Princípio da Proporcionalidade

AutorFrancisco Meton Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
Páginas198-210

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1. Relação dialógica entre a razoabilidade e a proporcionalidade

Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade se complementam, porque todo razoável é proporcional e todo proporcional é razoável. Ambos se enquadram entre os grandes princípios constitucionais implícitos. Mas não são a mesma coisa, dado que o razoável é que fornece as bases de cálculo da proporcionalidade nas ciências humanas, ante a inaplicabilidade da lógica formal.

As proporções matemáticas têm base nos números; as proporções, nas ciências não exatas ancoram-se nas grandezas da razoabilidade.

No Direito Administrativo, é um princípio expresso no art. 2º da Lei
n. 9.784/1999, o qual ancora os atos administrativos nos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

No Direito do Trabalho, integra os princípios da justa causa e atua na limitação do poder disciplinar do empregador. Portanto, aqui, também é implícito. No Direito Penal, está presente principalmente no critério de fixação da pena, entre a mínima e a máxima.

2. Conceito

Razão = relação entre duas grandezas. Proporção = igualdade entre duas ou mais razões. Proporcional = simétrico. Proporcionalidade = qualidade do que é proporcional. Assim, se AB = CD, AC = BD. As proporções matemáticas têm bases exatas. Mas, nas ciências humanas, as bases sobre as quais se vão operacionalizar as proporções são fluidas, representadas pela razoabilidade na colocação das grandezas entre as quais se pretende estipular o ponto de equilíbrio, entre um demais e um demenos, mediante a proporcionalidade.

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Na teoria da mesotis, Aristóteles idealiza a justa proporção como medida de prudência. Entre a covardia e a temeridade, está a bravura; entre o dois e o dez, o seis é o meio. A virtude está no meio. Traduzindo-o, certamente, o caipira diz que quem atira no meio não erra.

Aristóteles desenvolve engenhosamente a teoria da justiça distributiva, que seria uma das expressões da justiça como um todo. E, nessa construção, equipara a justiça com a proporção, justa é a proporcionalidade entre duas grandezas diferentes:

O proporcional é um meio-termo, e o justo é o proporcional.

(...)

O justo nesta acepção é portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade.117 Em síntese, o princípio da proporcionalidade expressa-se, em um primeiro momento, pela ideia aritmética de igualdade, de proporção entre duas grandezas diferentes para obtenção de um equilíbrio; e, em um segundo momento, anima-se na ideia de simetria, de adequação, entre meios e fins e na utilidade de um ato para proteção de um direito.

Assim funciona em todas as operações do direito: na legítima defesa, mediante o uso moderado dos meios adequados e necessários para afastar a injusta agressão (art. 25 do Código Penal); na fixação da pena, entre a mínima e a máxima (art. 59, II, Código Penal); na caracterização do crime de pequeno potencial ofensivo.

O princípio da proporcionalidade que ora se estuda tem base na doutrina alemã, que, na versão anglo-americana, é representado pelo princípio da razoabilidade, com detalhes que os diferenciam.

O princípio da razoabilidade foi desenvolvido como instrumento de racionalidade das operações da lógica nas ciências humanas, como bem analisou Récasens Siches (In: Nueva filosofia del derecho).

Daí dizer-se que o princípio da razoabilidade é um princípio estático e o da proporcionalidade é dinâmico. O primeiro fundamenta o segundo e este operacionaliza aquele. Funcionam, portanto, numa relação de complementaridade.

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3. Berço constitucional da proporcionalidade

Assevera Paulo Bonavides que o princípio constitucional da proporcionalidade é o princípio dos princípios, porque atua contra o arbítrio oficial118.

Transpostos os princípios para as Constituições, atribuído a eles caráter normativo, cumpre identificar o berço dogmático do princípio da proporcionalidade. Ora, se já não é fácil delimitar os contornos dos princípios expressos, a tarefa se agiganta no momento em que se admite a existência de princípios implícitos igualmente vinculantes.

O princípio da proporcionalidade já vem expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, arts. 5º e 7º; na Constituição portuguesa de 1976, está expresso no art. 18, dentre outras.

A Corte Constitucional alemã estabeleceu sua base dogmática na cláusula do Estado de Direito, como instrumento de garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais, pois não haveria garantia constitucional efetiva se não se impusesse limite aos poderes quando da regulamentação e da interpretação da Constituição.

Complementando a cláusula do Estado de Direito, o princípio democrático só se materializa mediante a igualitária distribuição dos haveres da nação. Portanto, operação de proporcionalidade.

De outra feita, esse princípio funciona como complemento ou instrumento de operacionalização do princípio da legalidade, fornecendo elementos de razoabilidade quando da correção, por lei, de desigualdades. Por exemplo, quando se legisla em favor de algumas categorias sociais excluídas (lei de cotas), tendo em vista sua inclusão social, há que se ter o cuidado para que isso não venha a representar um privilégio e para não se criar outras discriminações. Em consequência, a proporcionalidade atua como complemento ao princípio da igualdade material ou propósito da igualização, mediante o corretivo de desigualdades.

Já é axiomático que a proporcionalidade integra o rol dos grandes princípios implícitos da Constituição Federal do Brasil de 1988. Cumpre identificar-lhe o exato aconchego no ninho constitucional brasileiro.

Inicialmente, identificamos sua raiz na cláusula do devido processo legal como princípio material, cravado no inciso LIV do art. 5º (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”). Tendo-se que essa expressão alberga rico conteúdo em cada uma das três palavras: a) devido — oportuno, necessário, adequado, suficiente, justo, moderado etc.; b) processo — o instrumento formal, que, mediante atos e fases determinados, assegure a ampla defesa e o contraditório; c) legal o processo é o previsto na lei, não se podendo inventar formas outras de apuração de fatos (devendo-se obedecer em todos os casos, aos

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processos previstos para cada espécie: penais, fiscais, cíveis, judiciais e administrativos etc.)

Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, na pena do ministro Moreira Alves, em decisão de 11 de maio de 1994, cfr. noticia Gilmar Mendes (Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. Malheiros, 1996, p. 177).

Destarte, quando se atua no nível de processo, esse princípio se aloja no berço do devido processo legal como princípio material do processo; porém, em outras situações materiais, fica mais adequado subsumi-lo dos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito e da reserva legal.

Em todo caso, além de a proporcionalidade fundar-se nos princípios estruturantes ou fundamentais, essa cláusula encontra-se no acervo dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, da Constituição), portanto, com status de um direito fundamental.

De onde emana sua existência normativa? Esse princípio é uma norma implícita que aflora do § 2º do art. 5º, segundo o qual, “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (grifamos)

Decompondo esse preceito, temos três fontes de princípios: a) os decorrentes da cláusula estruturante do regime democrático; b) os oriundos dos princípios constitucionais; c) os emergentes dos tratados internacionais.

O regime adotado na CF/1988 é o democrático, conforme art. 1º, o qual adjudica um sem-número de consequências, desde as liberdades até o direito às mais diversas participações dos cidadãos. O segundo item (b) externa que dos princípios expressos na Constituição extraem-se direitos (portanto, também outros princípios). Isto não causa estranheza, pois um dos atributos dos princípios é sua aptidão reprodutiva de outros princípios. Os princípios fundamentais encontram-se nos arts. 1º ao 4º, além dos princípios gerais albergados no...

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