Princípio da Autodeterminação Coletiva

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas77-90

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1. Significados e alcance do princípio

Este é o princípio básico do direito coletivo do trabalho. Significa que os sindicatos de empregados, de trabalhadores autônomos, de trabalhadores rurais e de empregadores têm poderes para estabelecer regras gerais de cumprimento obrigatório, mediante negociação coletiva do trabalho. As regras estabelecidas em Contrato Coletivo do Trabalho, em Convenção e em Acordo Coletivo de Trabalho obrigam todos os trabalhadores e patrões, integrantes da categoria, filiados ou não do sindicato. Dos estudos de Mazzoni, exsurgem as seguintes espressões deste princípio:

1) o sindicato representa toda a categoria e não apenas os associados;

2) autonomia para negociação coletiva;

3) obrigatoriedade das normas produzidas nas negociações coletivas;

4) a greve não implica descumprimento, pelo empregado, do contrato individual;

5) obrigação de empregado e empregador adicionarem ao contrato individual as conquistas coletivas — substituição automática das cláusulas contratuais;

6) substituição processual da categoria pelo sindicato — art. 8º, III, CF;

7) liberdade de criação e extinção de sindicatos, sem interferência do governo;

8) proteção do dirigente sindical – arts. 8º, VIII, CF e 543, CLT.

Krotoschin leciona que a evolução do Direito do Trabalho não brota só da ação do Estado, do legislador ou do juiz. O trabalhador de um lado e o empregador do outro tomam parte ativa. O operário organizou-se para ser forte (1950, p. 10).

Evaristo de Moraes Filho observa que “não há questão individual em Direito do Trabalho, de vez que, do mais mínimo caso concreto, se irradia toda uma reação em cadeia sobre a interpretação e aplicação da norma” (1982, p. 117).

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A importância deste princípio está no fato de permitir que o trabalhador reivindique sem se confrontar diretamente com seu empregador — esconde-se por detrás do coletivo, poupando-se de confrontos pessoais e de retaliações.

2. Fundamentos legal e doutrinário

Esse princípio foi bastante prestigiado a partir da nova ordem institucional inaugurada pela Constituição de 1988. Neste sentido, priorizou as ações coletivas, instituiu o mandado de segurança coletivo, realçou a ação civil pública pelo Ministério Público (arts. 5º, LXX, e 129, III). A CF/1988 dedica os arts. 8º ao 11 ao Direito Coletivo do Trabalho, principiando pela liberdade sindical, coletiva e individual. No art. 114, §§ 1º a 3º, trata da negociação coletiva do trabalho e do dissídio coletivo do trabalho e prestigia as disposições convencionais anteriores.

Em seu art. 8º, III, prescreve: “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.”

O art. 7º prestigia os instrumentos de negociação coletiva, nos incisos VI, XIII, XIV e XXVI, que permitem, mediante negociação coletiva, respectivamente: redução salarial, compensação de horários e a redução da jornada de trabalho, a alteração da jornada de seis horas para o turno ininterrupto de revezamento e o reconhecimento dos acordos e das convenções coletivas do trabalho; o art. 8º, VIII, veda a despedida do dirigente sindical; o art. 10 do ADCT veda a despedida arbitrária ou sem justa causa dos dirigentes da CIPA; o art. 114, § 2º, privilegia as disposições convencionais anteriores.

O art. 8º, VIII, veda a despedida do dirigente sindical; o art. 10 do ADCT veda a despedida arbitrária ou sem justa causa dos dirigentes da CIPA; o art. 10 institui os representantes dos trabalhadores nos colegiados públicos, como o Conselho Curador do FGTS, do CODEFAT, da Seguridade Social, dentre outros, também com proteção contra despedida sem falta grave; o art. 11 institui o representante dos trabalhadores nas empresas com mais de 200 empregados, a quem a jurisprudência reconhece as mesmas garantias do dirigente sindical;

Delgado enuncia que a CF/1988 “adotou duas vias de fortalecimento das ações coletivas no âmbito trabalhista: no plano da sociedade civil, a via inerente ao sindicato; no plano da sociedade política, (o Estado), a via inerente ao novo Minis-tério Público do Trabalho, que a própria Constituição formulou e engrandeceu”. (Constituição da República, sistema trabalhista brasileiro e direito coletivo do trabalho. In: Revista LTr de Legislação do Trabalho, ano 79, n. 4, abril de 2015, p. 391.).

