O princípio do equivalente no Código Civil de 2002

AutorRegis Fichtner
Ocupação do AutorProfessor de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ
Páginas141-172
O princípio do equivalente no
Código Civil de 2002
Regis Fichtner1
Sumário: Introdução; – 1. Indenização equitativa do incapaz; – 2.
A exceção ao princípio do equivalente do parágrafo único do art.
944 do Código Civil; – 3. Indenização superior ao valor do dano
sofrido pela vítima; – 4. Conclusões.
Introdução
O tema responsabilidade civil tem assumido cada vez maior
importância nas sociedades modernas. Cada vez vivemos em
maior número em espaços mais apertados. Nos utilizamos cada
vez mais também de máquinas e equipamentos que contribuem
imensamente para o nosso conforto e bem-estar, mas que cau-
sam riscos para as pessoas e para o meio ambiente.
O grande desafio do direito da responsabilidade civil é como
apresentar respostas para as novas situações que vão surgindo
em decorrência do avanço da tecnologia. Conforme bem adver-
te Maria Celina Bodin de Moraes (2016): “O sentimento de an-
gústia aprofunda-se diante do descompasso existente entre a ve-
locidade do progresso tecnológico e a lentidão com a qual amadu-
rece a capacidade de organizar, social e juridicamente, os pro-
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1 Professor de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
– UERJ; Mestre em Direito pela Universidade do Estado de São Paulo e pela
Albert-Ludwigs Universität, Freiburg, Alemanha; Doutor em Direito pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
cessos que acompanham esse progresso. A todo momento, de fato,
percebe-se a obsolescência das soluções jurídicas para fazer fren-
te a um novo dado técnico ou a uma nova situação conflituosa2.
O Código Civil de 2002 trouxe alguns importantes avanços
na regulação da responsabilidade civil, sendo de se destacar a po-
sitivação de uma cláusula geral de responsabilidade objetiva no
Parágrafo Único do seu art. 927.
A estrutura, no entanto, da sua regulação, em muito pouco
difere da que existia no Código Civil de 1916. O Código novo
manteve a distinção pouco nítida entre a responsabilidade civil
contratual e a extracontratual, de forma que regras relativas à
responsabilidade extracontratual se encontram localizadas na
parte do Código que trata da responsabilidade contratual3 e
vice-versa4. Até mesmo regras cuja locução gramatical em prin-
cípio se referem apenas à responsabilidade contratual têm que
ser aplicadas também à extracontratual, sob pena da configura-
ção de sérias lacunas legislativas5.
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2 “A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a responsabi-
lidade civil” in “Na medida da pessoa humana – Estudos de direito civil
constitucional”, ob. cit., pág. 322.
3 Como exemplo podemos citar o art. 389 do Código, que dispõe que nas
obrigações por ato ilícito o devedor se encontra em mora desde o momento
em que o praticou.
4 Como exemplo podemos citar a regra do art. 939 do Código, que dispõe
que “o credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos
casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava
para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados,
e a pagar as custas em dobro”.
5 A regra do art. 403 do Código, que disciplina o nexo de causalidade,
além de estar inserida na parte que trata do direito das obrigações, em sua
locução gramatical se refere apenas à responsabilidade contratual, ao prever
a incidência de perdas e danos emergentes e lucros cessantes, por efeito
direito e imediato de inexecução de obrigação, ainda que resulte de dolo do
devedor. A não extensão da aplicação desse artigo à responsabilidade extra-
contratual resultaria na inexistência de regra prevendo a necessidade de nexo
de causalidade direto e imediato para a configuração de responsabilidade
civil na responsabilidade extracontratual.
Um exemplo da extensão de normas aparentemente desti-
nadas à responsabilidade contratual para a extracontratual pode
ser extraído da regra do art. 947 do Código Civil, que regula a
chamada reparação natural, ou reparação “in natura”. Prevê tal
artigo que se o devedor não puder cumprir a prestação na espé-
cie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor em moeda corrente.
Ou seja, em princípio o devedor deve cumprir a sua obrigação
tal como ajustada entre as partes. Somente na hipótese de isso
não ser possível, deve a obrigação ser convertida em reparação
pecuniária equivalente. O mesmo princípio deve valer para a
responsabilidade extracontratual. Se houver possibilidade de re-
por a vítima no estado em que estava no momento anterior ao
dano, deve-se dar preferência a essa solução, ao invés do paga-
mento de indenização em dinheiro.
Em termos substanciais, uma das mudanças importantes do
novo Código diz respeito ao chamado “princípio do equivalente”
na responsabilidade civil. Tal princípio estabelece que a indeni-
zação a ser paga em consequência de um dano material deve ser
na medida do possível equivalente ao valor do dano sofrido pela
vítima.
O princípio do equivalente cumpre duas funções no sistema
de responsabilidade civil. A primeira é impedir que a vítima de
um ato danoso venha a receber reparação aquém do prejuízo que
sofreu. A outra função é impedir também que a vítima de um
evento danoso venha a obter indenização superior aos prejuízos
que sofreu, tendo por consequência o seu enriquecimento sem
causa às custas do causador do dano6.
O Código Civil de 1916 não tinha uma regra expressa esta-
tuindo o princípio do equivalente. Esse princípio se encontrava
regulado de forma implícita no sistema de responsabilidade ci-
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6 O pagamento de indenização em valor superior ao do dano faria incidir
à hipótese o art. 884 do Código Civil, que dispõe que “aquele que, sem justa
causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevida-
mente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.

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