Principais atos de disposição processual

AutorTrícia Navarro Xavier Cabral
Páginas87-136
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PRINCIPAIS ATOS
DE DISPOSIÇÃO PROCESSUAL
5.1. DESISTÊNCIA
A desistência constitui um ato unilateral de disposição processual, que re-
presenta uma manifestação de vontade do autor, no sentido de declarar não mais
pretender um provimento jurisdicional sobre a demanda posta em juízo. Desiste-se
do processo pendente e não do direito de ação, que permanece intacto. Também não
importa em perda ou renúncia ao direito subjetivo material do autor.1
Ao contrário do abandono do processo2 (art. 485, III, do CPC/15), que é conduta
tácita, a desistência exige manifestação expressa pelo autor.
A desistência da demanda pode ocorrer em diferentes formas e em diversos
momentos, tais quais:
a) sem a necessidade de consentimento do réu, caso a homologação seja reque-
rida antes de oferecida a contestação (art. 485, VIII, do CPC/15);
b) com a necessidade de consentimento do réu, se apresentada após a contes-
tação (art. 485, § 4º, do CPC/15);
c) o exequente tem o direito de desistir de toda a execução ou de apenas alguma
medida executiva, sendo que no caso de haver impugnação ou embargos que versem
somente sobre questões de direito material haverá necessidade de concordância do
impugnante ou do embargante (art. 775, I e II, do CPC/15);
d) o exequente pode desistir da primeira penhora, por serem litigiosos os bens
ou por estarem submetidos à constrição judicial (art. 851, III, do CPC/15);
e) o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos
litisconsortes, desistir do recurso, sendo imprescindível apenas que o recurso já
tenha sido interposto (art. 998, do CPC/15);
1. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6ª. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2009. Vol. II, p. 144-145.
2. Alguns autores entendem tratar-se de verdadeira desistência indireta. Ver: DINAMARCO, Cândido Rangel.
Instituições de direito processual civil. 6ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2009. Vol. III, p.
133. E ainda: LUCCA, Rodrigo Ramina de. Disponibilidade processual: os interesses privados das partes
diante da natureza pública do processo. Tese de Doutorado em Direito Processual - Orientador: Prof. Dr.
Flávio Luiz Yarshell. Faculdade de Direito Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 381.
LIMITES DA LIBERDADE PROCESSUAL • TRÍCIA NAVARRO XAVIER CABRAL
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f) o requerente de instauração do incidente de resolução de demandas repeti-
tivas poderá desistir posteriormente, o que não impedirá de o mérito do incidente
ser apreciado, nos termos do art. 976, § 1º, do CPC/15;
g) se a questão discutida na demanda for idêntica à resolvida no recurso repre-
sentativo da controvérsia, após a publicação do acórdão paradigma, o autor poderá
desistir antes de proferida a sentença, sem a necessidade de consentimento do réu,
ainda que apresentada a contestação (art. 1.040, §§ 1º a 3º, do CPC/15).
Das sete hipóteses apresentadas, por imposição legal, somente os atos de de-
sistência da demanda necessitam de homologação judicial para surtir efeitos, nos
termos do art. 200, do CPC/15. Nestes casos, o processo é extinto, sem resolução
do mérito, nos termos do art. 485, VIII, do CPC/15, havendo, assim, na mesma
sentença, dois atos jurisdicionais distintos: a homologação da desistência, para
que surta os devidos efeitos, e a declaração de extinção do processo, em razão do
ato homologado.3
Desse modo, nas demais formas de desistência, como da execução ou das me-
didas executivas, da penhora e do recurso,4 não será exigida a homologação judicial,
mas somente a manifestação expressa de vontade da parte para que surta os efeitos
legais, competindo ao juiz apenas o controle de validade do ato.
A desistência da demanda pode ser subjetiva ou objetivamente parcial, ou
seja, para se excluir uma parte do pedido ou de seus fundamentos, bem como um
litisconsorte, desde que não seja unitário ou necessário. Neste último caso, o feito
prossegue em relação ao pedido e sujeitos remanescentes.5
3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Teoria geral do direito processual
civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56ª. ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015, V. I., p. 1022.
