Princípios constitucionais específicos da Seguridade Social

AutorTheodoro Vicente Agostinho/Marcelino Alves De Alcântara/Marco Dulgheroff Novais
Páginas36-55

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A seguridade social rege-se com objetivos constitucionalmente traçados, levando-se em conta o contexto em que se insere: como instrumental para a realização da Ordem Social.

Para atingir esse fim, princípios foram relacionados pelo legislador no art. 194 da Constituição Federal e devem ser interpretados em consonância com o princípio da isonomia, previsto genericamente no art. 5º da Lei Maior, mormente pelo fato de que, em muitos dos casos, dele são corolários.

Esses princípios, representam, ademais, o ponto de partida necessário e fundamental que o intérprete há de ter, pois espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins93.

Deveras, prestam-se como critério de interpretação e integração do texto constitucional, pois representam a síntese dos valores da ordem jurídica, indicando o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos94.

A redação do art. 194 da Lei Maior aponta os objetivos buscados pela seguridade social. “É de ver que muitas vezes a Constituição se refere a ‘princípio’, quando na verdade está significando uma verdadeira finalidade.”95 É de se ressaltar, porém, que a contrario sensu se obtém o mesmo resultado.

As diretrizes elencadas no dispositivo constitucional em análise, representam verdadeiro manto protetor do sistema e se sobrepõem à atuação do legislador infraconstitucional que, indiscutivelmente, deverá balizar sua atuação segundo os guides que ali lhe foram impostos.

É nesta seara, pois, que, não obstante apontarem as finalidades da seguridade social, os denominados objetivos da seguridade social atuam, igualmente, como princípios basilares do sistema.

É de importância vital destacar que não se pretende neste capítulo esgotar o tema, nem tampouco abordar a totalidade dos princípios da seguridade social, mas tão somente destacar aqueles que, dentro do corte metodológico utilizado, tenham pertinência com o estudo e se mostrem relevantes para o seu desenvolvimento.

3.1. Universalidade da cobertura e do atendimento

Plasmado no texto constitucional, mais precisamente no art. 195, parágrafo único, inciso I, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento é um dos elementos centrais do sistema de seguridade social brasileira.

Sua indicação na Carta Magna em primeiro lugar, entre os denominados objetivos de sistema organização da seguridade social, demonstra sua relevância dentro deste arcabouço normativo, inclusive, denotando aspectos de primazia sobre os demais96, tendo em vista tratar-se de uma das bases estruturais do sistema97.

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É decorrente da busca dos ideais de bem-estar e justiça sociais; é um traço característico da transição do modelo do sistema de seguro para o de seguridade social.

Este, aliás, é o posicionamento externado pelo doutrinador WAGNER BALERA, pois, analisando o princípio da universalidade destaca que, em nosso sistema constitucional atual “...se vislumbra a passagem do angusto esquema do seguro social para o portentoso sistema de proteção que a seguridade instaura na ordem social98.

Isto tem como consequência que o Estado Social, pautado na universalidade, não pode discriminar os indivíduos que o compõem. Assim, exemplificativamente, a universalidade irá garantir a proteção social a todos que vivem em território brasileiro, sem exceções.

Isso determina que a universalidade seja um vetor da igualdade, pois o legislador deve ter em consideração a impossibilidade de existirem excluídos da proteção que a seguridade social deve fornecer.

Nestes termos, se concretizada uma espécie de necessidade originada de alguma contingência prevista no ordenamento, terá o indivíduo direito constitucionalmente assegurado à proteção pelos institutos que integram a seguridade. A ideia motriz é a de inclusão social.

É importante ressaltar, porém, que as assertivas acima são as buscadas dentro de um ideário de concretização de todos os desígnios constitucionais, motivo pelo qual, ainda, não está completamente efetivada em nosso sistema99.

Pois bem, a universalidade age sob duas vertentes de atuação: a objetiva e a subjetiva100.

A dimensão objetiva, também conhecida por universalidade da cobertura ou aspecto pessoal, tem por objeto os sujeitos a serem protegidos. Portanto, o Estado deve dar proteção social a todas as pessoas indistintamente. Em outras palavras, para cumprir o seu mister, o Estado deve disponibilizar atendimento a todos os cidadãos, sem ressalva de qualquer espécie.

FÁBIO LOPES VILELA BERBEL reforçando o quanto externado, salienta de forma precisa e concisa que “o critério pessoal determina a abrangência populacional da proteção social101.

