Princípios do Direito Administrativo

AutorWander Garcia
Páginas25-50
CAPÍTULO 2
PRINCÍPIOS
DO DIREITO ADMINISTRATIVO
2.1. INTRODUÇÃO
Vejamos primeiro o que são princípios.
Princípios são normas jurídicas de especial relevância e alta carga valorativa que, além
de vincular, servem de vetor interpretativo a todos os destinatários do Direito.
São, então, (1) alicerces do ordenamento jurídico, (2) normas vinculantes, (3) vetores
interpretativos e integrativos, (4) normas relevantes, (5) além de deterem alta carga valo-
rativa.
Destaca-se, assim, as seguintes funções dos princípios:
a) interpretativa: pois servem de vetor interpretativo normas jurídicas gerais (pre-
vistas nas leis administrativas) e individuais (trazidas nos contratos administrativos, por
exemplo);
b) integrativa: pois servem de vetor integrativo em caso de lacunas de normas gerais
ou individuais, colaborando na criação de regra a reger a situação não regulada de modo
a promover os fins do sistema;
c) criativa de deveres adicionais: pois são também normas vinculantes, relevantes e
com alta carga valorativa, estabelecendo deveres acessórios a normas gerais e individuais,
por exemplo, o dever de a Administração com boa-fé, decorrente dos princípios da mora-
lidade e da segurança jurídica;
d) função corretiva: pois os princípios são também normas vinculantes, de modo
que, caso violados, ensejam a anulação do ato, como se dá no caso de um ato que desres-
peita o princípio da moralidade administrativa;
Outra questão importante é a observação de Robert Alexy, para quem, na medida do
possível, o conteúdo do princípio deva ser realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades fáticas e jurídicas e existentes. Essa teoria é chamada de mandamento de
otimização.
Considerando que os princípios são os alicerces do ordenamento jurídico, poder-se
-ia dizer que esse mandamento não se aplica, pois haveria uma relativização muito gran-
de de algo tão importante. Porém, observada a questão mais a fundo, perceber-se-á que,
no plano jurídico, é impossível imaginar que um princípio vai se aplicar sem exceções,
daí porque, partindo do pressuposto de que alguma exceção haverá, há de se buscar, no
mais, a maior realização possível do princípio. Um exemplo é a relação entre o princípio
da moralidade e a necessidade de deixar em sigilo certos atos. Da mesma forma, o plano
fático pode fazer com que o princípio tenha alguma dificuldade. Por exemplo, o mesmo
princípio da publicidade pode ser mais otimizado em locais onde exista diário oficial e
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO.indb 15 04/12/2018 11:40:20
16 Manual de Direito Administrativo • Wander Garcia
vasta rede de internet, ao passo que municípios muitos pequenos podem ter menos meios
disponíveis para fazer valer a máxima publicidade possível.
No mais, é sempre bom mencionar a máxima segundo a qual violar um princípio é
muito mais grave do que violar uma mera regra administrativa, pois, dada a posição em que
se encontra o princípio (alicerce do ordenamento jurídico), essa conclusão é inexorável.
Pode-se dizer, ainda, que os princípios gerais do Direito Administrativo decorrem de
dois outros basilares, quais sejam, o da supremacia do interesse público sobre o privado e
o da indisponibilidade do interesse público.
2.2. PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO (SUPRAPRINCÍPIOS OU
SUPERPRINCÍPIOS)
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado1 parte da
ideia de que o fim do Estado é o bem comum, e não o individual. Assim, deve prevalecer o
interesse público, o interesse comum, e não o interesse particular que cada um tem.
Essa supremacia pode ser verificada nas seguintes prerrogativas da Administração: a)
presunção de legitimidade dos atos administrativos; b) prazos maiores no processo civil;
c) prazo prescricional menor contra o Estado; d) imperatividade, exigibilidade, coerci-
bilidade e autoexecutoriedade de boa parte dos atos administrativos, atributos esses que
permitem a autotutela da Administração, que não precisa buscar o Poder Judiciário para a
imposição de grande parte de seus atos.
A doutrina diferencia a chamada supremacia estatal geral, que incide sobre todas as
pessoas, da supremacia estatal especial, que incide sobre as pessoas com quem o Estado
tem relação jurídica específica. A submissão de todos nós às leis de trânsito é um exemplo
da supremacia estatal geral. Já a submissão das concessionárias de serviço público às im-
posições do Poder Concedente é exemplo da supremacia estatal especial.
O princípio da indisponibilidade do interesse público, por sua vez, decorre da ideia
de República (coisa de todos). Ele indica que os interesses públicos não podem ser objeto
de disposição, devendo o Poder Público velar por sua proteção e promoção. A ordem jurí-
dica trará o perfil do que é interesse público, cabendo à Administração Pública buscar seu
atendimento. Decorrem desse princípio os seguintes: a) princípio da legalidade; b) prin-
cípio da isonomia; c) princípio da motivação; d) princípio da publicidade, dentre outros.
Há quem diga que os princípios basilares mencionados são mitigados, hoje, em face
dos interesses individuais. Porém, essa posição é falaciosa. Por exemplo, entre o interesse
público em desapropriar uma área e o interesse privado do dono da área em continuar
como proprietário do local, logicamente prevalece o interesse público, mesmo havendo
um interesse privado nesse contexto, que é o de recebimento de uma indenização prévia,
1. Celso Antônio Bandeira de Mello define interesse público como o “interesse resultante do conjunto dos interesses
que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo
simples fato de o serem” (Curso de Direito Administrativo, p. 59). Aliás, o interesse público pode ser primário (ver-
dadeiro interesse público) ou secundário, interesse que diz respeito apenas à pessoa jurídica estatal (que não é
verdadeiro interesse público), como o interesse de arrecadar mais tributos.
Hely Lopes Meirelles, por sua vez, entende por interesse público as “aspirações ou vantagens licitamente almeja-
das por toda a comunidade administrada, ou por uma parte expressa de seus membros” (Direito Administrativo
Brasileiro, p. 81).
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO.indb 16 04/12/2018 11:40:21

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT