O Princípio da Igualdade na Prática Constitucional Contemporânea Brasileira, e sua Tensão e Contradições no Tratamento de Minorias Étnicas

AutorLeonardo Faustino Pereira & Sara Zica Ribeiro
Ocupação do AutorGraduado em Direito pela UFMG/Graduada em Direito pela UFMG. Especialista em Processo Civil e em Direito de Família e Sucessões pelo CAD
Páginas98-114
1988-2018: O QUE CONSTITUÍMOS?98
Leonardo Sara
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA PRÁTICA CONSTITUCIONAL
CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA E SUA TENSÃO E CONTRADIÇÕ NO
TRATAMENTO DE MINORIAS RACIAIS
LEONARDO FAUSTINO PEREIRA1*
SARA ZICA RIBEIRO2**
RUMO
Um dos pilares fundantes da identidade nacional brasileira é o mito do bem-aven-
turado e pacíco éden multirracial, acolhedor a todas as cores, crenças, credos e modos de
vida, mas que se desintegra perante qualquer análise mais cuidadosa da realidade brasileira
hodierna. A sociedade brasileira, sofre desde a sua fundação simbólica com as tensões exis-
tentes entre igualdade e segregação. Notadamente, enquanto esses valores de seletividade e
discriminação causam um esvaziamento e relativização do princípio da igualdade, tornam-se
cada vez mais comum a dispersão de ideais contrários aos direitos humanos e à construção
de quaisquer leis ou normas direcionadas aos grupos minoritários negros. O presente texto
se presta a desenvolver uma análise quanto às limitações e tensões do princípio da igualda-
de postulado pela Constituição da República de 1988 no tratamento dos temas relativos às
relações inter-raciais.
Palavras-chave: Constituição de 1988; Minorias; Igualdade.
INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988 foi (e é) um marco na história da proteção e do desenvolvi-
mento de direitos para as minorias, podendo ser facilmente apontada como um dos maiores
marcos de progresso civilizatório do país no século XX. Entretanto, apesar de signicar um
grande passo para a jovem democracia brasileira, a proteção dada pelo texto constitucional
no campo das relações inter-raciais ainda é, seja em seu texto literal, ou no seu arcabouço
valorativo e principiológico cotidianamente invocado nos tribunais e na labuta jurídica di-
1 * Graduado em Direito pela UFMG.
2 **Graduada em Direito pela UFMG. Especialista em Processo Civil e em Direito de Família e Sucessões pelo CAD.
ANAIS DE CONGRSO 99
ária, incompleta. Percebe-se, que os constituintes, embora possuídos dos mais republicanos
desejos ao escrever a Carta Magna e a despeito de suas divergências e da pluralidade de suas
opiniões, eram seres humanos e, portanto, naturalmente fadados aos limites de seu próprio
tempo e sociedade, vítimas de difusos preconceitos e pré-cognições que assombram mesmo
hoje os praticantes do Direito, assim como toda a sociedade em que esses estão imersos.
Dessa forma, apesar da abrangência de tratamento o texto constitucional foi levado a não
ser tão preciso como deveria no tema.
Em parte, isso ocorre porque embora a moderna Carta tenha estabelecido a proi-
bição de distinções e discriminações injustas ou mesmo tenha avançado signicativamente
naquilo que Carbonell chamou de igualdade substancial,3 a compreensão do fenômeno da
discriminação pelo texto constitucional ainda engatinha. Além disso, aspectos culturais da
identidade brasileira contemporânea limitam o debate e evolução do princípio constitucio-
nal, limitando-o, seja na esfera jurídica, seja na esfera legislativa, à sua camada mais super-
cial. A discussão quanto às discriminações justas, aquelas que não violam direitos ou garan-
tias fundamentais, e injustas, as que são abusivas e violam direitos e garantias fundamentais,
não avançam e existe uma enorme resistência a acolher quaisquer teorias ou práticas novas
quanto ao assunto, além disso, políticas públicas destinadas a minorar as desigualdade e
ações armativas acabam sendo restritas e tímidas em sua atuação e efeitos.
Dessa maneira, salvo algumas exceções dignas de nota em que a prática
discriminatória tem sido considerada como presumida, o Judiciário
brasileiro ainda está longe de se posicionar de modo efetivo contra
ações ilegítimas de discriminação.
Portanto, o Legislativo nacional se preocupa quase que exclusivamente
com legislações repressivas e o Judiciário assume postura nitidamen-
te conservadora, ou seja, refratária a posições de vanguarda na defesa
dos direitos fundamentais das minorias. Por sua vez, o Executivo, no
Governo Lula, passou a desenvolver uma “agressiva” postura em favor
de ações armativas, em uma notável mudança de perspectiva. Contu-
do, exageros tais como, por exemplo, as normas que determinavam a
3 La igualdad sustancial. El estadio más reciente en el recorrido de la igualdad a través del texto de las consti-
tuciones más modernas se encuentra en el principio de igualdad sustancial, es decir, en el mandato para los poderes
públicos de remover los obstáculos a la igualdad en los hechos, lo que puede llegar a suponer, o incluso a exigir, la
implementación de medidas de acción positiva o de discriminación inversa. Hay dentro de esta cuarta modalidad, al
menos, dos distintos tipos de preceptos, unos que se podrían llamar de “primera generación” y otros que tal vez puedan
ser calicados como de “segunda generación”. Entre los primeros se encuentran, por ejemplo, los artículos 9.2 de la
Constitución española o 3.2 de la Constitución italiana. Entre los segundos está el importante y polémico agregado
de 1999 al artículo 3 de la Constitución francesa, que ha dado lugar a importantes cambios en la legislación electoral
de ese país (al respecto, véase Carrillo, 2002; Pizzorusso y Rossi, 1999); el texto en cuestión dispone que “La ley fa-
vorece el igual acceso de las mujeres y de los hombres a los mandatos electorales y funciones electivas”. Este precepto
se complementa con un añadido al artículo 4 de la misma Constitución, de acuerdo con el cual los partidos políticos
deben contribuir a la puesta en acción del mandato del artículo 3 dentro de las condiciones que establezca la ley. Son
mandatos de este tipo los que permiten el establecimiento, entre otras medidas, de las llamadas cuotas electorales de
género, cuyo estudio se emprende en párrafos posteriores. (CARBONELL, 2013, p. 13-14.)

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