O princípio da igualdade

AutorJuan Carlos Cassagne
Páginas249-300
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CAPÍTULO V
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário: Seção Primeira: Os sentidos da igualdade. V.1.1 A generalização
do princípio constitucional da igualdade e a necessidade de uma teoria
integral. V.1.2 A igualdade: um assunto clássico na era das nivelações.
V.1.3 Justiça e igualdade. V.1.4 Sobre as espécies de igualdade e a noção
positivista. Os critérios da igualdade distributiva. V.1.5 A igualdade pe-
rante a lei e a razoabilidade. V.1.6 O chamado paradoxo da igualdade.
V.1.7 A igualdade real de oportunidades e a cláusula para o progresso, o
bem-estar e a justiça social (art. 75 inc. 23, parágrafo primeiro e inc. 19
da CN). A discriminação racial. V.1.8 O direito de igualdade dos estran-
geiros para desfrutar dos direitos civis. As discriminações em matéria de
cidadania. Seção Segunda: O controle jurisdicional das discriminações arbitrárias.
V.2.1 Preliminar sobre o controle de razoabilidade na jurisprudência.
V.2.2 Caráter formal e material do princípio da igualdade. V.2.3 O
princípio da igualdade e as chamadas “categorias suspeitas” do direito
norte-americano. V.2.4 Dois casos emblemáticos sobre discriminação
que afetaram nacionais e estrangeiros. V.2.5 A discriminação por idade.
V.2.6 A proibição constitucional de discriminação contra a mulher. O
chamado matrimônio igualitário. V.2.7 As discriminações que afetam
o direito à vida: o aborto. V.2.8 Continuação: parecer da Academia
Nacional de Ciências Morais e Políticas.
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JUAN CARLOS CASSAGNE
Seção Primeira
Os sentidos da igualdade
V.1.1 A generalização do princípio constitucional da igualdade e a
necessidade de uma teoria integral
Um dado não muito divulgado, proporcionado pela história
comparada dos direitos fundamentais revela que Jean-Antoine Nicolas
Caritat, marquês de Condorcet, uma espécie de “filósofo universal”
(conforme Voltaire), que serviu de ligação entre o Iluminismo e a Re-
volução Francesa, foi o primeiro a elaborar um Projeto de Constituição
no qual a igualdade era a base dos demais direitos, no âmbito de um
modelo constitucional republicano. Em seu projeto de Declaração dos
Direitos Naturais, Civis e Políticos dos Homens, de 1792, que apresen-
tou na Assembleia francesa, definiu no art. 1º da seguinte maneira: “Uma
Constituição republicana que tem como base a igualdade é a única em
conformidade com a natureza, com a razão e a justiça, a única que pode
conservar a igualdade dos cidadãos e a dignidade da espécie humana”.683
Como se sabe, as Constituições do século XIX tomaram outro
caminho, apresentando uma inclinação pela fórmula da “igualdade pe-
rante a lei”, sem lhe atribuir a condição de base e fundamento do siste-
ma republicano, nem preferência alguma sobre a liberdade e demais
direitos fundamentais. A rigor, foi a consagração de uma igualdade ju-
rídica, e não a concepção da igualdade material e substancial preconiza-
da pelo marquês de Condorcet, a qual, definitivamente, se impôs du-
rante o curso da práxis constitucional através da legislação e a jurispru-
dência, sem reconhecer uma prevalência absoluta nem ainda relativa à
igualdade sobre as liberdades e demais direitos fundamentais.
Dessa forma, com as devidas cautelas interpretativas para
harmonizá-lo com a justiça e os direitos fundamentais, o princípio
constitucional de igualdade perante a lei generalizou-se de tal forma que
683 Ver: PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregorio; FERNÁNDEZ GARCÍA, Eusebio;
DE ASIS ROIG, Rafael (coord.). Historia de los derechos humanos. tomo II. vol. II: la filosofía
de los derechos humanos. Madrid: Dykinson, 2005, p. 335 ss., especialmente p. 342.
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CAPÍTULO V – O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
configura um princípio geral de Direito Público, cujo conteúdo formal
e material se estendeu para diferentes setores e situações no
constitucionalismo moderno (v.g., igualdade real de oportunidades, não
discriminação etc.).
O processo descrito determina a necessidade de contar com uma
construção integral do princípio da igualdade que sirva como funda-
mento, o qual sustente a interpretação do princípio nas leis, nas decisões
administrativas e na jurisprudência. Ele é o principal propósito que guia
o método e a sistematização que propomos, para analisar a teoria geral,
com suas raízes e os elementos diferentes que integram o princípio,
separando-a da práxis jurisprudencial e da projeção do princípio a dife-
rentes setores especificamente determinados. Em outros termos, evitar
o perigo de fazer da igualdade uma teoria holística que não discrimine
os diferentes elementos e situações que integram sua realidade no mun-
do do direito.
Essa construção integral não deve esquecer que se a igualdade tem
como finalidade proteger a dignidade do Homem, a desproteção à qual
algumas legislações expõem seres humanos concebidos (que obviamen-
te não podem se defender), ao legalizar o aborto, implica impedir a
pessoas ainda não nascidas o direito humano mais fundamental de todos,
que é o direito à vida, já que esses seres são pessoas humanas desde sua
concepção no ventre materno684, como foi reconhecido durante o sé-
culo XIX e boa parte do século XX por parte de antigos liberais que
(fossem eles ateus ou agnósticos) tinham plena consciência dos princípios
do direito natural e dos direitos fundamentais do Homem.
V.1.2 A igualdade: um assunto clássico na era das nivelações
Ao mesmo tempo, convém notar que se buscou a igualdade como
um objetivo, com distinta intensidade, no decorrer da História. Não se
deve confundir o princípio geral de igualdade com o que costumamos
684 Ver: SERNA, Pedro. “El derecho a la vida en el horizonte europeo de fin de siglo”.
In: MASSINI, Carlos Ignacio; SERNA, Pedro. El derecho a la vida. Pamplona: Eunsa,
1998, p. 25 ss.

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