Princípio da Progressão Social

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas49-61

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1. A promessa constitucional de remição untada aos valores fundamentais

Este Capítulo deveria figurar no rol dos princípios do trabalho de 2ª geração. No entanto, o trabalho é a porta de entrada tanto na Ordem Econômica (art. 170, CF) como na Social, art. 193, verbis: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem estar-social e a justiça social.

O art. 7º da Constituição de 1988 elenca em 34 incisos os direitos assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais: “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Ou seja, fixa o piso básico da dignidade humana, mas referenda todo o progresso social que vier por meio de qualquer outro instrumento.

No trabalho, o homem já foi escravo, servo, trabalhador livre sem direitos, até chegar à era dos direitos sociais. E, não sejamos tolos, o progresso não chegou ao fim, nem nunca chegará. E retroceder, nem pensar!

Progresso significa marcha para frente; avanço; movimento para a perfeição. Progressão social adjudica a melhoria do IDH da população, a vontade constante e perpétua de conseguir avanço intelectual, material e social das pessoas, enfim, melhor qualidade de vida.

A economia do Brasil ocupa as primeiras posições no mundo; porém, social-mente, o país rivaliza-se com nações que ainda vivem sob regime tribal ocupando em 2013, a 80ª posição de IDH. Daí o apelo cada vez mais forte deste princípio.

A grande mudança que a Constituição de 1988 implantou é que tudo está mudando. Esperava-se uma Carta Mágica, capaz de transformar tudo com o simples abrir do livro. Mas veio uma Carta de Valores, cuja característica é ir se revelando progressivamente.

Qual o maior dos desejos de todo ser humano que pensa dentro dos padrões sociais? É o de conseguir um trabalho digno, que lhe proveja a subsistência jun-

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tamente com sua família. E qual o maior medo de toda pessoa que trabalha? É o de perder o emprego. De fato, não há praga maior na vida de uma cidadã e de um cidadão. Aliás, ao perder o emprego, a primeira sensação é a de que lhe surrupiaram a cidadania, a dignidade, a saúde, a paz. Daí a fundamentalidade dos direitos sociais, cuja porta de entrada é o trabalho, cf. art. 193, da CF.

O texto promulgado em 5 de outubro de 1988, sob espasmódica euforia, embalou o sonho de todos e de cada um na redenção, na reparação das injustiças sociais, na correção das desigualdades e na reprovação dos preconceitos, cf. eloquente peroração do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulisses Guimarães:

Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Geograficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é o seu fim e sua esperança, é a Constituição cidadã.

Esse é o novo paradigma da Constituição, o homem como seu valor mais alto. E, parodiando Voltaire62, sendo a Constituição feita para um fim, deve cumprir necessariamente o melhor dos fins. Destarte, nunca se viu uma Constituição tomar posições tão ostensivas sobre as mais diversas questões humanas, como se quisesse resgatar todos de um processo histórico injusto de 500 anos, reparar todos os danos que o Estado teria causado aos cidadãos, devolver-lhes os direitos sovinados e solapados.

Nesse propósito, a novel Constituição elabora no seu Preâmbulo um catálogo de valores supremos; nos arts. 1º ao 4º, um bloco de princípios fundamentais; no art. 5º, uma declaração de direitos e garantias; e nos arts. 6º a 11, um rol de direitos sociais e trabalhistas. A remoção dos direitos e garantias fundamentais para o início do Documento Constitucional revela um giro axiológico no direito brasileiro, em que o homem assume posição sobranceira, fim último do Estado, tudo isso apoiado nos pilares da dignidade e da cidadania como valores básicos.

Na Constituição, a base dogmática do princípio da progressão são os arts. 3º (“Constituem objetivos da República Federativa do Brasil: II — garantir o desenvolvimento nacional; III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; ...”), 7º, caput (melhoria da condição social do trabalhador); o art. 170, III, incorpora a regra da função social da propriedade.

No entanto, o mancal constitucional do princípio da progressão social é o Título VIII da Constituição, iniciando com o art. 193: “A ordem social tem por base o primado do trabalho e por objetivo o bem-estar e a justiça social.” Segue-se o Capítulo da Seguridade Social, que compreende o Sistema Único de Saúde (SUS), a Previdência Social e a Assistência Social.

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O SUS é um sistema unificado de saúde, que assegura a todos igualmente o direito a tratamento da saúde às expensas do Estado, independentemente de qualquer contribuição do beneficiário. Constitui o mais significativo programa de inclusão social, de democratização dos recursos públicos e tudo de bom.

