Primeira entrevista com o ministro Luís Roberto Barroso

AutorFernando de Castro Fontainha/Marco Aurélio Vannucchi Leme de Mattos/Carlos Victor Nascimento dos Santos
Páginas29-79
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LUÍS ROBERTO BARROSO
Apresentação, religião e origens familiares
 Trinta de abril de 2014, esse é mais
um ato de pesquisa do projeto “O Supremo por seus ministros:
a história oral do STF nos 25 anos da Constituição”. Nós esta-
mos em Brasília, no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso.
Presentes eu mesmo, Fernando Fontainha, professor da FGV
DIREITO Rio; Marco Vanucci, professor do CPDOC; Carlos
Victor, assistente de pesquisa da FGV DIREITO Rio; Yasmin
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ta Saraiva, chefe de gabinete do ministro; e, é claro, o ministro
Luís Roberto Barroso, o nosso entrevistado. Ministro, em nome
da Fundação Getulio Vargas, queria agradecer imensamen-
te ao senhor ter aceitado nosso convite para nos conceder esta
entrevista, que eu gostaria de começar pedindo ao senhor que
nos diga seu nome completo, local, data de nascimento, nome e a
ocupação dos seus pais.
  Meu nome é Luís Roberto
Barroso, eu nasci em Vassouras, uma adorável cidade próxima
do Rio; meus pais eram Roberto Bernardes Barroso e Judith
Luna Soriano Barroso. Meu pai, na maior parte da minha vida,
era membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
e a minha mãe era advogada da Rede Ferroviária Federal.
 Ministro, o senhor poderia nos descrever como era a casa
que o senhor cresceu, como foi a sua infância em Vassouras?
 Eu morei em Vassouras até os cinco anos de idade, com
os melhores registros possíveis de uma infância numa cidade
extremamente acolhedora, de gente amiga. Eu morava numa
casa, na área central de Vassouras, que tinha o nome de um ex-
ministro do Supremo, Edgar Costa era o nome da minha rua, e
durante boa parte da minha infância e adolescência eu voltei
regularmente a Vassouras. Nós conservamos a casa até hoje,
portanto todos os ritos da infância e juventude da minha vida
30 História Oral dO supremO VOLUME 11
eu passei em Vassouras, desde jogar bola até baile de carnaval.
Vassouras tem uma singularidade estatística, que talvez possa
interessar a vocês. Embora seja uma cidade relativamente pe-
quena, já deu quatro ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF). Além de mim próprio, deu Sebastião Lacerda, que era
o avô do Carlos Lacerda; Edgar Costa, que era o nome da rua;
e Ari Franco. De modo que eu sou o quarto ministro que vem
de Vassouras, o que estatisticamente é um fenômeno singular.
 Quatro vassourenses no STF. Ministro, o senhor poderia
nos contar um pouco mais sobre seus pais, sua família, a traje-
tória deles?
 Poderia. Minha mãe era judia, os meus avós maternos
vieram de Salonica, na Grécia, onde havia uma importante co-
munidade judaica, de judeus que haviam ido para lá quando ex-
pulsos da Espanha na outra geração e, pouco depois da Primei-
ra Guerra, eles migram para a América do Sul, se estabelecem
primeiro no Uruguai, onde minha mãe foi criada, e depois vêm
para o Brasil, onde a minha mãe vai estudar Direito na então
Faculdade Nacional de Direito, hoje UFRJ. Era uma coisa re-
lativamente incomum, uma mulher, naquele início da década
de 50, estudar numa faculdade. O meu pai é que era originário
de Vassouras, tanto meu pai como minha mãe foram a primeira
geração nas suas famílias que cursaram o curso superior. Então
meu pai, que havia saído de Vassouras e estudado em Juiz de
Fora, — Vassouras não tinha o que hoje seria o segundo grau —,
também passou para a Faculdade Nacional de Direito, então
meu pai e minha mãe se conhecem na Faculdade Nacional de
Direito, namoram e se casam. Era relativamente incomum um
católico do interior, e relativamente tradicional, casar-se com
uma mulher judia. A gente brinca lá em casa que nossa família
é tão diferente que era a família católica do meu pai que reagia
com certa reserva ele casar com uma mulher judia, que geral-
mente acontece o contrário. E, portanto, esta singularidade re-
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LUÍS ROBERTO BARROSO
ligiosa marcou muito a minha vida, primeiro pelo respeito que
um tinha pela formação do outro e segundo porque eu convivia
com a minha família judaica, ia à sinagoga nos eventos impor-
tantes, e convivia com a minha família católica, ia à igreja nos
momentos importantes. E eu considero que isso foi um dado
importante para me dar, desde o início da minha vida, uma vi-
são muito plural da vida e de como é possível e desejável que
uma pessoa respeite a outra sem precisar mudá-la.
  
sua religião?
 Eu devia ter me preparado para essa pergunta. Eu acre-
dito substancialmente no bem e, portanto, tal como ele possa
ser vocalizado na lei mosaica, nos evangelhos, no budismo, na
espiritualidade oriental, no espiritismo; portanto, eu sou uma
pessoa altamente espiritualizada, embora não propriamente
religiosa no sentido de ter ritos religiosos, isso eu não tenho,
mas eu frequento com prazer uma igreja, uma sinagoga. Sou
amigo do João de Deus, que é um médium, aqui próximo de
Brasília. Morei nos Estados Unidos quando era jovem, quan-
do era adolescente, com uma família evangélica protestante
presbiteriana, são meus amigos até hoje, passados 50 anos.
Cinquenta, não, 40 anos... De modo que me considero uma pes-
soa bem espiritualizada, que se sente confortável em qualquer
ambiente. Sou uma pessoa substancialmente convencida da
igualdade das pessoas, portanto não é a religião que deve dife-
renciá-las. Na minha experiência de vida, as pessoas submeti-
das às mesmas condições de temperatura e pressão tendem a
reagir da mesma forma. E, para superar todos os preconceitos,
eu tive, quando estudei minha pós-graduação em Yale, nos Es-
tados Unidos, aí já adulto, próximo dos 30, o meu vizinho de
porta era da Arábia Saudita, portanto ele era muçulmano, e,
apesar de todas as diferenças culturais, também ele era meu
amigo e eu queria bem a ele. De modo que eu me sinto... Acho

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