Princípio da Proporcionalidade

AutorCélio Pereira Oliveira Neto
Ocupação do AutorAdvogado, Doutorando, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas71-106

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Para o estudo do princípio da proporcionalidade, iniciar-se-á com a justificação da inserção deste no cenário da hermenêutica e interpretação constitucional.

3.1. hermenêutica e interpretação constitucional

Deve-se valer da interpretação constitucional quando há necessidade de responder a uma questão constitucional, à qual a própria Constituição não permite responder de forma conclusiva, tal como na hipótese da aplicação da cláusula de não concorrência frente à limitação da liberdade ao exercício do trabalho. Reconhece-se, desde logo, que os problemas de interpretação são mais comuns na inter-pretação constitucional do que em outros setores do ordenamento, dado o caráter aberto e amplo da Constituição.

Interpretar significa mediar o objeto da interpretação com o sujeito destinatário do objeto interpretado, aplicando-se a regra no caso concreto, ou seja, conferindo um significado ao texto objeto da interpretação, o que só ocorre no caso prático, jamais em abstrato.

Interpretar a Constituição é dizer se a norma é ou não aplicável à luz dos preceitos constitucionais, ao passo que a hermenêutica em sentido lato vai além. Sem abrir mão da interpretação constitucional, o intérprete institui espécie de processo por meio do qual são ditados os passos a serem seguidos. Estabelece, pois, um trajeto, com critérios, passos e métodos determinados para atingir a justiça, que representa a concretização dos princípios constitucionalmente previstos.

A hermenêutica constitucional visa à compreensão do fenômeno jurídico mediante princípios e regras no plano normativo, que exigem a efetivação dos valores que os orientam no plano axiológico, com o fim de concretização no plano fático, utilizando-se para tanto dos métodos e processos elaborados pela hermenêutica jurídica, tendo a supremacia da Constituição por princípio basilar.1 Um exemplo

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é o Preâmbulo da Constituição que não figura como regra, porém é usado no processo hermenêutico dado o seu caráter principiológico.

A hermenêutica se revela como ramo da ciência do direito que determina as regras sistematizando a interpretação, à luz do Direito Constitucional. Ou seja, busca os valores constantes da Carta Maior, de modo a tornar a Constituição instrumento da efetividade dos direitos ali consagrados. A metodonomologia é a ciência que estuda as regras e os passos a serem seguidos na hermenêutica constitucional.

Não vincula diretamente o intérprete, a hermenêutica o faz indiretamente por meio do ato de interpretar, mediante o qual se revela a norma e se verifica seu conteúdo e alcance. Assim, a hermenêutica indica os passos e caminhos, ao passo que a interpretação consiste na explicitação do compreendido - não como ato reprodutivo, mas sim produtivo -, que deverá ser sustentado por justificação fundamentada, explicitando as razões pelas quais se compreendeu de determinado modo, a fim de legitimar a decisão adotada.

Nesse contexto, a hermenêutica assume o papel de apresentar caminhos abstratos, fornecendo subsídios e regras a serem utilizados em situações concretas da vida em um processo de interpretação. Nos dizeres de Celso Ribeiro Bastos, "interpretação tem por objeto as normas, enquanto que a hermenêutica decifra o modo pelo qual poderá se dar a interpretação".2 É a interpretação que confere efetividade à norma, ou seja, dá vida ao direito, torna-o operativo.

Diante do conflito constitucional entre a cláusula de não concorrência e a liberdade de trabalho, para cumprir o objetivo da presente obra, será necessária a menção a alguns dos métodos mais utilizados na interpretação constitucional, iniciando pelos tradicionais, e em seguida alcançando o modelo pós-positivista - sem a pretensão de exame mais detalhado, até porque refugiria ao estudo proposto.

Konrad Hesse3 explica que a teoria tradicional da interpretação busca revelar a vontade objetiva da norma ou subjetiva do legislador. Daí derivam duas teorias: a objetiva da interpretação, que intenta conhecer a vontade objetiva do legislador manifestada no preceito de lei, e a teoria subjetiva, que pretende conhecer a vontade subjetiva do legislador.

A interpretação tradicional ocorre a partir do texto da norma, e se limita à conjugação das interpretações gramatical e lógica, com os elementos racional, teleológico, sistemático e histórico, com o escopo de extrair conclusões, no que tange ao significado da norma.

