Princípios constitucionais da previdência do servidor

AutorBruno Sá Freire Martins
Ocupação do AutorServidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso
Páginas30-67

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A análise de todo e qualquer texto de lei que integra um ordenamento jurídico, constituído por diversas fontes de direito, como é o caso do brasileiro, pressupõe a observação fundamental de que toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber.26

Pois, o texto legal funciona apenas como instrumento de expressão dos princípios, outorgando-lhes efetividade normativa que muitas vezes é exigida pelos adeptos do dogmatismo, momento em que se constituem os chamados princípios explícitos.

Além destes, existem, ainda, os princípios implícitos consistentes naqueles em que mesmo não havendo disposição legal expressa acerca de seu teor, tem sua caracterização reconhecida pela análise conjunta das normas, à medida que estas reproduzem em diversas passagens o intento preconizado pelo princípio, como ocorre, por exemplo, com a supremacia do interesse público.

Apesar de não se tratar de assunto específico deste trabalho, é necessário salientar que o fato de estar ou não, o princípio, constando de determinado dispositivo de Lei, não afasta ou mesmo inibe a sua aplicação, uma vez que as normas decorrem dos princípios e muitas vezes não trazem em seu conteúdo a verdadeira expressão destes.

Os princípios atinentes à previdência social do servidor público foram todos alçados a condição de norma constitucional estando elencados no caput, do art. 40, da Lei Fundamental, e, em outros de seus dispositivos, tendo estes se consolidado como texto normativo ao longo do tempo, por intermédio das reformas previdenciárias promovidas pelas Emendas Constitucionais n. 20, de 15 de dezembro de 1998 e n. 41, de 31 de dezembro de 2003.

5.1. Filiação obrigatória

Um dos princípios básicos, tanto da previdência dos servidores quanto do Regime Geral, é o que estabelece a obrigação de todos os trabalhadores estarem compelidos à cobertura pela previdência social.

A filiação obrigatória baseia-se em premissas como a miopia individual ou social, na qual o trabalhador somente vem a preocupar-se com sua proteção à época do sinistro.27

Miopia social porque as pessoas, em regra, não tem a característica de enxergarem em seu futuro a possibilidade de virem a ser vitimadas por alguma contingência que lhe impeça de desenvolver as atividades laborais que garantem o seu sustento e de sua família ou mesmo na possibilidade de que um sinistro possa interromper sua vida normal, ou seja, não é da natureza do ser humano preocupar-se com o dia de amanhã.

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Consequentemente não se previnem para evitar dissabores futuros, somente tomando consciência das consequências da imprevisão quando os infortúnios já ocorreram.

Por outro lado, é preciso ressaltar que a realidade econômica do País, faz com que o trabalhador nem sempre esteja em condições de destinar, voluntariamente, uma parcela de seus rendimentos para uma poupança. Pode ocorrer — e ocorre, via de regra, nos países onde o nível salarial da população economicamente ativa é baixo — de o trabalhador necessitar utilizar todos os seus ganhos com sua subsistência e a de seus dependentes, não havendo, assim, excedentes que possam ser economizados.28

A conjugação destes dois fatores, impõe a necessidade de a norma, no caso brasileiro, a Constituição, prever a obrigatoriedade de filiação a todos aqueles que exerçam atividade remunerada.

Até porque a ausência da filiação previdenciária poderia vir a implicar em um vazio financeiro na vida do cidadão, o qual se notabilizaria no momento de maior necessidade deste, já que os riscos sociais cobertos pelo sistema previdenciário constituem-se em situações consideradas, em sua maioria, como aquelas que afastam totalmente as possibilidades de seu sustento.

Para exemplificar o impacto da ausência de filiação previdenciária, basta cogitar como seria a vida de um cidadão que após trabalhar por mais de 35 (trinta e cinco) anos, viesse a ser procurado por seu chefe e informado que, por questões relativas às finanças da empresa, seria demitido.

Ora sua idade já se encontra avançada e a recolocação no mercado de trabalho seria extremamente difícil, para não dizer quase impossível.

Nesse momento deveria surgir a atuação da previdência permitindo a este segurado a aposentadoria, contudo ante a inexistência de compulsoriedade de filiação, o sistema não o ampararia fazendo com que este fosse relegado à própria sorte para garantir a sua manutenção.

Entretanto não é somente a miopia social e a impossibilidade de destinação voluntária de recursos para uma poupança que alicerçam o princípio da filiação obrigatória do servidor público ao Regime Próprio de Previdência.

Necessário e pertinente lembrar que a previdência social, como direito social integrante dos direitos fundamentais do cidadão, possui natureza de direito indisponível e como tal irrenunciável.

Direito indisponível é aquele que é insuscetível de ser objeto de atos de disposição por parte de seu titular29, enquanto que irrenunciável é aquele direito de que seu titular não pode abrir mão por vontade própria, como, por exemplo, o pátrio poder, o direito a alimentos etc.30

E como o servidor não possui a faculdade de escolha acerca dos direitos previdenciários, em especial, dos benefícios por ele estabelecidos, é certo também que não pode haver escolha deste quanto a sua filiação ao Regime Previdenciário.

