Princípio constitucional da igualdade tributária na incidência do IPI: crítica doutrinária ao julgamento dos embargos infringentes 5002923-29.2010.404.7205 pelo TRF-4a Região

AutorGustavo Chies Cignachi
CargoJuiz Federal Substituto da 4a Região. Mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP. Especialista em Registros Públicos pela UniRitter/RS
Páginas142-156

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1. Introdução

Em decisão recente, a 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4ª R.), no julgamento dos Embargos Infringentes 5002923-29.2010.404.7205, entendeu por alterar sua jurisprudência quanto à incidência do Importo sobre Produtos Industrializados. A "virada" partiu de uma nova leitura da estrutura constitucional e legal do tributo, abortando sua aplicação às empresas importadoras de manufaturas.

A Corte Regional acabou por abandonar a reiterada jurisprudência já consolidada, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça. Houve uma alteração radical no enfoque a ser dado à disciplina do imposto, mais atendo aos estritos temos da lei tributária.

Contudo, sempre com a devida vênia, o presente trabalho pretende promover a crítica doutrinária dessa nova interpretação. Se, por um lado, trouxe inovação e maior refinamento técnico na abordagem do texto legal, por outro, fez surgir novas implicações de ordem constitucional. O respeito ou a infringência ao Princípio Constitucional da Igualdade Tributária é questão que restou aberta pelo novo entendimento, demandando a abordagem acadêmica.

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2. Rápidas considerações sobre o princípio constitucional da isonomia ou da igualdade em matéria tributária

Como bem referiu o Professor Paulo de Barros Carvalho, princípio "é o nome que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica".1Estão, expressa ou implicitamente, integrados ao ordenamento, direcionando as atividades de criação, interpretação e aplicação do conjunto normativo, ou seja, tornando-o jus-axiologicamente informado.

Especificamente quanto à igualdade, em todos os seus aspectos, seja formal, como material, apresenta-se como vetor interpretativo e valor inserido por todo o texto constitucional. O legislador recorreu ao conceito na construção dos vários ramos inseridos na Constituição, com destaque a sua elevação a garantia individual fundamental: "Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes".

Por consequência lógica, a máxima axiológica influenciou de forma profunda a estrutura do Sistema Tributário Nacional, se colocando também como garantia do indivíduo contra a Soberania, dotada do Poder de Tributar. Aquele direito garantido individualmente à "pessoa-cidadão", no exercício de sua cidadania e no tratamento que lhe deve ser deferido em correspondência aos demais, é espelhada para as relações do Estado com a "pessoa-contribuinte". Como já referiu o Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.105:2 "ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade".

Dispõe o art. 150, inciso II, da Carta Maior:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

"(...).

"II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;"

A vedação é dirigida ao Estado que, no exercício de sua competência tributária, não poderá produzir norma jurídica que tenho por efeito a desigualdade entre contribuintes. Frise-se que a regra faz uso da expressão "que se encontrem em situação equivalente", indicando que a norma protetiva visa a uma igualdade prática, aquela buscada com vistas ao estado de coisas ali posto.

Quer dizer, não se trata de um mandamento de igualdade meramente formal, não é apenas a garantia de aplicação da lei a todos, de forma indistinta. É norma que busca proteção material do contribuinte quanto se encontrar em "situação equivalente" em comparação com outro. Ainda que a lei, formalmente, determine a distinção, esta não tem abrigo na ordem constitucional, devendo ser rechaçada pelo aplicador.

A utilização do conceito de equivalência ou, pode-se dizer, semelhança, traz ao princípio uma segunda conclusão: não é exigida uma igualdade absoluta, total ou formal. A desigualdade entre contribuintes é acolhida pela norma constitucional, desde que aqueles que recebem tratamento diverso

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não estejam ocupando posição jurídica semelhante aos demais. O Poder Público está autorizado - para resgatar a velha máxima - a desigualar os desiguais.