A interpretação gramatical representa o ponto de partida da atividade inter-pretativa, preocupando-se com o significado puro e simples da norma, ou seja, a

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literalidade do texto, o conteúdo semântico das palavras que o compõe. Toma o uso linguístico para efeito de estabelecer o sentido de cada uma das palavras que compõe a norma, as quais, a priori, devem ser compreendidas no sentido usual, somente o sendo no técnico quando o tipo de discurso ou matéria a tanto conduzirem o intérprete, tal como nos vocábulos posse, fruto, boa-fé e tantos outros. Representa o ponto de partida da atividade interpretativa, como também o limite que não pode ser ultrapassado pelo intérprete.

A interpretação lógica pretende resgatar o sentido e o alcance da norma, a sua finalidade e o bem jurídico por ela tutelado. Remete ao espírito da lei, por meio dos elementos racional, sistemático e histórico.

O elemento racional indica que toda disposição legal tem algo a realizar, com função e finalidades determinadas, e a norma deve ser compreendida no sentido de permitir o alcance do fim pretendido voltado às regulamentações da vida, com o escopo de satisfazer as exigências econômicas e sociais. Porém, o fim representa a escolha de um caminho nem sempre correto, na medida em que inexiste segurança absoluta acerca do conteúdo da norma, até porque a finalidade de hoje pode não ser a de amanhã, ganhando a lei alma diversa da original, baseada em uma interpretação evolutiva.4

O elemento sistemático consiste na percepção de que um princípio jurídico não existe, senão em conjunto com outros princípios, e o significado de cada norma só é preciso quando esta é confrontada com outras normas, eis que, vista de modo isolado, a norma constitucional pode fazer pouco sentido, ou mesmo contradizer outra. Em suma, a norma não pode ser interpretada isoladamente, mas sim em relação com as demais disposições legais, mantendo a unidade do sistema.

O elemento histórico indica que boa gama dos princípios inseridos nos códigos reproduz princípios similares pretéritos. Busca-se o sentido da norma nos trabalhos preparatórios da lei, em seu contexto no momento histórico em que foi promulgada. Contudo, tal meio de interpretação não tem recebido prestígio na moderna interpretação constitucional nos sistemas de tradição jurídica romano-germânica.5

A crítica de Francesco Ferrara ao sistema é que os trabalhos preparatórios da lei não têm o condão de indicar o caminho trilhado pelo legislador, a um porque a vontade do criador da lei se perde, devendo-se considerar o que a norma diz, e não o que poderia querer dizer; a dois porque não se pode supor a existência de vontade única por parte dos legisladores; a três porque não é difícil encontrar trabalhos preparatórios com falsa justificação.6

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A interpretação declarativa surge da concordância da interpretação lógica com a gramatical, e consiste na adoção do sentido que melhor se ajuste à vontade da lei, declarando o sentido linguístico do legislador.

Todavia, os métodos apontados sofrem diversas críticas, que se somam às já apontadas. A um porque não são suficientes para uma correta interpretação constitucional, até porque não há uma ciência da interpretação, conforme lição de Miguel Limón Rojas:

[...] é necessário assinalar que existem no Direito Constitucional princípios e métodos dos quais podemos nos servir para interpretar um texto, mas não podemos dizer que haja propriamente uma ciência da interpretação.7

A dois, porque a Constituição não possui somente um critério inequívoco de interpretação, de modo que o escopo da interpretação só pode relativamente consistir na descoberta da vontade objetiva do texto ou subjetiva do legislador, até porque não se pode ter por objetivo a identificação da vontade da Constituição ou do constituinte, pois, na inexistência de uma vontade inequívoca, impossível será a descoberta de vontade autêntica, senão suposta ou fictícia.8

A três, porque o método tradicional é sistemático ao exagero e formal, reduzindo o juiz a uma máquina, de tal modo que Francesco Ferrara9 declara a preferência pelo método construtivista, que não obsta a ponderação de interesses e apreciação das exigências e natureza das relações sociais.

A quatro, porque os métodos de interpretação, isoladamente, não oferecem suficiente orientação, de modo que devem ser combinados entre si. Como exemplo, não há certeza quanto ao conteúdo semântico da norma, eis que as palavras podem assumir feições diversas de acordo com a época em que foram escritas, e a linguagem jurídica é diferente da usual; a interpretação teleológica representa praticamente uma carta branca, não respondendo a como descobrir o sentido da norma; e a interpretação sistemática se dá em conformidade com o local em que o preceito se insere.10

A cinco, porque inexiste clareza na distinção dos métodos entre si, e nem se faz possível identificar de modo inequívoco onde começa um e onde termina o outro.

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A seis, pela própria estrutura aberta e ampla da Constituição, dotada de princípios que funcionam como vetores, porém, sem a mesma especificidade das normas de...

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