Princípio do não improviso

AutorCléber Nilson Amorim Junior
Ocupação do AutorAuditor-Fiscal do Trabalho do Núcleo de Segurança e Saúde do Trabalhador
Páginas168-199
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CAPÍTULO 6
PRINCÍPIO DO NÃO IMPROVISO
“Os planos bem elaborados levam à fartura, mas a
pressa excessiva, à miséria” Provérbios, 21.5
No presente capítulo é apresentada a transição, de forma sintética, da cul-
tura baseada no improviso para a cultura do planejamento, a importância da
administração para as organizações, a gestão de segurança e saúde do trabalho
como manifestação do princípio do não improviso e a Política Nacional de Saúde
e Segurança no Trabalho como sua consagração institucional no Estado Brasileiro.
6.1. Da improvisação à precisão
Antes de se adentrar o referido postulado no âmbito jurídico, faz-se necessá-
rio realizar breve consideração sociológica sobre a nação brasileira neste aspecto.
O sociólogo Sérgio Buarque de Holanda assevera em Raízes do Brasil que
“[...] a colonização do Brasil foi promovida pelo espírito do português aventureiro,
que exibe a mobilidade e a adaptabilidade, que nega a estabilidade e o planeja-
mento [...]”.(268)
Os portugueses orientaram prioritariamente a ocupação do Brasil colônia com
a instalação de vilas na costa, pois isto facilitava o transporte de mercadorias para o
porto e seu envio a Portugal. Prevalecia a intenção aventureira e não de planejamento.
A atitude do colonizador português tinha mais do espírito aventureiro da explo-
ração de riquezas em função também do fato de a coroa portuguesa ter optado
pelo sistema das capitanias e ter doado terras aos donatários e pelo surgimento
das cidades não se ter dado por uma orientação racional.
Na mesma linha leciona o antropólogo Darcy Ribeiro:(269)
A contraparte dialética da intencionalidade do projeto colonial é o ca-
ráter anárquico, selvagem e socialmente irresponsável da expansão
dos núcleos brasileiros. Atuando sobre uma realidade diferente, que
obrigava a buscar soluções próprias ajustadas à sua natureza e agindo
longe das vontades oficiais, a ação do colono exerceu-se quase sempre
(268) HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
(269) RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 3. ed. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1995. p. 245.
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improvisadamente e ao sabor das circunstâncias. Sendo imprevisível,
ela crescia desgarrada até que, por reiteração, constituísse uma pauta
de ação suscetível de ser copiada e regulada. [...] Em muitos campos a
regra jamais vingou.
Ainda hoje, e com este ranço histórico, quando se fala com orgulho do jeiti-
nho brasileiro, está-se referindo à improvisação, à crença de que no final, dá tudo
certo, ainda corrente, como se isto fosse qualidade de nossa gente e de nossa
sociedade. É como se pairasse no inconsciente coletivo do brasileiro uma men-
talidade de substituir o conhecimento consciente e elaborado por uma atitude
irrefletida, e isso fosse uma vantagem.
Considerando o que foi exposto, retoma-se o cerne do postulado ora em
análise, devendo-se registrar, de início, que o lema Planejar para Prevenir adotado
atualmente, no plano internacional, para a efetivação do direito do trabalhador
à segurança e saúde no trabalho, emerge na contramão do senso comum acima
abordado.
Por outro lado, o ensaio Do Mundo da Aproximação ao Universo da Precisão,
publicado em 1948, pelo filósofo russo Alexandre Koyré, certamente, lança luzes
sobre o assunto estudado.(270)
Para o filósofo, os gregos e os romanos, apesar da complexidade refinada
de sua cultura, negligenciaram o progresso tecnológico a ponto de detestá-lo. Nos
mitos greco-romanos, qualquer herói que tenta introduzir uma inovação é punido,
como é o caso dos castigos sofridos por Ícaro, Prometeu, Sísifo e Ulisses.
