O princípio da irrenunciabilidade

AutorAmérico Plá Rodriguez
Páginas141-238

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54. Plano

É um princípio em que há um acordo unãnime dos autores quanto a sua vigência e importãncia, se bem que possa haver diferenças quanto a seu alcance, sua fundamentação e significado.

Trataremos de expor de preferência a linha central de coincidência de opiniões, assinalando também aqueles aspectos polêmicos ou as diferentes opiniões que se apresentam frente a certos pontos intensamente debatidos.

Começaremos por dar o conceito, para em seguida estudar sua justificação, determinar seu alcance e examinar os principais problemas que sua aplicação suscita, terminando pela comparação com uma série de figuras similares ou análogas à renúncia.

Exporemos, a seguir, a evolução do regime de prescrição em matéria trabalhista em nosso país e o sistema atualmente em vigor.

Noção
55. Significado

Em relação ao conceito, ffernaínz Márquez sustenta que a irrenunciabilidade deve ser entendida em seu verdadeiro sentido, como "a não possibilidade de privar-se voluntariamente, em caráter amplo e por antecipação, dos direitos concedidos pela legislação trabalhista"204

Cremos que a noção deve ser mais abrangente, ou seja, abarcar tanto a privação ampla como a restrita, tanto a que se realize por antecipação como a que se efetue posteriormente. Essas di-

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versas variedades podem representar modalidades diferentes, mas todas elas ficam compreendidas em um instituto global e único.

Por isso cremos que a noção de irrenunciabilidade pode ser expressa em termos muito mais gerais na forma seguinte: a impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio.

A renúncia equivale a um ato voluntário pelo qual uma pessoa se desliga de um direito reconhecido a seu favor e o abandona.

De La Villa definiu a renúncia como um negócio jurídico unilateral que determina o abandono irrevogável de um direito, dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamentojurídicoi205• Pensamos que, salvo a frase final que alude, mais que ao conceito mesmo de renúncia, à limitação de sua liceidade, a definição é muito acertada porque serve para dar ênfase a uma série de notas características do instituto: é um ato jurídico do tipo dos negócios jurídicos; importa no exercicio de um direito potestativo de caráter secundário; é unilateral; implica o abandono, isto é, a perda ou extinção de um direito; possui caráter irrevogável; e resulta eficaz dentro de certos limites. Com justeza, o autor mencionado explica minuciosamente cada um dos termos utilizados em sua definição, o que lhe permite distinguir particularidades muito úteis a respeito.

Ojeda Avi/és 206, depois de lembrar os diferentes fenômenos jurídicos que o legislador designa com essa palavra, descreve-a com base nestas três características conceituais:

  1. é um negócio jurídico em sentido estrito, isto é, uma manifestação de vontade conscientemente dirigida à produção de um resultado prático previsto e amparado pelo ordenamento jurídico;

  2. é uma atividade voluntária unilateral que não necessita do concurso de outra vontade para produzir o resultado visado; e

  3. é dispositivo, no sentido de que o efeito objetivado éjustamente a saída, de nosso patrimônio, de um determinado bem que já não nos interessa conservar.

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A proibição de renunciar importa em excluir a possibilidade de poder realizar-se, de maneira válida e eficaz, o desligamento voluntário dos direitos, no âmbito alcançado por aquela proibição.

O Direito do Trabalho, em termos gerais, entra nesse âmbito.

56. Peculiaridade do Direito do Trabalho

A propósito, há uma diferença muito acentuada entre o que ocorre no Direito do Trabalho e nos outros ramos do direito, em geral.

Com efeito, ao contrário do que ocorre no direito comum, onde rege o principio da renunciabilidade, no Direito do Trabalho vige o princípio oposto, que é o da irrenunciabilidade. Ou seja, nos restantes ramos do direito alguém pode privar-se voluntariamente de uma faculdade, ou de uma possibilidade, ou de um benefício que possui, enquanto neste setor do direito isso não é possível: ninguém pode privar-se das possibilidades ou vantagens estabelecidas em seu proveito próprio.

Há os que crêem que essa peculiaridade do Direito do Trabalho não importa numa quebra daquele princípio geral, porquanto em seu enunciado ou formulação sempre se acham algumas limitações. Entre elas podem surgir as que abrangem o direito trabalhista e que excluem portanto a aplicação do princípio de irrenunciabilidade na área do Direito do Trabalho.

Um dos que expõem mais claramente esse ponto de vista é o autor espanhol ffinojosa que, partindo do art. 4º do Código Civil de seu país, que estabelece que "os direitos concedidos pelas leis são renunciáveis, a não ser que esta renúncia seja contra o interesse ou a ordem pública ou em prejuízo de terceiro", acrescenta: "E na renúncia por parte do operário dos benefícios que a lei lhe concede, se dão as duas circunstâncias que tornam impossível a renúncia. É questão de ordem pública que o trabalho humano seja devidamente protegido e remunerado; que a cobiça não explore a necessidade; que impere a verdadeira liberdade, não diminuída por entraves econômicos. E seria quase sempre em prejuízo de terceiro - dos familiares do trabalhador, dos companheiros de trabalho, que, por sua tibieza, se veriam constrangidos a aceitar condições inferiores de trabalho - a renúncia de seus direitos, que equivaleria, além disso, ã das condições indispensáveis para a efetividade do direito à vida"207.

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o raciocínio pode ser transferido para o direito uruguaio, cujo art. 8 °do Código Civil - que, por integrar o Título Preliminar das Leis, possui alcance geral - estabelece: "A renúncia geral das leis não surtirá efeito. Também não surtirá efeito a renúncia especial de leis proibitivas: o ato contra estas será nulo, se nelas não se dispuser em contrário".

Ressalvada a impropriedade lingüística, esta disposição importa em consagrar a possibilidade, em princípio, de renunciar aos direitos emergentes das diversas leis que não sejam proibitivas, as quais constituem a imensa maioria. Mas, por outro lado, as leis trabalhistas podem considerar-se proibitivas, na medida em que proíbem pactuar condições de trabalho inferiores às nelas estabelecidas, que marcam níveis mínimos de proteção.

De qualquer modo, seja pela forma particular de aplicar a regra geral em uma situação especial, seja pela expressão de uma regra diferente da geralmente aplicável, o certo é que a irrenunciabilidade se transformou em princípio próprio do Direito do Trabalho.

Montoya Melgarfrisa que o sentido de proteção, que o Direito do Trabalho continua manifestando em sua atitude para com os trabalhadores, reflete-se no princípio de irrenunciabilidade de direitos208.

Fundamento
57. Diversas formas de exposição

Há diversas formas de expor o fundamento deste princípio.

Alguns o baseiam em outro principio mais profundo e transcendente, qual seja, o princípio da indisponibilidade; outros o relacionam com o caráter imperativo das normas trabalhistas; outros o vinculam à noção de ordem pública; outros o apresentam como forma de limitação da autonomia da vontade.

Cremos que, por caminhos diferentes ou até com simples terminologia diferente, chega-se à expressão da mesma idéia, i1ustrando-a em diferentes aspectos. Por isso, vamos acompanhar esses quatro procedimentos coincidentes, para melhor esclarecer os conceitos.

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Reconhecemos que esta distinção tem certo grau de esquematismo e artifício, porquanto classificamos os autores nestes quatro grupos em função da idéia prevalente em cada um deles, sem que as posições revelem nenhum exclusivismo. Quase todos utilizam também as expressões caracterizadoras dos outros grupos, já que não são antagõnicas, mas afins e coincidentes.

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