Princípios constitucionais gerais do Sistema da Seguridade Social

AutorTheodoro Vicente Agostinho/Marcelino Alves De Alcântara/Marco Dulgheroff Novais
Páginas16-35

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Em primeiro plano, para conceder legitimidade ao estudo, mister se faz destacar a etimologia da palavra “sistema”.

Pode-se afirmar que o vocábulo sistema é polissêmico. Tal assertiva é facilmente identificável mediante singela verificação de seu conteúdo morfológico, disposto nos dicionários de língua portuguesa, in verbis:

Sis.te.ma — s.m.1. conjunto de elementos, concretos ou abstratos, relacionados entre si 2. Conjunto de unidades organizadas de determinadas forma para alcançar um fim 3. Qualquer conjunto natural de partes interdependentes 4. P. ext. constituição política, econômica ou social de um estado, de uma comunidade, etc.
5. Método, modo. Sistema internacional de unidades loc. subs. Sistema de unidades de medida utilizado internacionalmente, composto por unidade de base (quilograma, metro, segundo, kelvin, mol, ampere e candela) e unidades derivadas {sigla: SI}. S. métrico decimal. loc. subs. Sistema de unidades de medida que emprega o metro e seus múltiplos e submúltiplos decimais. S. nervoso loc. subs. Nos vertebrados, conjunto dos centros nervosos (cérebro, medula, gânglios) e dos nervos que agem no comando e coordenação dos órgãos e do aparelho locomotor, na recepção dos estímulos sensoriais e, nos humanos, nas funções psíquicas e intelectuais. S. operacional loc. subs.
Software que controla a operação de hardwares e outros softwares instalados no computador. S. solar loc. subs. Conjunto de corpos celestes (planetas, satélites, cometas etc.) que gravitam em torno do sol ~ sistematicidade s.f2.

Percebe-se, neste ínterim, a diversidade de conteúdo que comporta esta palavra. Em primeiro lugar, iremos analisar, de forma mais aprofundada, o sentido da palavra sistema no que é pertinente a conjunto, ordenação.

Podemos, então, conceituar sistema, primeiramente, como um elemento que tem por característica aglutinar (sob específicos aspectos) determinadas situações ou coisas. Nestes termos, tudo é possível de se organizar sob a forma de um sistema, bastando ao intérprete encontrar o específico elo de ligação.

É interessante, assim, a lição do doutrinador GERALDO ATALIBA que com precisão destaca:

O caráter orgânico das realidades dos componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretendem estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos de um todo unitário, integrado em uma realidade maior. A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina, ‘sistema’.3.

Segundo os ensinamentos de JOSÉ ARTUR DE LIMA GONÇALVES, “sistema é um conjunto harmônico, ordenado e unitário de elementos reunidos em torno de um conceito fundamental ou aglutinante”4. O autor cita o doutrinador mexicano JUAN MANOEL TERÁN, professor da Universidade do México, segundo o qual “Sistema é um conjunto ordenado de elementos segundo uma perspectiva unitária5”.

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Ao se catalogar, criar ou compor um sistema, é importante atentar-se à perspectiva unitária que serve de vetor ao mesmo, mediante inafastável respeito à sistemática que os engendrou. Isto porque um sistema só pode ser assim considerado quando os elementos que o compõem encontram-se harmonizados de forma tal que o fim almejado é comum.

Isto porque “os elementos integrantes de um sistema não lhe constituem o todo mediante sua soma, mas desempenham funções coordenadas, uns em função dos outros e todos harmonicamente, em função do todo6.

Nessa mesma esteira, PAULO DE BARROS CARVALHO discorre sobre o conceito fundamental de sistema:

O sistema aparece como o objeto formado por porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário único ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.

Fixados os nortes principais pelos quais se assenta o conteúdo (e conceito) fundamental de sistema, mister se faz, agora, analisar seu alcance e aplicação com relação ao estudo do direito.

Neste diapasão, podemos falar em sistema em “sentido amplo, enquanto conjunto normativo, e também como método, como instrumento metódico do pensamento, ou melhor, da ciência jurídica”7.

O primeiro encontra-se como instrumento de organização, arrumação lógica e coerente do sistema normativo8.

As normas jurídicas formam um sistema, na medida em que se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador. Essas normas estão dispostas em uma estrutura hierarquizada, regida por critério de fundamentação ou derivação. Ademais, todas buscam validade formal e material na Constituição Federal, convergindo, todas elas, inclusive a Constituição, para a norma hipotética fundamental, que dá fundamento de validade à constituição positiva9.

