Princípio da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas119-129

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1. Situação do tema

Em síntese, este princípio consiste em que o trabalhador não pode renunciar aos direitos a ele assegurados pela legislação do trabalho. Compreende no conceito irrenunciabilidade também a intransigibilidade. Essa é a regra. Veremos a seguir que há exceções.

De Plácido e Silva assim define: “Renúncia. Ou renunciação, do latim renuntiatio, de renuntiare (declarar ou anunciar que deixa, desistir, abdicar), no sentido jurídico designa o abandono ou a desistência do direito que se tem sobre alguma coisa” (in: Vocabulário jurídico).

Pedreira da Silva (op. cit.) define renúncia como sendo o “ato unilateral da abdicação de um direito por parte do seu titular”. O direito privado comum admite renúncia tácita ou expressa. No Direito do Trabalho, de regra, a renúncia é ilícita. E nos casos em que é admissível tem que ser expressa e inconfundível. Portanto, não se admite a renúncia tácita.

No direito comparado, encontramos, em geral, a proibição de renúncia, pelo trabalhador, de direitos derivados de disposições inderrogáveis — Itália, Argentina e Uruguai — ou só a admite em casos expressamente permitidos por lei — Venezuela. Na França, não é admitida na vigência do contrato e, no México, a legislação a respeito é rigorosa94. Especialmente no direito argentino, a LCT (Lei do Contrato de Trabalho) trata do assunto expressamente há longos anos, pela Lei
n. 20.744, cujo art. 12, já alterado pela Ley n. 26.574, vigente desde 8 de janeiro

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de 2010, proíbe a renúncia nos três tempos, no ato da contratação, na execução do contrato e na rescisão:

Será nula y sin ningún valor toda convención de partes que suprima o reduzca los derechos previstos en esta ley, los estatutos profesionales, las convenciones colectivas o los contratos individuales de trabajo, ya sea al tiempo de su celebración o de su ejecución, o del ejercicio de derechos provenientes de su extinción.95

O comportamento inerte do titular imediato do direito não se há de confundir com renúncia. Dizemos titular imediato do direito o trabalhador individualizado. Nessa ordem, a sociedade tem a titularidade mediata e como tal pode exercitar o direito que o titular imediato, por qualquer motivo, deixa perecer. Assim, o trabalhador que acorda com o empregador para trabalhar sem carteira assinada a fim de receber seu salário sem o desconto previdenciário ou por qualquer outro motivo não impede que o Ministério do Trabalho chame o empregador para cumprir essa obrigação de ordem pública.

A prescrição e a decadência são institutos próprios que não equivalem à renúncia, embora tenham efeito semelhante a uma renúncia tácita validada pelo decurso do tempo.

Vale esclarecer que o nosso sistema positivo não veda renúncia pelo empregador, porque a parte presumidamente mais forte prescinde da tutela legal neste ponto.

2. Fundamentos

Cesarino Jr.96 leciona, sucintamente, que a aplicação deste princípio decorre da imperatividade das normas trabalhistas, o que ocasiona a indisponibilidade dos direitos. Por imperatividade entenda-se jus cogens, em oposição ao jus dispositivum.

Russomano, comentando o art. 9º da CLT (op. cit.), filia-se à corrente que fundamenta este princípio na ordem pública: “Quando as normas da Consolidação sofrem a ofensa de uma violação, quem sente, na própria carne, os efeitos desse gesto é a sociedade. A alta relevância econômica, política e moral dos princípios trabalhistas transforma-os — apesar de alguns de seus institutos serem de natureza essencialmente privada — em objetos de interesse público e, como tal, defendidos pelo Estado.”

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Ruprecht (Princípios Normativos do Direito do Trabalho) defende que o fundamento deste princípio assenta no vício presumido do consentimento. Entende que sempre o trabalhador é constrangido ao renunciar a um direito, em virtude da desigualdade econômica em que se encontra, situação essa que lhe inibe a livre determinação.

Outras correntes recorrem à limitação da autonomia da vontade e até ao princípio da indisponibilidade.

Em verdade, o surgimento do Direito do Trabalho com natureza tutelar representa o mais poderoso instrumento de intervenção do Estado na ordem privada, visando à paz social. Dessa forma, o fundamento do princípio em estudo assenta um pouco em cada uma das correntes acima mencionadas; como, porém, todas as correntes, com exceção da do vício presumido do consentimento, se explicam por elementos peculiares ao fundamento do próprio Direito do Trabalho, é razoável que nos filiemos a esta última, porque se desprende do fundamento geral do Direito Obreiro para preocupar-se com aspectos mais imediatos.

Dessa forma, a irrenunciabilidade tem por fundamento imediato a presunção de vício de consentimento. Presume-se, com efeito, que o trabalhador já dispõe de muito pouco para, sem motivo, renunciar vantagens. Com isso, quer-se dizer que, ao renunciar, a vontade dele não está totalmente desanuviada. Alguma coisa o leva a tomar atitude desvantajosa: ou coação psicológica e econômica, ou desconhecimento dos seus reais direitos. Muitas vezes, inexiste má-fé visível do beneficiário. Quantas vezes o trabalhador concorda em receber menos para se poupar de demanda judicial, ou porque necessita retornar à terra natal, ou porque a família está passando necessidade e ele não pode esperar mais, ou porque necessita de referência para outro emprego, ou porque teme perder o emprego.

Parece-nos que o art. 9º consolidado segue essa corrente: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” Como depois da CLT uma série de outras normas trabalhistas foi editada, leia-se que serão nulos os atos tendentes a desvirtuar a aplicação da legislação do trabalho.

Tratando sobre a “Proteção do Trabalho da Mulher”, o art. 401 da CLT estipula as penalidades pela desobediência às determinações legais. E no § 1º preceitua:

A penalidade será sempre aplicada no grau máximo:

  1. se ficar apurado o emprego de artifício ou simulação para fraudar a aplicação dos dispositivos deste Capítulo.

Krotoschin filia-se entre os que fundamentam a irrenunciabilidade na imperatividade das normas trabalhistas, conforme a seguinte passagem: “Sin embargo, la característica de ese derecho contractual del trabajo consiste en que sus disposiciones, por lo general, son de caracter forzoso e irrenunciable. Mas ao mesmo tempo

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reconhece a teoria do vício de consentimento, aduzindo que a irrenunciabilidade se explica porque o estado de dependência do trabalhador poderia facilmente induzi-lo a fazer concessões em seu detrimento, tornando “ilusoria de este modo la protección que las leyes del trabajo quieren darle”97.

Perez Botija, com apoio em Inojosa, fundamenta a irrenunciabilidade no princípio de Direito Civil que veda a renúncia em prejuízo de terceiro, que no caso seriam os familiares dos trabalhadores e seus colegas, que se veriam obrigados a aceitar condições inferiores em face da claudicação do renunciante98. Na jurisprudência, é eloquente o...

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