Encontrando e elegendo o legislador elementos do mundo dos fatos, vistos e escolhidos pela linguagem apropriada, imposta pela ordem constitucional, que tenha por efeito o estabelecimento de distinções no mundo do direito - como, por exemplo, a separação entre micros e pequenas empresas das demais, com fundamento no critério de faturamento3- pode ele impor tratamento desigual. Não haverá proibição, pois não está presente, na análise e interpretação da situação jurídica de desigualdade, o elemento da equivalência de posições entre os contribuintes.

O Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.643, já teve a oportunidade de analisar a questão da igualdade para o caso, citado como exemplo, das empresas de micro e pequeno porte, acolhendo a constitucionalidade da norma distintiva, pois fundada em razões de "desequilíbrio": "Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do Simples aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado".4O Relator, Ministro Maurício Corrêa, analisando a questão apresentou fundamento calcado na constatação objetiva de situação "não equivalente": "Essa desigual-dade factual justifica tratamento desigual no âmbito tributário, em favor do mais fraco, de modo a atender também à norma contida no § 1º do art. 145 da Constituição Federal, tendo-se em vista que esse favor fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, visando o interesse social".

Portanto, por essas considerações, o princípio da igualdade, na seara tributária, se apresenta como determinação negativa ao legislador infraconstitucional quanto à instituição de tributo ou criação de exceções ou situações jurídicas, que ponham em desigualdade material contribuintes em equivalência de posições. Ao mesmo tempo,

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abre a possibilidade de serem feitas diferenciações jurídico-tributárias para aqueles em situações de desequilíbrio.

Assim, a análise crítica da virada jurisprudencial, decidida pela Corte Regional, deve ter por norte a busca pelo estabelecimento das posições jurídicas entre os contribuintes. A possível quebra da igualdade, portanto, depende da análise da equivalência entre a situação do caso concreto e aquela em que se encontram outros contribuintes.

3. Do caso concreto no julgamento dos embargos infringentes 5002923-29 2010.404.72055

Feitas as considerações de ordem teó-rica, em uma abordagem hipotética, cabe agora esmiuçar o situação de fato posta a julgamento perante a 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Tratava-se de ação de rito ordinário proposta por importadora contra a União Federal, tendo como pedido principal o reconhecimento da não incidência do IPI sobre a comercialização, no mercado interno, de produtos por ela importados, ou seja, defendendo a inocorrência do fato gerador na saída dos bens de seu estabelecimento.

A importadora sustentou que, quando da importação da mercadoria industrializada no exterior, já fora tributada, respondendo pelo pagamento do tributo como equiparada a estabelecimento industrial na forma dos arts. 46, inciso I, e 51, inciso I, do Código Tributário Nacional:

"Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

"I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;

"(...).

"Art. 51. Contribuinte do imposto é: "I - o importador ou quem a lei a ele equiparar;"

O argumento central da parte autora residia no fato de não ser estabelecimento industrial, mas comercial. Sua atividade econômica estaria voltada à aquisição de mercadorias estrangeiras e posterior revenda a varejo, sem qualquer novo processo de industrialização. Portanto, não haveria hipótese de incidência do tributo na saída da mercadoria do estabelecimento, pois não existiria nova "industrialização" a ser tributada.

A tese foi vitoriosa em primeira instância, sendo a ação julgada procedente.

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Contudo, a Fazenda Nacional interpôs recurso de apelação, subindo também os autos à Corte Regional em reexame necessário. No julgamento colegiado da demanda, o Desembargador Federal Relator Otávio Roberto Pamplona, na relatoria, apresentou voto pela rejeição do recurso.

O Relator, em suma, acolheu a tese de que, tendo o processo de industrialização se encerrado no exterior, sendo o ato tributado pelo IPI na importação, não caberia nova incidência quando da saída dos bens para o mercado interno, pois o autor da ação não realiza novo processo industrial. A simples comercialização (ou revenda) do bem que foi importado de forma acabada não atrairia a incidência do tributo, sendo indevida sua exigência pelo Fisco.

Em seu voto, sustentou o Relator:

"A parte autora não se...

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