Princípios da disponibilidade processual

AutorTrícia Navarro Xavier Cabral
Páginas47-64
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PRINCÍPIOS DA DISPONIBILIDADE
PROCESSUAL
3.1. A IDEOLOGIA DA DISPONIBILIDADE PROCESSUAL
O exercício da disponibilidade processual, que era tímido quando do CPC/73,
ganhou novas potencialidades no CPC/15, trazendo outras possibilidades e desaf‌ios.
Não obstante, a abrangência que o tema recebeu, proporcionou a construção
de uma ideologia própria em torno desse novo formato de processo, que permite
maior participação e diálogo pelos sujeitos processuais.
Com isso, foi possível identif‌icar alguns princípios1 que regem a disponibilidade
processual, conforme se verá adiante.
3.2. PRINCÍPIO DA LIBERDADE PROCESSUAL
No Brasil, a liberdade, referida no art. 5º, da Constituição Federal, constitui um
direito fundamental em nosso Estado Democrático de Direito que se manifesta de
diversas formas,2 e cuja inviolabilidade pode ser garantida por diferentes mecanismos.
Mas a liberdade constitucional também pode ser exercida pela via processual, em
maior ou menor escala, a depender do contexto histórico do ordenamento jurídico.
O CPC/39 representava um modelo de processo mais simples e f‌lexível, con-
ferindo às partes maior liberdade de ingerência no procedimento, sendo que o juiz
adotava uma postura mais passiva.
Já o CPC/73 foi fruto de um momento histórico em que o valor segurança jurídica
preponderava, e, por isso, foi necessário imprimir maior formalismo pelo legislador.
Esse rigor processual tomou dimensões desproporcionais, e acabou desvirtuando a
f‌inalidade do processo, além de comprometer o próprio acesso à justiça, que muitas
vezes era interrompido por razões eminentemente formais.
1. “[...] princípios são, em geral, orientações ou caminhos a serem seguidos ou, ainda, “pautas directivas”,
que não possuem o caráter de regras, a ponto de servirem de solução concreta de determinados problemas,
mas que orientam a solução dos problemas na direção do que for mais justo.” (BONICIO, Marcelo José
Magalhães. Princípios do processo no novo Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 21-22).
2. Conforme assevera Rose Melo Vencelau Meireles, a liberdade pode ter uma perspectiva positiva e outra
negativa. Para os particulares, o que não é proibido é permitido. O art. 5º, II da CF confere status consti-
tucional à liberdade jurídica dos particulares. (MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e
dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 64-65).
LIMITES DA LIBERDADE PROCESSUAL • TRÍCIA NAVARRO XAVIER CABRAL
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Como consequência, iniciou-se uma reação da doutrina e da jurisprudência,
para tentar equilibrar os valores segurança jurídica e efetividade, e essa mobiliza-
ção começou a despertar a necessidade de reforma do Código de Processo Civil.
Neste ínterim, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, trazendo uma base
ideológica compatível com o novo modelo democrático de Estado de Direito que se
propunha, gerando uma interpenetração desses valores nos demais ramos do direito,
inclusive no direito processual civil.
Atenta a essas mudanças axiológicas, jurídicas e sociais, a Comissão de reforma
do Código de Processo Civil, instituída em 2009, incorporou aos trabalhos legisla-
tivos os ref‌lexos dessa evolução e, em 2015, foi publicada Lei n. 13.105/2015, que
representa a compilação do que havia de mais moderno no ordenamento nacional e
estrangeiro em termos de técnicas capazes de proporcionar uma tutela jurisdicional
mais célere, justa, adequada e efetiva.
E entre as novidades trazidas estava a inserção da liberdade no processo civil,3
materializada no exercício de atos de disposição das partes em diversas situações, e
por meio de técnicas processuais capazes de garantir um maior equilíbrio entre os
sujeitos processuais, especialmente entre o juiz e as partes.
Isso porque, durante a vigência do CPC/73 o juiz foi o grande protagonista do
processo, decorrente dos amplos poderes que lhe foram conferidos a cada reforma
legislativa. O CPC/15 manteve as prerrogativas do juiz, mas foi além, para propiciar
que as partes também tivessem a oportunidade de interferir na marcha processual,
em atividades que poderiam incluir ou não a participação do magistrado.
Assim, o incremento da disponibilidade no processo civil passou a ser con-
cebido de diversas maneiras, que vão desde as formas de estímulo à consensua-
lidade, passando por regramentos que preveem formas tipif‌icadas de ajustes no
procedimento, até a cláusula geral de convenção processual, que confere às partes
amplas potencialidades de formulação de acordos envolvendo seus ônus, poderes,
faculdades e deveres.
Trata-se, sem dúvida, de relevante conquista legislativa, inspirada em exitosas
experiências de países estrangeiros. Note-se: a liberdade processual é baseada na
ideia de pertencimento da parte, no sentido de reconhecer suas possibilidades e
responsabilidades pelo resultado de suas escolhas.
3. Fredie Didier Jr., ao tratar do poder de autorregramento da vontade, indica quatro zonas de liberdade:
“[...] a) liberdade de negociação (zona das negociações preliminares, antes da consumação do negócio);
b) liberdade de criação (possibilidade de criar novos modelos negociais atípicos que mais bem sirvam aos
interesses dos indivíduos); c) liberdade de estipulação (faculdade de estabelecer o conteúdo do negócio);
d) liberdade de vinculação (faculdade de celebrar ou não o negócio).” DIDIER JR., Fredie. Ensaios sobre
os negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 18.

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