Então, cabe a União, aos Estados e aos Municípios promoverem imediatamente a filiação de seus servidores a um dos regimes previdenciários básicos existentes a qual o trabalhador se vincula por força da Constituição Federal, não podendo este se opor a filiação ou mesmo

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escolher dentre estes o que mais lhe atraia, já que essa toma por base a natureza da relação jurídica mantida com o Ente Federado.

Mesmo porque somente terá direito à proteção previdenciária quem estiver vinculado ao ente segurador estatal. A ocorrência de contingência social causadora de necessidade social a quem não é segurado ou dependente de segurado não faz deflagrar a proteção previdenciária do Estado. Esta proteção somente vai ser dada a quem estiver previamente (isto é, antes da ocorrência da contingência social) vinculado ao ente segurador estatal, mediante filiação.31

Essa filiação compulsória, no âmbito dos Regimes Próprios se dá após a ocorrência do ciclo completo de investidura em cargo público que por sua vez engloba a nomeação, a posse e o efetivo exercício.

Sendo instrumentalizada automaticamente pelo próprio Ente, que por meio de seus sistemas de recursos humanos realiza a troca de informações necessárias à conclusão da filiação, restando ao servidor, depois de efetivada a filiação, somente manter seus dados cadastrais atualizados junto ao órgão gestor do Regime.

É fato que a maioria da doutrina defende que o ciclo de investidura do servidor público se encerra com a posse, pois nesse momento forma-se a relação jurídica entre o Ente Federado e seu novo servidor. A Administração atribui o cargo e o servidor aceita-o, formando-se, assim, o vínculo estatutário, o que se denomina investidura. Portanto, com a nomeação tem-se provimento e com a posse faz-se a investidura32.

Isso porque, uma vez assinado o Termo de Posse, o agora servidor estará investido das atribuições do cargo, com todas as suas prerrogativas, direitos, vantagens e deveres.33

Nesse sentido vale destacar o posicionamento dos Tribunais Pátrios quanto a constituição ou não de direitos previdenciários a contar da posse do servidor:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA ESTADUAL. INVESTIGADORA DE POLÍCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL, COM PARIDADE E INTEGRALIDADE. Sentença que denega a segurança. Pretensão de reforma. Possibilidade. 1) Servidora que contava, à época do pedido, com 30 anos de contribuição, sendo 20 anos em atividades estritamente policiais e posse anterior a 1998. 2) Direito assegurado. 3) Inteligência do art. 40, § 4º, II, da CF, da EC n. 47/05, da Lei Complementar n. 51/85, com a redação que lhe foi dada pela LC
n. 144/14, e da Lei Complementar Estadual n. 1.062/08. 4) Precedentes. RECURSO PROVIDO. (TJ-SP — APL: 10437829020148260053 SP 1043782-90.2014.8.26.0053, Relator: Alves Braga Junior, Data de Julgamento:
15.12.2015, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 19.12.2015)

ADMINISTRATIVO. PROCURADOR DO DISTRITO FEDERAL. EXERCÍCIO DE FUNÇÃO COMISSIONADA EM TRIBUNAL SUPERIOR. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À INCORPORAÇÃO DE QUINTOS PELO TEMPO DE SERVIÇO. AUTONOMIA FINANCEIRA DO ENTE FEDERATIVO. SEGURANÇA DENEGADA. 1. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR PROCURADOR DO DISTRITO FEDERAL ALMEJANDO A MANUTENÇÃO DE VANTAGEM PESSOAL NOMINALMENTE IDENTIFICADA REFERENTE AOS QUINTOS E DÉCIMOS ADQUIRIDOS ANTERIOR-MENTE PELO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO COMISSIONADA JUNTO AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2. EM LINHA DE PRINCÍPIO, OFENDE A AUTONOMIA POLÍTICA E FINANCEIRA DO DISTRITO FEDERAL A IMPOSIÇÃO DE ARCAR COM ÔNUS FINANCEIROS DECORRENTES DE DIREITOS CONCEDIDOS AO SERVIDOR PELA UNIÃO FEDERAL, MÁXIME QUANDO A POSSE DO SERVIDOR OCORREU DEPOIS DA VIGÊNCIA DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL — LODF, QUE PERMITIU ESSA CONTAGEM APENAS PARA EFEITO DE APOSENTADORIA E DISPONIBILIDADE. 3. SEGURANÇA DENEGADA. (TJ-DF — MSG: 20130020158435. DF 0016708-08.2013.8.07.0000, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 10.9.2013, Conselho Especial, Data de Publicação: Publicado no DJE: 7.11.2013. p. 48)

Contudo, salvo melhor juízo, o conceito de investidura utilizado pelos administrativas para efeitos de reconhecimento do provimento do cargo, não pode ser...

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