Esse reconhecimento coerente e harmônico de elementos para composição de um sistema deve ser feito, antes de mais nada, pela verificação do que TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, denominou de “estrutura” e “repertório10.

Repertório é o conjunto de elementos que integram um determinado sistema, enquanto que estrutura é o conjunto de regras de relacionamento entre os elementos componentes do sistema.

Isso traz como consequência que, existindo situações de incompatibilidades e inconsistência nos elementos que compõem o sistema normativo, o mesmo perde seu objetivo último que é de organização e harmonização.

Do ponto de vista de WAGNER BALERA, “a colocação de regra qualquer em um lugar que não lhe cabe poderia provocar desajustamento estrutural do sistema, que passaria a funcionar como um mecanismo defeituoso11.

Sob a mesma vertente da necessidade de coerência do sistema, a sempre abalizada opinião de CARLOS MAXIMILIANO destaca a questão de que o “direito não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui

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vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio”12.

A importância destas considerações é decorrente da necessidade que deve ter o intérprete sobre o método de aplicação da norma, uma vez que, indiscutivelmente, deve ser feita em harmonia com o sistema como um todo, com o alcance e eficácia à luz dos princípios maiores desse próprio sistema.

É justamente por isso que, ao interpretar a norma jurídica, o intérprete deve ter em mente que o elemento da Constituição não tem valor isoladamente. Esse, aliás, é o posicionamento externado por JOSÉ AFONSO DA SILVA que, em sábias e coerentes palavras, sublinha:

... os elementos da Constituição não têm valor isoladamente, pois, como se inserem num sistema, condicionam-se, reciprocamente, de sorte que não se pode interpretar uns sem ter presente a significação dos demais. Influenciam-se mutuamente e cada instituição constitucional concorre para integrar o sentido das outras, formando uma rede interpenetrante que confere coerência e unidade ao sistema, pela conexão recíproca de significados.13

Uma vez determinados os contornos fundamentais do conceito de sistema e, de sua subespécie sistema normativo, se faz necessário, então, identificar e conceituar o sistema de seguridade social.

O Sistema de Seguridade Social, para WAGNER BALERA, pode ser conceituado como o “conjunto norma-tivo integrado por um sem-número de preceitos de diferentes hierarquias e configurações”14.

FEIJÓ COIMBRA, complementando a ideia, assinala que “a seguridade social é o conjunto de regras que tendem a atuar como instrumento protetor, garantindo o bem-estar material, moral e espiritual de todos os indivíduos de uma sociedade, eliminando todo o estado de necessidade social em que os membros dessa sociedade possam se encontrar15.

Enquanto sistema, a seguridade social deve atuar por todo o aparato normativo constitucional (regras, princípios e valores), com um escopo unitário e indissociável de seus fins últimos, que é a busca da concretização do bem-estar e da justiça social, bases de sustentação da ordem social.

Existindo necessidades sociais, o sistema de seguridade social (o conjunto de medidas constitucionais de proteção dos indivíduos e da coletividade concernentes à saúde, à previdência e à assistência social) deve atuar de forma uníssona para combatê-las.

Destarte, afirmamos no item anterior que, enquanto sistema, a seguridade social deve atuar por todo o aparato normativo constitucional (regras, princípios e valores), com um escopo unitário e indissociável de seus fins últimos, que é a busca da concretização do bem-estar e da justiça social, bases de sustentação da ordem social.

Nada obstante, explicamos que, existindo necessidades sociais, o sistema de seguridade social (o conjunto de medidas constitucionais de proteção dos indivíduos e da coletividade concernentes à saúde, à previdência e à assistência social) deve atuar de forma uníssona para combatê-las.

Urge, porém, conceituar o objeto do sistema outrora identificado, qual seja, a seguridade social. Há de se ressaltar, todavia, a dificuldade em conceituar a seguridade social16, pois ela se baseia na ideia central de proteção aos indivíduos que se encontram em situação de necessidade social.

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O termo seguridade social fora empregado nos Estados Unidos da América em 1935 quando, no desenvolvimento político do New Deal, foi promulgado o Social Security Act, o qual contemplava os velhos e desempregados com medidas de proteção inspiradas na técnica do seguro privado, sob custeio do empregado, do empregador e do Estado17.

Lord BEVERIDGE, por meio de seu plano de ação, também contribuiu para a implantação de um sistema de seguridade social. O primeiro relatório, datado de 1942, intitulado Social Insurance and Allied Services, tratou de maneira bastante...

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