O princípio de proteção

AutorAmérico Plá Rodriguez
Páginas83-139

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24. Significado

o princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.

Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.

25. Denominação

Comecemos pelo exame do problema da denominação.

Têm sido utilizadas diversas denominações, mais ou menos aproximadas, porém distintas. Às naturais preferências dos autores que se inclinam, por razões diferentes, por diversas denominações, acrescenta-se no presente caso uma dificuldade mais conceitual: nem todos os tratadistas têm distinguido com clareza entre o principio geral e as várias formas de aplicação. Isto faz com que muitas vezes se empregue como denominação genérica a forma utilizada para aludir a uma das modalidades de aplicação. Exemplo típico disso nos é dado pelos que empregam denominações como princípio pro operaria ou princípio mais favorável ao trabalhador'93.

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Dentro do que poderíamos chamar denominações genéricas podemos mencionar J'1enéndez Pida!, que fala do principio tutelar, embora admita que a evolução do direito vai substituindo paulatinamente a noção de tutela, que evoca a idéia de menoridade, pela mais ampla, de proteção pelo que se poderia agora denominar principio tutelar protetor 94; Russomano alude ao principio de proteção tutelar951; Kaslíel-Dersch utilizam a expressão principio protetor 96;

Barassiemprega a expressão favor ao trabalho 97; a Monteiro fernandes, que fala do princípio de favorecimento98, e a AdomeÍt, que o chama de princípio de favorabilidade99.

Ainda que todas essas denominações revelem a mesma idéia, preferimos a expressão princípio de proteção porque, sem falar de sua brevidade e peculiaridade, traduz de modo fiel e eloqüente a idéia principal que este princípio encerra100

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Além disso, têm a vantagem de projetar-se como uma denominação geral abrangendo as diversas formas de aplicação, sem confundir-se com nenhuma delas.

26. Fundamento

o fundamento deste princípio está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho.

Historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como conseqüência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacídade económica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive, mais abusivas e iníquas.

O legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável.

O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propôsito de nivelar desigualdades. Como dizia Couture: "o procedimento lógico de corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades101

Esta idéia tem sido expressa por todos os tratadistas, tanto os pertencentes a nossa discíplina como os alheios a ela, os quais a deixam entrever sob outro ponto de visla102. Radbruch anota: "a

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idéia central em que o direito social se inspira não é a da igualdade entre as pessoas, mas a do nivelamento das desigualdades que entre elas existem. A igualdade deixa assim de constituir ponto de partida do direito para converter-se em meta ou aspiração da ordemjurídica103 E Barassiafirma: "tanto a Constituição como o Código Civil abandonaram o velho e bastante superado princípio da igualdade de direito em que estavam informados os códigos anteriores para acercar-se da igualdade de fato com a proteção do contratante economicamente mais débil"104

A conseqüência desta idéia é que se deve favorecer a quem se pretende proteger. Cesarino Jr. a resumiu numa frase sumamente feliz: "Sendo o direito sociaL em última análise, o sistema legal de proteção dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser sempre a favor do economicamente fraco, que é o empregado, se em litígio com o empregador"105

Em certo sentido, isto se limita a estabelecer uma interpretação coerente com a ratio legis. Se o legislador se propôs a estabelecer por meio da lei um sistema de proteção do trabalhador, o intérprete desse direito deve colocar-se na mesma orientação do legislador, buscando cumprir o mesmo propôsito. Sob este aspecto, o princípio não aparece como estranho aos critérios que se aplicam em qualquer ramo do direito, nos quais o intérprete deve sempre atuar em consonãncia com a intenção do legislador106. E num plano mais concreto assinala Krotoschin que o Direito do Trabalho, embora não tenha provavelmente produzido métodos típicos de interpretação, tem sido e continua sendo o que dirige certo movimento interpretativo tendente a introduzir ou aprofundar no direito positivo a idéia da solidariedade social. Trata-se daquela

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tendência geral que propende a igualar cada vez mais as condições da luta pelo direito em que se encontra o economicamente débil com as do homem opulento e a atenuar os rigores excessivos do direito individuaL considerando-se o interesse social. Esta tendência é hoje em dia comum a todo o direito e só se podem estabelecer diferenças quanto à importãncia que se deve atribuir a suas aspirações ou ã força com que ela se faz sentir107

Por isso diz Caldera que este principio "se explica não só sob o ponto de vista social, mas também sob o especificamente juridico: porque a intenção do legislador nesta matéria foi a de favorecer aos trabalhadores e, portanto, é correto aceitar como critério de orientação tal intenção genérica"108

Jean L' tlommeexpressa idéia similar ao afirmar que o Direito do Trabalho aparece como um direito unilateral porque em seu ponto de partida existe um propósito deliberado, uma preocupação bem definida de favorecer a título exclusivo, ou pelo menos principal, a certas categorias de pessoas. Abandona-se decididamente o princípio da igualdade jurídica. Para compensar a desigualdade econômica que se foi acentuando, cria-se em proveito dos trabalhadores uma série de vantagens que são unilaterais. Os novos privilégios - diz textualmente - permitirão ao trabalhador recuperar, no terreno do direito, o que perdeu no terreno da economia, pois se percebe facilmente que o equilíbrio não é suficiente quando estabelecido unicamente no terreno jurídicol109

Barassi fundamenta o princípio da interpretação favorável ao trabalhador em duas ordens de razões. Por um lado, a grandiosidade das leis protetoras e asseguradoras, destinadas a tutelar e assistir ao contratante mais débil, o trabalhador, ainda que abstratamente o enquadramento sindical não tolere seja ele considerado como um indivíduo em atitude de combate frente a cada empresá-

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rio. Por outro lado, a unidade fundamental do Direito do Trabalho, que reúne todas as normas de um sistema própriol"110

Ifueck e tlipperdey afirmam que uma observação superficial sobre o desenvolvimento histórico do Direito do Trabalho mostra que este se origina da especial necessidade de proteção, primeiro dos operários e depois dos trabalhadores em geral. Em conseqüência, todo este ramo jurídico está ímpregnado de especial peculiaridade. Por isso, o Direito do Trabalho é, antes de tudo, um direito protetor dos trabalhadores, entendida a expressão no sentido mais amplo. A especial necessidade de proteção do trabalhador tem duplo fundamento: 1) o sinal distintivo do trabalhador é sua dependência, sua subordinação às ordens do empregador. Essa dependência afeta a pessoa do trabalhador; 2) a dependência econômica, embora não necessária conceitualmente, apresenta-se na grande maioria dos casos, pois em geral somente coloca sua força de trabalho a serviço de outro quem se vê obrigado a isso para obtenção de seus meios de vida. A primeira e mais importante tarefa do Direito do Trabalho foi procurar limitar os inconvenientes resultantes dessa dependência pessoal e econômical"111

Ouido alzarini observava que o principio geral de tutela do contratante mais fraco, já presente no direito privado, assume no Direito do Trabalho uma configuração especial. No contrato de trabalho, ficando a paridade dos contratantes excluída por definição, a disciplina do contrato, para lograr a igualdade substancial entre as partes, requer o fortalecimento do contratante mais fraco, ou seja, do trabalhadorl"112

Valente Simi, por sua vez, observa que o principio da tutela preferencial do trabalhador aparece verdadeiramente como o leitmotífe a chave do Direito do Trabalhol"113

Para !'1onteiro FernandeS- 114, o Direito do Trabalho, por sua unilateralidade, assume uma...

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