Princípio da Primazia da Realidade

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas130-136

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1. Contrato-realidade

O contrato real de trabalho é comparável a uma nuvem — muda a todo instante sua configuração, para melhor, pior, maior, menor, mais espessa ou mais delgada, até desaparecer de acordo com os ventos.

O contrato real de trabalho, segundo a Lei Trabalhista, é impossível fraudar. O que se frauda é o contrato formal.

Afirmamos isto de primeira mão, e baseamo-nos no art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual “o contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”.

Veja-se que o contrato de trabalho descrito no texto legal é dinâmico, é um constante ajustamento. Diz-se que é de trato sucessivo na sua execução, porque se vai cumprindo no curso do tempo, dia a dia. Ousamos dizer que é também de trato sucessivo a sua pactuação.

O legislador distinguiu duas coisas: o contrato que se ajusta e o que de fato se realiza. O primeiro opera-se no campo formal; o segundo, no fático — FORMA X FATO. O primeiro é o contrato formal — escrito ou verbal; o segundo, o contrato real, que é tácito.

A relação de emprego diz respeito à execução continuada, dia a dia, do contrato. E o artigo citado considera contrato tudo que de fato se executa. A lei considera que, neste caso, houve um ajuste tácito. Ex.: fui contratado como revisor de jornal no dia 6.12.1979 e, de fato, comecei a trabalhar nesse dia, na função contratada. Entretanto o contrato foi registrado na minha CTPS só a partir de 2.1.1980, na função de auxiliar de escritório. Ora, para os efeitos do art. 442 da CLT, a relação de emprego foi a primeira e, por consequência, o contrato real, o que a lei considera. A parte formal seria passível de desconstituição, e a empresa, de punição.

Destarte, o princípio da realidade se faz presente em todas as fases do contrato: na contratação, na execução do contrato e na rescisão.

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O Código do Trabalho português, instituído pela Lei n. 19/2003, positiva esse princípio, em relação ao contrato informal de emprego, no seguinte texto:

Artigo 12º Presunção

Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:

  1. O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizacional do beneficiário da actividade e realiza sua prestação sob as orientações deste;

  2. O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;

  3. O prestador do trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência econômica face ao beneficiário da actividade;

  4. Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;

  5. A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.

Ou seja, o direito português é menos rigoroso do que o nosso, pois exige presença de todas as condições de fato mais o tempo superior a 90 dias para que uma relação informal caracterize relação de emprego.

2. Conceito

O Princípio da Primazia da Realidade orienta o intérprete na busca da relação de emprego (situação de fato) para daí extrair-se o real contrato de trabalho. De La Cueva e Alfredo Iñarritu denominaram esse fenômeno de contrato-realidade.

O princípio em análise significa que, havendo discrepância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos.

A regra está estreitamente relacionada com a realidade que envolve o contrato de trabalho em sua execução. No momento de sua formação, o contrato de trabalho é consensual100. Porém, no tocante à execução, vai assumindo formas outras, vai se distanciando do pacto inicial. Aqui, a palavra realidade toma o significado de “atual”: aquilo que existe efetivamente, como leciona Aurélio Buarque, e não realidade como derivado de res.

A realidade atua sempre que os registros não estejam em consonância com os fatos, seja com relação à qualificação do trabalhador, à natureza do serviço, ao

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horário de trabalho, ao salário e local de trabalho (aspectos substantivos), seja com relação aos aspectos instrumentais, como na produção...

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