O princípio federativo e a questão dos royalties do petróleo: breves reflexões críticas

AutorMisabel de Abreu Machado Derzi
Páginas12-47
12 • PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO: CAPÍTULO 1
O PRINCÍPIO FEDERATIVO E A QUESTÃO
DOS ROYALTIES DO PETRÓLEO
BREVES REFLEXÕES CRÍTICAS1
Misabel de Abreu Machado Derzi2
Resumo: Uma questão especialmente controvertida no federalismo
brasileiro é a da medida adequada da distribuição, entre os entes
da federação, dos resultados da exploração do petróleo, em especial
dos royalties recebidos a título de compensação por essa exploração.
Embora impere um desacordo sobre a fórmula adequada de reparti-
ção desse patrimônio comum, o Congresso Nacional chegou a uma
fórmula que amplia a participação dos estados em geral e restringe o
percentual devido aos estados que fazem fronteira com a plataforma
continental. O presente artigo examina argumentos aduzidos contra
a constitucionalidade dessa medida, adotada pela Lei 12.734/2012,
que justicaram a sua suspensão por meio de medida cautelar no
Supremo Tribunal Federal. A partir de uma interpretação constru-
tiva do princípio federativo, chega-se à conclusão de que esses ar-
gumentos não são robustos e de que a solução legislativa adotada é
perfeitamente compatível com a ordem constitucional.
Palavras-chave: federalismo; reservas de petróleo; royalties; equida-
de; Lei 12.734/2012; Brasil.
1 Parte deste artigo corresponde à nossa contribuição a trabalho publicado
em conjunto com omas da Rosa de Bustamante, em: Derzi, Misabel
Abreu Machado; Bustamante, omas, “Royalties do petróleo e o
equilíbrio federativo: Reexões sobre a lei 12.734/2012 e a ADI 4.917. In:
Misabel Abreu Machado Derzi; omas da Rosa de Bustamante. (Org.).
Federalismo, Justiça Distributiva e Royalties do Petróleo: Três escritos sobre
Direito Constitucional e o Estado Federal Brasileiro. 1ed. Belo Horizonte:
Arraes, 2016, v. , p. 39-72.
2 Professora Titular de Direito Tributário e Financeiro da UFMG e das
Faculdades Milton Campos. Advogada..
MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI • 13
Abstract: A particularly controversial issue about Brazilian fede-
ralism is the proper distribution, among the states, of the royalties
which are perceived as a compensation for commercial exploita-
tion of oil reserves. Although there is a vast disagreement about the
appropriate distribution of this common wealth, Congress has rea-
ched a formula which increases the participation of the generality of
states and restricts the fraction perceived by the states whose terri-
tories is continuous to the continental shelf. is article assesses the
arguments raised against the constitutionality of this distribution,
which was adopted by Act number 12.734/2012 and later declared
unconstitutional by a cautionary restraining order of the Federal
Supreme Court. On the basis of a constructive interpretation of the
federative principle, I conclude that these arguments are unsound
and that the legislative provision is perfectly compatible with the
constitutional order.
Keywords: Federalism; States; oil revenues; royalties; fairness; Act
Number 12.734/2012; Brazil
1. Introdução
A distribuição dos royalties do petróleo constitui uma das
questões mais controversas do federalismo brasileiro, e tem encon-
trado diculdade para ser solucionada de maneira pacíca e con-
sensual. Em meados de 2012, no entanto, acreditava-se que a ques-
tão estaria denitivamente resolvida com a promulgação da Lei
12.734/2012, que realiza uma revisão nos percentuais dos recursos
arrecadados com o recebimento de royalties, ampliando a participa-
ção dos estados não-confrontantes com o mar territorial e a plata-
forma continental.
Essa distribuição, no entanto, foi suspensa antes de sua efe-
tiva implementação, com base em decisão monocrática da Minis-
tra Carmen Lúcia, do STF, proferida nos autos da ADI 4.917, pouco
mais de quatro meses após a publicação da lei.
O argumento aduzido pelo Estado do Rio de Janeiro é rela-
tivamente simples. A tese central é a de que
o pagamento dos royalties e participações especiais insere-se
14 • PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO: CAPÍTULO 1
no pacto federativo originário da Constituição de 1988, sen-
do uma contrapartida ao regime diferenciado de ICMS inci-
dente sobre o petróleo (pago no destino, e não na origem),
bem como envolve, por imperativo do art. 20, § 1º, uma com-
pensação pelos ônus ambientais e de demanda por serviços
públicos gerados pela exploração desse recurso natural.3
As “novas regras” de distribuição das compensações nan-
ceiras implicariam, nessa ótica, uma “ruptura do próprio equilíbrio
federativo”, uma vez que os Estados ditos “não produtores” passam a
se beneciar não apenas da arrecadação de ICMS sobre o petróleo –
que lhes é atribuída por força do art. 155, § 2o, X, ‘b’ –, mas também
de “uma inusitada compensação por prejuízos que nunca tiveram.4
Nessa linha de raciocínio, duas conclusões se poderiam
inferir do art. 20, § 1º, da Constituição da República: 1) a “plata-
forma continental”, o “mar territorial” e a “zona econômica exclu-
siva” pertenceriam aos Estados e Municípios litorâneos que com
elas são confrontantes; 2) os royalties teriam natureza meramente
indenizatória e seriam originalmente devidos apenas aos Estados
em cujo território ou plataforma continental essas riquezas seriam
exploradas. Os direitos de participação na produção ou recebimen-
to de compensação nanceira seriam, portanto, “direitos federativos
territoriais.
O argumento central da impugnação à lei 12.734/2012 é o de
que teria existido um “acordo histórico” entre os Estados, que fun-
cionaria como uma espécie de “contrato social” entre eles, segundo o
qual os Estados ditos “produtores” ou “confrontantes” teriam que ser
“indenizados” pelo “mal” sofrido em decorrência da exploração do
petróleo, e nenhuma indenização semelhante deveria ser oferecida
aos demais, já que eles não sofrem os impactos negativos gerados
por tal atividade. Como parte desse pacto, teríamos ainda a regra do
art. 155, § 2º, II, ‘b’, que desonera do ICMS as operações de saída de
petróleo e gás natural, de modo a fazer com que o imposto só incida
nos Estados em que se dê o consumo. Essa regra seria, nessa ótica,
capaz de compensar qualquer vantagem atribuída aos Estados “pro-
dutores” ou “confrontantes”, e plenamente suciente para manter o
3 Brasil, STF, ADI 4.917, Dec. Mon. MC, Rel. Min. Carmen Lúcia, obtida a
partir de www.stf.jus.br.
4 Id. idib.

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