E continua Koyré, “por mais que nos pareça surpreendente, pode-se edificar
templos, palácios e até catedrais, escavar canais e construir pontes, desenvolver
a cerâmica e a metalurgia sem possuir nenhum saber científico, ou possuindo so-
mente seus rudimentos”.
Por si só, a prática cotidiana do pedreiro ou do carpinteiro, ainda que perfei-
ta, permanece baseada na simples experiência técnica e, desta forma, não se torna
tecnologia. Para que isso aconteça, para que se dê o salto de qualidade, é preciso
que existam pessoas desligadas da prática, que disponham de um tempo livre do
esforço físico e tenham gosto em teorizar, seja através de especulações mentais,
seja através de experimentos por intermédio dos quais a natureza é observada.(271)
Um bom exemplo é Taylor, que nasceu rico, trabalhava por hobby e estudava a
organização do trabalho porque era sua paixão. Ele foi o maior importador do
racionalismo para o interior dos Estados Unidos e das fábricas.
(270) KOYRÉ, Alexandre. O mundo da precisão. Disponível em: <http://www.filoinfo.bem-vindo.net/
book/export/html/6>. Acesso em: 20 nov. 2012.
(271) DE MASI, 2000, p. 305-309.
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Os gregos acreditavam que a precisão era uma característica exclusiva do
mundo celeste e, portanto, perfeitamente mensurável através da paciência e da
exatidão dos astrônomos. Já o mundo sublunar, isto é, o mundo humano, era do-
minado pela imprecisão, o acaso e a imprevisibilidade. E, assim, não valia a pena
tentar medi-lo, contá-lo, avaliá-lo de forma alguma com a mesma exatidão mate-
mática reservada ao mundo sideral.
Somente com Galileu o movimento, o tempo e o espaço serão submetidos
a observações sistemáticas, medidos com instrumentos precisos, avaliados através
de experimentos pontuais que são a própria encarnação da teoria. Só a partir do
século XV a reflexão precederá a ação e a técnica se tornará tecnologia. Os gregos
tinham usado a astronomia matemática para medir o céu, e Newton usará a física
matemática para medir a Terra.(272)
Com Descartes, a teoria penetrará a prática e a guiará. É através do instru-
mento de medida que a ideia de exatidão se apossa deste mundo e que o mundo
da precisão passa a substituir o mundo aproximativo.
Depois de Galileu, Newton e Descartes, a exatidão marchou triunfalmente
por trezentos anos e colonizou, aos poucos, os vários campos da ciência e da téc-
nica. A sociedade industrial, encarnação histórica desta marcha, caracteriza-se pelo
frenesi da precisão, pela planificação da produção e do consumo, que obedecem
a procedimentos específicos nos mínimos detalhes. Por intermédio do cronômetro
de Taylor, a precisão conquista a fábrica e a organização espontânea se transfor-
ma em administração científica, que, pelas suas peculiaridades e importância para
a temática tratada, será abordada de forma detida no próximo item deste capítulo.
Deve-se, ainda, antes de se iniciar a abordagem propriamente dita do postu-
lado apresentado, justificar a sua denominação adotada pelo autor do livro. Ora,
por que se adotar a terminologia princípio do não improviso ao invés de princípio
do planejamento, por exemplo?
A resposta para a questão tem inspiração no Direito Hebraico. A lei mosaica
tem mais que conteúdo religioso. Ela transcende um estilo de linguagem em forma
de recomendação para impor limites à ação de fazer ou não fazer como instrumen-
to coercitivo e intimidativo. Daí a norma trazida a lume pelo Legislador do Sinai:
“Não matarás. Não adulterarás. Não furtarás.”(273) Trata-se de um princípio ético
convertido em lei, como comando obrigatório, condicionada à responsabilidade da
sociedade, à obediência do Estado, à censura e à própria consciência humana, ou,
para usar a expressão de Immanuel Kant, ao imperativo categórico.(274)
(272) Ibid., p. 307.
(273) NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do Direito. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
p. 29-30.
(274) Torá: a lei de Moisés e as Haftarót. Tradução do rabino Meir Matzliah Melamed. São Paulo:
Sêfer, 2001. p. 214-215.

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