreas de direito do trabalho e direito previdenciário, a advogada Cláudia Salles Vilela Vianna está habituada a desafiar o coro dos contentes. Em entrevista à Revista Bonijuris, ela faz um balanço da reforma da previdência que não veio e que, a julgar pelo melancólico fim do breve governo de Michel Temer, deve ficar mesmo para seu sucessor.

Remando contra a corrente - um estilo que a notabilizou desde que concluiu o curso de direito na Universidade de Uberaba (mg) em 1993 e, 14 anos depois, o mestrado na PuC do Paraná -, Cláudia Salles prova por a + b que a "previdência no Brasil é superavitária". Sim, o leitor leu bem: a previdência em tese não dá prejuízo; muito pelo contrário, gera receita excedente. O déficit anual reiterado, que vem sendo divulgado pelo governo federal, decorre de uma inadequada administração do sistema (receitas/despesas) e de uma forma diferenciada de apresentar as contas. Cláudia é conhecida no meio jurídico pelos embates que trava em nome da seguridade social, que reúne o sus (sistema único de saúde) e a assistência social, ambos de natureza gratuita, bem como a previdência social, de natureza contributiva.

Em suas últimas participações em entrevistas e congressos, Cláudia expôs a "contabilidade criativa do governo", demonstrando que o déficit da previdência de 150 bilhões apontado pelo governo para o ano de 2016 é falacioso e não reflete a situação econômica real da seguridade. Em relação aos últimos anos houve, de fato, um resultado pior em 2016, reflexo da crise econômica pela qual passou o Brasil, mas nem de longe podemos afirmar que o sistema está quebrado, tampouco ser necessária reforma imediata da legislação de forma tão gravosa, como essa que está sendo votada no Congresso Nacional.

Em que base de dados a advogada se fundamenta para provar sua afirmação? Nos boletins estatísticos divulgados pela Previdência Social1e nas Análises da Seguridade Social feitas anualmente pela anfiP - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal2a partir dos resultados aferidos, bem como na regra orçamentária definida na Constituição da República, que deveria ser seguida pela União.

Munida dessas informações, ela aponta que desde 1994 o caixa da seguridade social apresenta um equilíbrio fiscal, com mais receitas do que despesas. "O problema é que o governo não admi-

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nistra de forma correta o sistema, pois desvincula valores da seguridade para custear despesas que a ela não são atinentes, pratica desoneração para alguns setores produtivos sem o devido repasse de valores à seguridade, concede perdões a devedores, gerencia de forma ineficiente a concessão e manutenção de benefícios e é ineficaz no combate à fraude e corrupção, dentre outros fatores", afirma. "E, ainda assim, os resultados vinham se mostrando favoráveis até 2015, sendo o déficit alardeado pelo governo o resultado de uma metodologia própria para a apresentação das contas, que não reflete o que está previsto no texto constitucional."

ENTENDO SER INCORRETA A FORMA ADOTADA PELO GOVERNO PARA A DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS [DA SEGURIDADE SOCIAL]. O JEITO CERTO É O QUE ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO, ARTIGOS 165 E 195

Casada com o advogado Anderson Angelo Vianna da Costa, de quem é sócia no escritório Vilela Vianna, em Curitiba, Cláudia defende o preceito constitucional acima de tudo. As normas estão estampadas na carta constitucional e não deixam dúvida de como os custos da previdência devem ser divididos: 1/3 do governo e os outros 2/3 por conta do trabalhador e do empresariado. Os valores arrecadados deveriam ser utilizados apenas no custeio da saúde, assistência social e previdência social, com receitas e despesas integrantes de orçamento próprio da seguridade. Não deveria existir desvinculação ou desoneração que acarretasse perda financeira ao sistema; não deveria existir sonegação e corrupção não combatidas; não deveria existir fraudes na concessão e manutenção dos benefícios, tampouco no efetivo gasto dos valores que a eles não são destinados. E não deveriam as contas serem manipuladas, alardeando o governo um resultado que não representa a verdade dos fatos.

A reforma na legislação é necessária e Cláudia é a favor de mudanças, tanto nas regras pertinentes aos benefícios como também naquelas que se referem ao custeio do sistema, mas com objetivo de manter o sistema financeiramente sustentável e superavitário, como tem que ser, inclusive.

BONIJURIS - Quando ainda tinha esperanças de aprovar a reforma da previdência, o governo Temer fez uma campanha agressiva com um slogan idem: "Ou vai ou racha", dizia. Esse quadro é enganoso?

CLÁUDIA SALLES VILELA VIANNA - Sem dúvida, causou um pânico geral, principalmente naqueles que estão a meses ou a poucos anos da aposentadoria. As novas regras que foram propostas são prejudiciais a boa parte dos segurados e muitos ficaram apavorados, achando que precisariam trabalhar até os 65 anos para ter uma aposentadoria. Além disso, trata-se de uma propaganda enganosa. Nós sempre ouvimos que a previdência é deficitária, mas, ao contrário, ela é superavitária, porque integra um sistema, denominado seguridade social, que gera mais receitas do que despesas.

Como assim?

O governo mostra a conta do jeito que ele quer mostrar, e entendo ser incorreta a forma por ele adotada para a divulgação dos resultados. O jeito certo é aquele que está na Constituição Federal, artigos 165 e 195, e que, para início da conversa, determina que o orçamento da seguridade social (que engloba saúde, assistência social e previdência do regime geral) seja separado do orçamento fiscal. O orçamento da seguri-dade, portanto, deveria compreender apenas as entidades e órgãos que a ela estejam vinculados, de forma direta ou indireta, bem como fundos e fundações instituídos pelo poder público, mas essa separação não tem sido observada pelos governos, que não somente deixam de praticar corretamente a separação dos orçamentos como incluem despesas de outras entidades ou áreas de atuação diversas.

E veja que apenas separando os orçamentos e corrigindo pequena parte dos repasses, sem ajustarmos outras irregularidades que entendo presentes, os resultados se mostravam positivos.

Quando a CPmf [contribuição provisória...

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