No plano legal, a CLT, no art. 513 confere ao sindicato a prerrogativa de representar as categorias de trabalhadores ou de empresas perante as autoridades administrativas e judiciais, de celebrar Acordo e Convenção Coletiva de Trabalho; os arts. 872 e 195 prerrogam ao sindicato atuar como substituto processual da

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categoria. As Leis ns. 8.036/1990 (FGTS), 8.212 e 8.213/1991 (custeio e benefício da Previdência Social), 7.783/1989 (de Greve), 8.984/1995 (ação de cumprimento de Acordo e Convenção), 8.073/1990 (ampla substituição processual), 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), 10.288/2001 (Assistência judiciária pelo sindicato), são afirmações deste princípio.

No plano internacional, a OIT tem dedicado longos estudos ao tema sindical e negociação coletiva do trabalho, valendo citar as Convenções Internacionais ns. 98 e 135. Como a constituição de sindicato não é privilégio dos empregados, este princípio é compatível com as outras relações de trabalho.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/1990, opera milagres neste campo: o art. 28 autoriza a desconsideração da personalidade jurídica da empresa; o 81 autoriza defesa da vítima e do consumidor individual ou coletivamente; o 82 legitima para agir em nome próprio, mas na defesa de direitos das vítimas, a União, os Estados, os Municípios, as entidades da administração pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, o Ministério Público e as associações legalmente constituídas.

A CLT dedica todo o Título VI à negociação coletiva de trabalho, do arts. 611 ao 625, e do 856 ao 875 trata dos dissídios coletivos. Nesses artigos consolidados encontram-se as regras fundamentais da negociação coletiva de trabalho e do processo judicial de dissídio coletivo de trabalho. O art. 195, § 1º, autoriza o sindicato a postular em favor dos associados (entenda-se membros da categoria) adicionais de insalubridade ou de periculosidade.

A Lei n. 8.984/1995 atribuiu competência à Justiça do Trabalho para julgar ação de cumprimento de convenção e acordo coletivo do trabalho.

A Lei do FGTS (n. 8.036/1990) abriga várias disposições afirmativas do princípio coletivo ao incluir seis representantes dos trabalhadores indicados pelas centrais sindicais no Conselho Curador e seis representantes patronais indicados pelas confederações (cf. art. 3º da Lei n. 8.036 e Dec. n. 6.827/2009) e permitir (art. 25) que o sindicato acione a empresa para compeli-la a depositar o FGTS dos seus empregados.

A Lei de Greve (n. 7.783/1989), como é natural, trata do assunto todo à luz do direito coletivo, realçando a participação e responsabilidade do sindicato.

No mesmo sentido, a Lei de Benefícios da Previdência Social (n. 8.213/1991), no seu art. 3º, compõe o Conselho Nacional de Seguridade Social com quinze membros, sendo seis do Governo e nove representantes da sociedade civil, sendo três de empregados, três dos aposentados e três dos empregadores, indicados pelas respectivas centrais sindicais e confederações.

A partir da Lei n. 6.708/1979, que instituiu a correção semestral automática dos salários, todas as leis de política salarial permitem ao sindicato agir como subs-

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tituto processual dos associados no que tange à cobrança de diferenças salariais decorrentes da aplicação da lei salarial. A regra repetiu-se na Lei n. 7.238/1984. A partir da Constituição de 1988, a regra vem se ampliando. Assim, o art. 8º da Lei n.
7.788/1989 autorizava o sindicato a agir como substituto processual da categoria, nos termos do art. 8º, III, da Constituição. A Lei n. 8.073/1990 também contém idêntica autorização, em seu art. 3º, que escapou do veto presidencial.

A Lei n. 8.542/1992 preceitua:

Art. 1º A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta Lei.

§ 1º As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho inte-gram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou supri-midas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho.

§ 2º As condições de trabalho, bem como as cláusulas salariais, inclusive os aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais proporcionais à extensão e à complexidade do trabalho, serão fixados em contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, laudo arbitral ou sentença normativa, observadas dentre outros fatores, a produtividade e a lucratividade do setor ou da empresa.

Essa Lei teve revogados os arts. 2º, 3º, 4º, 5º, 7º, 9º e 10 pela Lei n. 8.800/1994.

Uma das Comissões de Modernização da CLT, composta de renomados juristas, como Amauri Mascaro Nascimento, João de Lima Teixeira Filho, Almir Pazzianotto, Arion Sayão Romita e Cássio Mesquita Barros Júnior (Arnaldo Süssekind pediu desligamento), apresentou dois anteprojetos, um tratando das relações individuais do trabalho e outro das relações coletivas. Neste, destaca a figura do contrato coletivo de trabalho e dos contratos nacionais, firmados pelas centrais sindicais e pelas confederações, traçando regras gerais a serem seguidas pelas convenções e pelos acordos coletivos de trabalho.

Por natureza, as relações de produção brotam da mão coletiva, e só raramente de...

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