A Previdência Social constitui um sistema de cobertura contributivo, que beneficia apenas os contribuintes e seus dependentes. Os benefícios da Previdência Social estão previstos na Lei n. 8.213/1991, que assegura aposentadorias, pensões, licenças, benefício acidentário, salário-família etc. aos contribuintes e dependentes da Previdência Social. A Lei Previdenciária protagonizou avanços, como o reconhecimento da união estável entre homem e mulher ou homoafetiva como enti-dade familiar.

Trabalho e previdência são irmãos siameses. A fonte principal de recursos da Previdência Social é o trabalho: do empregado, do empregador e de todos os trabalhadores autônomos, cf. art. 195, I, a e II, da CF. Destarte, a Previdência Social foi instituída em função do trabalho, por este é mantida e em razão deste existe.

A Assistência Social, prevista nos arts. 203 e 204, CF, regulamentada pela Lei n. 8.754/1993, de Organização da Assistência Social (LOAS), é um sistema de cobertura independente de contribuição do beneficiário. Por esse programa, se aposentam todos os que não preenchem as condições para se aposentarem pela Previdência Social em cuja residência a média dos rendimentos não seja superior a ¼ do salário mínimo, amparando idosos e deficientes, além de dar suporte à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, a programa de integração no mercado de trabalho, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida da comunidade. Os recursos provêm do orçamento da Seguridade Social, ou seja, dos trabalhadores e das empresas — cf. art. 195, CF.

2. Avanços sociais nas emendas constitucionais

Apesar das críticas e do discurso neoliberal, está havendo avanço social, tanto na legislação como nos atos do Executivo e na jurisprudência. A Emenda Constitucional n. 14/1996 alterou o art. 211 da Constituição para instituir o FUNDEF (Fundo Nacional de Educação Fundamental), modificado pela EC n. 53/2006, substituindo o FUNDEF pelo FUNDEB (Fundo Nacional de Educação Básica). A primeira amplia o financiamento público do ensino fundamental; a segunda amplia o financiamento público para abranger também o ensino básico. A consequência imediata desse Fundo da Educação foi o incentivo aos Municípios para aumentarem o número de matrículas na rede municipal. Quanto mais matrícula, mais repasse federal. Também graças a isso, foi garantida a todos os professores municipais remuneração não inferior a um salário mínimo, corrigindo uma grande injustiça para com essa categoria que, na sua grande maioria, percebia apenas entre 20% a 50% do salário mínimo por mês.

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A EC n. 26 acrescentou ao rol dos direitos sociais do art. 6º o direito à moradia, cuja consequência imediata foi abrir a possibilidade de destinação de verba para programas habitacionais nos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a população mais carente.

A EC n. 20/1998 — a 1ª Reforma Previdenciária — alterou o inciso XXXIII do art. 7º para majorar a maioridade relativa trabalhista de 14 para 16 anos. Essa alteração foi considerada positiva, visto que veio proporcionar condições para que os jovens se qualifiquem melhor antes de entrarem no mercado de trabalho.

A EC n. 45 abre várias frentes de atuação do poder público em prol da progressão social. A principal consiste na elevação ao status de Emenda Constitucional dos instrumentos internacionais ratificados por maioria de 3/5 de cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos (§ 3º do art. 5º). E os direitos dos trabalhadores integram a pirâmide dos direitos humanos; em consequência, as Convenções Internacionais do Trabalho, ratificadas com o quorum citado, passam à condição de normas constitucionais; outra alteração de grande significado na política de inclusão social foi a transferência para a competência da Justiça do Trabalho das ações oriundas de todas as relações de trabalho (art. 114, I), haja vista os benefícios da simplicidade processual, a atuação especializada do Ministério Público do Trabalho e a prestação jurisdicional por uma Justiça Especial. Destarte, a Justiça do Trabalho ainda é o maior programa de distribuição de renda do país.

A EC n. 62/2009 mudou as regras do precatório. Alterou o art. 100 da CF, que já dava preferência ao pagamento dos créditos de natureza alimentícia, e ganhou outra preferência: o crédito da pessoa idosa ou portadora de doença grave.

Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza — instituído pela EC
n. 31/2000, acrescentou às Disposições Constitucionais Transitórias os arts. 79 a 83, destinando percentuais de vários tributos. Uma pesquisa divulgada no ano de 1997 acusou que o Brasil ainda tinha mais de 30 milhões de pessoas na pobreza extrema e passando fome. Em consequência, as lideranças políticas se mobilizaram e, sob o patrocínio do senador...

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