4. Interessante observar na jurisprudência do STF e STJ, alguns julgados ainda mencionam a homologação
quando da análise dos pedidos de desistências formulados em recursos. No STF: “Embargos de declaração
no agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Pedido de homologação de desistência de
agravo interno formulado quando já iniciado o julgamento. Impossibilidade. Não há omissão, contradi-
ção, obscuridade ou erro material a serem sanados. Precedentes. 1. A jurisprudência da Suprema Corte
f‌irmou-se no sentido da impossibilidade da homologação de pedido de desistência formulado quando já
iniciado o julgamento do recurso. 2. Inexistência dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo
Civil. 3. Embargos de declaração rejeitados. (ARE 1237672 AgR-ED, Relator(a): DIAS TOFFOLI (Presi-
dente), Tribunal Pleno, julgado em 04/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-129 DIVULG 25-05-2020
PUBLIC 26-05-2020)”. Já no STJ “PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE DESISTÊNCIA. FACULDADE DA
PARTE. INDEPENDE DA ANUÊNCIA DA PARTE ADVERSA. [...] II - O art. 998 do CPC/2015 autoriza a
parte recorrente a desistir do recurso a qualquer tempo, independentemente da anuência da outra parte.
Considerando que há procuração nos autos com poderes para desistir, homologo a desistência do recur-
so interposto. Nesse sentido: DESIS nos EDcl no AgInt no REsp n. 1.498.718/RS, Rel. Ministro Benedito
Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 26/3/2019, DJe 29/3/2019. III - Agravo interno improvido. (AgInt
no MS 24.461/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 15/09/2020, DJe
21/09/2020).
5. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6ª. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2009. Vol. II, p. 146.
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5 • PRINCIPAIS ATOS DE DISPOSIÇÃO PROCESSUAL
Também se admite a desistência parcial do recurso, desde que seja comportada
essa divisão. O tribunal, tendo conhecimento da desistência, declarará não conhecido
o recurso por ausência de requisito de admissibilidade.6
Exige-se que o advogado tenha procuração com poderes especiais para praticar
ato de desistência no processo, nos termos do art. 105, do CPC/15.
Registre-se que, nos termos do art. 90, do CPC15, proferida a sentença com
fundamento em desistência, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que
desistiu, e, em sendo parcial o ato de disposição, as despesas e os honorários serão
proporcionais à parcela da qual se desistiu (art. 90, § 1º, do CPC/15).
Percebe-se, pois, que a desistência da demanda é um ato processual bastante
comum na prática forense, uma vez que, após o ajuizamento da ação, diversos fato-
res supervenientes podem ensejar a vontade do autor de não mais prosseguir com
o processo.
Existem duas limitações legais impostas à desistência. A primeira diz respeito
a um aspecto temporal, uma vez que a desistência da demanda só pode ser apre-
sentada até a sentença (art. 485, § 5º, do CPC/15). Após esse momento, o juiz não
poderá acolher o pedido, independentemente de a sentença ter sido com ou sem
resolução do mérito.
Isso porque, uma vez conf‌igurada qualquer das hipóteses dos arts. 485 e 487,
ambos do CPC/15, com um pronunciamento judicial, cessa para o autor a disponi-
bilidade sobre a demanda.
Com efeito, as hipóteses do art. 485 do CPC/15 – com exceção do inciso VIII
que trata da própria desistência – são de questões de ordem pública e, portanto,
sem possibilidade de superação ulterior pela desistência. Por sua vez, as questões
insertas no art. 487, do CPC/15 são de cunho meritório, de modo a resolver o con-
f‌lito material e afastar a possibilidade de o autor, em momento posterior, pretender
desistir do provimento jurisdicional já emitido.
A segunda exigência diz respeito ao consentimento do réu, quando a desistência
for manifestada após o oferecimento da contestação, na forma do art. 485, § 5º, do
CPC/15. Aqui a intenção do legislador foi proporcionar ao réu a obtenção da tutela
jurisdicional de mérito e def‌initiva sobre a causa.
O consentimento do réu deve, em regra, ser expresso.7 Porém, é possível que
o juiz determine a intimação do réu para manifestação com a advertência de que o
silêncio importará na aceitação da desistência do autor. Isso porque na prática forense
6. JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 7ª. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 160-163.
7. Entendendo que a manifestação do réu deve ser expressa e inequívoca, cf.: LUCCA, Rodrigo Ramina de.
Disponibilidade processual: os interesses privados das partes diante da natureza pública do processo.
Tese de Doutorado em Direito Processual - Orientador: Prof. Dr. Flávio Luiz Yarshell. Faculdade de Direito
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018, p. 380.

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