Princípio da Irretroatividade das Nulidades Contratuais

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas91-101

Page 91

1. Nulidade e anulabilidade

Para sua validade, o ato jurídico requer a concomitância de: agente capaz, objeto lícito e forma legal ou não proibida por lei (art. 104 do Código Civil). São pressupostos do ato jurídico a capacidade, a idoneidade do objeto e a legitimação (posição do sujeito em relação ao objeto). Constituem requisitos do ato jurídico a declaração de vontade, a causa e a forma89

A ausência de um pressuposto ou de requisitos torna o ato totalmente nulo. E o ato nulo não gera efeitos jurídicos, ou melhor, não gera os efeitos próprios do ato, mas sim outros, os indesejados pelos policitantes.

A falta de vontade não se confunde com a vontade viciada. Ocorre ausência de vontade quando o sujeito não quis a declaração, verificada nos seguintes casos: a) a falsidade; b) a violência física; e c) a incapacidade natural. A ausência da vontade torna o ato nulo.

A vontade viciada (vício de consentimento) torna o ato anulável. Ocorre quando a vontade foi emitida, porém, a declaração saiu na forma não pretendida ou de maneira enganosa à sociedade. São os vícios psíquicos e os sociais. Psíquicos são o erro ou a ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão (arts. 138/157 do Código Civil). Os vícios sociais são a fraude contra credores (art. 158, CC) e a simulação (art. 167). Também torna anulável o ato a incapacidade relativa do agente (art. 171, I).

A nulidade se declara, com efeito ex tunc; não pode o ato nulo ser convalidado nem ratificado, nem com a vontade das partes; pode ser alegada pelos interessados, pelo Ministério Público e até conhecida de ofício pelo juiz.

Page 92

A anulabilidade se decreta, com efeito ex nunc, isto é, produz efeitos até a sua efetiva decretação. O ato pode ser ratificado, convalidado e só pode ser a nulidade alegada pelos interessados, não podendo ser pronunciada de ofício (art. 152, CC), e aproveita apenas aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade (art. 177 do CC).

Em resumo, o ato anulável gera todos os efeitos normais até a decretação da sua nulidade; o nulo não gera, desde o início, nenhum dos efeitos normais do ato e a sua declaração restitui as partes ao estado anterior. Isto, no Direito Civil. A preterição de elementos essenciais gera a nulidade absoluta e a de elementos acidentais gera a anulabilidade ou nulidade relativa. A nulidade absoluta se declara; a relativa se decreta.

2. As nulidades contratuais no direito do trabalho

No Direito do Trabalho, a regra civilista é mitigada. Tanto na nulidade quanto na anulabilidade, em regra, o efeito é apenas ex tunc. A propósito, é relavante o seguinte excerto da decisão do Excelso Supremo Tribunal Federal nos autos do RE
n. 596478, em 13.6.2012:

Contratação sem concurso público e direito ao FGTS — 3

O art. 19-A da Lei n. 8.036/90, acrescido pelo art. 9º da Medida Provisória 2.164- -41/2001, que assegura direito ao FGTS à pessoa que tenha sido contratada sem concurso público não afronta a Constituição. Essa a orientação do Plenário que, em conclusão de julgamento, desproveu recurso extraordinário no qual se discutia a constitucionalidade, ou não, do dispositivo — v. Informativo 609. Salientou-se tratar-se, na espécie, de efeitos residuais de fato jurídico que existira, não obstante reconhecida sua nulidade com fundamento no próprio § 2º do art. 37 da CF. Mencionou-se que o Tribunal tem levado em consideração essa necessidade de se garantir a fatos nulos, mas existentes juridicamente, os seus efeitos. Consignou-se a impossibilidade de se aplicar, no caso, a teoria civilista das nulidades de modo a retroagir todos os efeitos desconstitutivos dessa relação. Ressaltou-se, ainda, que a manutenção desse preceito legal como norma compatível com a Constituição consistiria, inclusive, em desestímulo aos Estados que quisessem burlar concurso público. Aludiu-se ao fato de que, se houvesse irregularidade na contratação de servidor sem concurso público, o responsável, comprovado dolo ou culpa, responderia regressivamente nos termos do art. 37 da CF. Portanto, inexistiria prejuízo para os cofres públicos. (RE 596478/ RR, Rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 13.6.2012.) (sem negritos no original)

Em relação ao contrato de trabalho, porém, compõem-lhe a essência três requisitos: agente capaz, idoneidade do objeto e consenso. Os dois primeiros constituem pressupostos do contrato; o último, requisito intrínseco.

Page 93

A forma não é da essência do contrato de trabalho, mas é caracterizadora de algumas espécies de contratos de trabalho, e, neste caso, é essencial para a espécie. A ausência de forma lança o contrato na regra geral da informalidade contratual.

A nulidade absoluta só retroage (ex tunc) se o objeto da prestação do serviço for ilícito. No mais não retroage, dada a impossibilidade de restituir as partes ao status quo ante, posto que a energia de trabalho é acíclica, irrecuperável.

Exemplificando, a capacidade trabalhista implementa-se aos 18 anos e a capacidade relativa aos 16 anos. O art. 7º, XXXIII, da CF proíbe o trabalho ao menor de 16 anos, salvo como aprendiz a partir dos 14 anos. Porém, pesquisas apontam que o menor brasileiro está trabalhando para sobreviver. Pois bem, contra fatos não há argumentos e a necessidade desconhece a lei. Por isso, apesar da vedação constitucional, constatado o trabalho do menor, são devidos todos os direitos emergentes do contrato de trabalho havido. Esta seria, no Direito Comum, a maior nulidade possível (ausência da vontade) e ensejaria a total nulidade do ato. Mas no Trabalho essa nulidade plena não expunge os efeitos do negócio jurídico:

Embora a Constituição Federal vede o trabalho a menores de 14 anos, deve-se admitir a existência de relação de emprego quando demonstrados os elementos caracterizadores da mesma, eis que o não reconhecimento dos direitos decorrentes do pacto laboral importaria em gratificar o empregador infrator, que se locupletaria com a ilegalidade cometida (TRT 4ª Reg., RO 6.928/90, Ac. 2ª T. 3.2.1992. Rel. Juiz Conv. André Avelino Ribeiro Neto.) In: Revista. LTr de julho de 1993.

Outro exemplo é o do trabalho escravo. Alguém trabalha sob coação para outrem. Reivindicados os direitos normais emergentes do contrato de trabalho, o tomador do serviço não pode eximir-se da obrigação sob negação do vínculo de emprego por nulidade do pacto em virtude do vício de consentimento. Entretanto, são devidos todos os títulos trabalhistas próprios de um contrato de trabalho válido, mais os danos morais. É proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos (art. 7º, XXXIII, CF). No entanto, constatado o trabalho sob essas condições, há que se determinar a imediata cessação, com o pagamento dos consectários legais (adicional de insalubridade ou de periculosidade, bem como os efeitos previdenciários próprios).

Quanto ao objeto, há que se distinguir o objeto econômico do empregador e o da prestação do serviço. O objeto econômico ilícito nem sempre torna ilícito o objeto do trabalho. O jogo do bicho é ilícito, mas o trabalhador que presta serviço de zelador, copeiro, vigia não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT