O princípio da tutela jurisdicional efetiva

AutorJuan Carlos Cassagne
Páginas555-592
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CAPÍTULO IX
O PRINCÍPIO DA TUTELA
JURISDICIONAL EFETIVA
Sumário: IX.1 Introdução. IX.2 A tripla face da tutela jurisdicional efetiva
(mandamento vinculante, direito e garantia). IX.3 O desenvolvimento do
princípio. IX.4 Fundamento do princípio da tutela jurisdicional efetiva no
direito argentino. IX.4.1 Na ordem nacional. IX.4.2 Na ordem provincial.
IX.5 Instituições e ferramentas processuais vinculadas ao princípio da tutela
jurisdicional efetiva. IX.5.1 Razoabilidade da duração dos processos. IX.5.2
Ações declaratórias de inconstitucionalidade de leis, regulamentos e atos
administrativos: a causal de arbitrariedade. IX.5.3 Tutela provisória (em
geral). Tutelas antecipadas e autosatisfativas. IX.5.4 A execução de sentenças.
IX.6 Os requisitos do esgotamento da via administrativa e da prévia
reclamação administrativa. IX.7 Uma mudança paradigmática: a
jurisprudência da Suprema Corte de Justiça da Costa Rica.
IX.1 Introdução
No campo do direito são levadas a cabo, de tempos em tempos,
transformações que modificam instituições caducas e dão vida a novos
princípios, criando regras jurídicas compatíveis com os fins perseguidos
pela adaptação ou a mudança do sistema jurídico.
O fenômeno jurídico atual se caracteriza pela perda da centralidade
da lei como fonte jurídica, cujo papel foi substituído pelos princípios
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JUAN CARLOS CASSAGNE
gerais do direito que prevalecem sobre as normas. Ao mesmo tempo, a
justiça e a moral não se consideram alheias ao direito (como na teoria
pura de Kelsen), senão que dele partes substanciais, a informar todas as
instituições.
Tal foi a maior mudança de rumo ocorrida no âmbito da filosofia
do direito, que se aprofundou a partir da Segunda Guerra mundial com
a queda do dogma positivista, o qual postulava a separação absoluta
entre moral e direito.
Não deixa de ser um paradoxo o fato de, a exemplo do ocorrido
nos primeiros tempos do cristianismo, o ressurgimento do novo direito
natural tenha acontecido com o apoio daqueles que militavam no cam-
po oposto. Com efeito, é significativo o fato de que muitos jusfilósofos
formados no positivismo tenham abandonado seus postulados essenciais
ao aceitar que sem moral e sem princípios de justiça o direito resulta ser
tão somente um instrumento formal, suscetível de ser manejado por
ditaduras autoritárias, quer de esquerda quer de direita. O que aconteceu
após a derrocada do nazismo e do fascismo constitui a demonstração
mais acabada da falência do positivismo legalista no mundo.
O problema de todos os países é, e continuará sendo, o da limi-
tação do poder, de modo a torná-lo compatível com os direitos huma-
nos básicos, entre os quais estão não somente os novos direitos coletivos
e os direitos sociais de segunda geração, como pretendem alguns, mas
também os direitos da pessoa individual, associados a sua liberdade e
necessidades materiais e espirituais, tais como a propriedade e a igualdade.
Com exceção do direito à vida e à consequente integridade física,
que possuem caráter absoluto, não há hierarquia doutrinária entre os
diferentes princípios que fundamentam os direitos das pessoas, senão de
forma convencional, já que não pode existir um conflito entre os prin-
cípios nem entre os direitos individuais e os coletivos, porque ao afetar
o princípio de não contradição, a negação de um princípio nunca pode
ser uma regra interpretativa válida.
Atribuir preferência dogmática a um princípio sobre outro impli-
ca negar de antemão este último, despojando-o de sua condição de
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CAPÍTULO IX – O PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
princípio. Isso somente pode acontecer com o direito à vida, que é um
“mega-princípio” absoluto, base de todo o direito e de seus princípios gerais.
O que pode, sim, ser reconhecido, e de fato ocorre muitas vezes,
é a promoção de um conflito entre pretensões que se baseiam em direi-
tos que, em cada caso, pareçam enfrentar-se, cuja resolução compete
aos juízes, os quais darão toda ou parte da razão a um ou outro, com
base na ponderação e das exigências da razoabilidade.
Nesse cenário, o novo constitucionalismo (expressão que prefe-
rimos ao termo “neoconstitucionalismo”) excedeu o alcance do con-
trole judicial e contribuiu para reafirmar a tendência do direito admi-
nistrativo, que pugnava por frear as arbitrariedades na Administração,
com base nas transformações normativas e jurisprudenciais, mas, sobre-
tudo, potencializando o papel que devem exercer os princípios gerais
do direito no sistema jurídico, cuja primazia é indiscutível.
Por sua vez, os tratados internacionais de direitos humanos com-
plementaram o sistema de proteção dos direitos individuais e sociais que
prescreviam os diferentes ordenamentos constitucionais latino-america-
nos, obrigando a aplicação de seus princípios, os quais se projetam em
todas as instituições do Direito Público.
No novo constitucionalismo, o mundo jurídico se encontra carac-
terizado por um universo de princípios gerais que atuam como mandamen-
tos vinculantes que prevalecem sobre as leis. Operou-se, pois, uma mudan-
ça radical no sistema de fontes formulado pelo positivismo e o sistema é
concebido agora como algo aberto e permeado pela justiça e a moral, assim
como, em certas circunstâncias, pela equidade. Como efeito desse fenôme-
no, a criatividade atribuída aos juízes para interpretar e inclusive para criar
o direito amplia-se consideravelmente e, embora não se confunda com as
funções executivas e legislativas, é evidente que não se limita à função de
resolver agravos e reparar os danos sofridos pelos indivíduos, senão que se
projeta em direção à aplicação de novos princípios e ferramentas processuais
que tendem a proteger os direitos fundamentais1398 das pessoas.
1398 Direitos fundamentais são aqueles reconhecidos nos primeiros artigos da CN (art. 14
e ss.), bem como os novos direitos (art. 41 e ss.), sem que exista hierarquia entre eles.

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