Por sua vez, o aspecto ou dimensão subjetiva (também identificado como universalidade da cobertura), está direta e intrinsecamente relacionado com a cobertura dos riscos sociais102, isto é, com as situações que geram necessidades desta mesma categoria (sociais).

Noutros dizeres, poder-se-ia enquadrar seu alcance às situações da vida, entendidas e delimitadas sob o aspecto social.

Levando em consideração a linguagem do seguro, pode-se afirmar que cobertura é um termo deveras apropriado ao seguro social, pois abrange riscos e indenizações predefinidas, mediante o pagamento do prêmio (ou cota), por parte dos trabalhadores.

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Todavia, quando aplicado em um sistema de seguridade social, o termo cobertura deve ampliar-se e generalizar-se, pois deve alcançar todas as contingências geradoras de situações de necessidade.

Neste diapasão, é de vital importância frisar-se que o princípio da universalidade, a depender do programa social a que está adstrito (previdência, assistência ou saúde), irá possuir algumas particularidades.

Assim, por exemplo, no que é pertinente à previdência social, espécie notoriamente contributiva, não se prescinde da necessária participação econômica do segurado, sem a qual o sistema não seria viável, razão por que estamos diante de uma clara mitigação do alcance da universalidade do atendimento103.

A mesma redução de abrangência está relacionada ao recebimento de benefícios em patamares valorativos diferentes, pois o valor dos benefícios dependerá (em conformidade com o tipo de sistema de financiamento e do método de cálculo estabelecido), em maior ou menor grau, dos aportes vertidos pelos segurados.

Aliás, a própria Constituição traz limitações quanto ao aspecto objetivo da universalidade, uma vez que o disposto no art. 201 e demais incisos acaba por demarcar os riscos que poderão ser cobertos, impedindo que situações de necessidades outras possam ser resguardadas104.

Com relação à assistência social, como a mesma é concebida para amparar aqueles que não têm capacidade contributiva, sua linha de alcance é voltada, prioritariamente, para as famílias que enfrentam o grau máximo de indigência. Por isso, alguns de seus programas podem não atender famílias que, comprovadamente, atravessam sérias dificuldades econômicas.

A saúde, em tese, seria a única esfera de proteção social que teria alcançado patamares mais altos de enquadramento sob os auspícios da universalidade tanto da cobertura quanto do atendimento, tendo em vista seu caráter geral e desprovido de maiores requisitos de fruição105.

A universalidade da cobertura e do atendimento configura uma das tarefas da seguridade social, que é a de proporcionar os mínimos necessários ao bem-estar, reduzindo as desigualdades, alcançando, assim, a justiça social. Em outras palavras, WAGNER BALERA não diverge do alegado, pois, no seu entender, “os fins da Ordem Social (bem-estar e justiça sociais) serão atingidos por intermédio da universalização dos planos de proteção”106.

No que é pertinente ao objeto basilar deste trabalho (um dos princípios do financiamento da seguridade social), é importante destacar, todavia, que a universalidade da cobertura e do atendimento não teve como condão alcançar o modo de arrecadação de recursos da seguridade social, uma vez que “não universalizou o modo de financiamento107.

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E continua o autor: “essa universalização consagraria o modo indireto de financiamento, mediante o qual as receitas de seguridade social são hauridas do orçamento geral do Estado, que é constituído de tributos vertidos por toda a sociedade.”108

3.2. Uniformidade dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais

O princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços prestados às populações urbanas e rurais, previsto no art. 194, parágrafo único, inciso II, da Constituição da República de 1988, teve como um de seus maiores méritos trazer e efetivar uma equiparação constitucional há muito pretendida.

Isto é decorrente do fato de que, mesmo o Brasil sendo no passado um país estritamente rural, as primeiras regras de proteção previdenciária foram criadas exclusivamente para os trabalhadores urbanos109.

Assim, o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços prestados às populações urbanas e rurais acaba por ser um desdobramento da base de todo o sistema de seguridade social que é a universalidade e cobertura de atendimento. Indo além, representa, também, a concretização dos ideais de igualdade como fundamento indissociável do Estado Democrático de Direito.

Conforme o magistério de WAGNER BALERA, “a base estrutural lançada pelo constituinte exige igual sistema de proteção social, vale dizer, o mesmo elenco de prestações, com critérios idênticos de apuração do respectivo valor, contemplará assim os trabalhadores do campo como os que laboram na cidade110.

Tal como o princípio anteriormente...

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