Princípios do Direito do Trabalho

AutorAmauri Mascaro Nascimento/Sonia Mascaro Nascimento
Páginas126-144

Page 126

1. Noção de princípios jurídicos

A — PRINCÍPIOS COMO VALORES FUNDANTES DA ORDEM JURÍDICA. Que são princípios gerais do direito? Onde encontrá-los? Quais são? Quais são as funções que os princípios cumprem no ordenamento jurídico?

Os princípios são analisados sob diferentes perspectivas; dentre as quais, serão destacadas as seguintes: a do jusnaturalismo, a do positivismo, a da pessoa do trabalhador e seus direitos de personalidade, a das leis trabalhistas das quais são inferidos, a dos direitos constitucionais e a da doutrina ou dogmática jurídica.

Não há unanimidade de respostas para as perguntas acima porque são divergentes as concepções sobre os princípios, só havendo concordância dos estudiosos num ponto: os princípios existem e devem ser aplicados.

Há pensadores que veem nos princípios realidades metajurídicas situadas fora do ordenamento do direito. O mundo dos princípios não é o jurídico. É o da ética.

Nesse caso, se os princípios não integram a ordem jurídica, só podem estar fora dela; portanto, no mundo das regras morais e dos valores que informam o comportamento geral das pessoas na sociedade.

Princípios jurídicos e normas de comportamento moral seriam duas esferas diferentes. Essa concepção não consegue superar uma dificuldade: as relações entre ética e direito. Ao expulsar os princípios para fora da ordem jurídica, projeta-os, inevitavelmente, além do campo do direito, caso em que os princípios não seriam jurídicos.

Outros pensadores afirmam que os princípios estão no ordenamento jurídico como realidades encontradas no seu interior. Dessa forma, os princípios jurídicos são valores que o Direito reconhece como ideias fundantes do ordenamento jurídico, dos quais as regras jurídicas não devem afastar-se para que possam cumprir adequadamente os seus fins.

Page 127

B — JUSNATURALISMO. Para o jusnaturalismo, os princípios são regras jurídicas de direito natural, e nesse âmbito é que encontram a sua fonte de produção e de existência. Falar em princípios, assim, é o mesmo que se referir às ideias fundantes do direito, encontradas acima do direito positivo, mas como parte integrante do direito concebido como uma unidade que comporta não só leis positivadas pelo homem, mas aquelas que provêm de outras fontes mais profundas, como o direito natural.

C — POSITIVISMO. Diferentemente, para o positivismo, os princípios não estão fora do ordenamento jurídico positivo. Estão nas leis, identificando-se com estas. As leis servem de molduras, de formas para os princípios. Há princípios reproduzidos pelas leis e há outros indutivamente extraídos das leis como constantes ou normas gerais do direito.

D — NATUREZA JURÍDICA DOS PRINCÍPIOS. Outro problema que dificulta o estudo dos princípios gerais do direito é o da sua natureza jurídica. Qual é o gênero próximo a que pertencem os princípios? São técnicas de integração das lacunas da lei? Ou são leis? São diretrizes da jurisprudência? Ou são afirmações dos doutrinadores? Os princípios têm uma função integrativa, ao lado da analogia e da equidade? Ou os princípios têm uma função mais ampla, retificadora dos desvios do direito positivo, caso em que se sobrepõem às leis? Teriam os princípios uma função interpretativa?

Em interessante conclusão sobre tão difícil tema, Pascua (1992) afirmou: “Em suma, os princípios jurídicos, ainda que plasmados nas normas e instituições jurídico-positivas e coerentes com as mesmas, têm sua raiz (e seu desenvolvimento) no âmbito das valorações ético-políticas; quer dizer, são partículas do ambiente moral de cada sociedade. Por essa razão, quando o operador jurídico faz uso dos mesmos, o Direito se autointegra e se heterointegra ao mesmo tempo. Autointegra-se porque aplica elementos implícitos no Direito positivo e se heterointegra porque a correta aplicação de tais elementos presentes em germe no Direito não seria possível sem indagar-se seu autêntico sentido, coisa que exige reconstruir o conjunto do qual fazem parte: o conjunto de valorações ético-políticas imperantes na sociedade de que se trata”.

E — A PESSOA DO TRABALHADOR. A pessoa do trabalhador tem direitos fundamentais. Que são direitos fundamentais? Há um grupo de direitos das pessoas que diferem dos demais, tendo em vista o bem jurídico que procuram tutelar, de natureza pessoal, extrapatrimonial, aos quais foram dados diversos nomes: direitos humanos, direitos fundamentais, garantias, liberdades, direitos de personalidade e outros.

No entanto, o significado dessas expressões não é exatamente o mesmo, como explica Gomes Canotilho, em Direito Constitucional. Para o conceituado doutrinador português, direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos numa dimensão jusnaturalista-universalista. Direitos fundamentais são os direitos do homem jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Garantias traduzem-se nos meios assegurados às pessoas para exigir do Estado a proteção dos seus direitos. Liberdades são esferas de função defensiva limitativas da interferência do Estado nos direitos subjetivos do indivíduo. Direitos de personalidade, muitos dos quais são direitos fundamentais, abarcam os direitos de estado (ex.: direito de cidadania), os direitos sobre a própria pessoa (ex.: direito à vida, à integridade física e moral, direito à privacidade), os direitos distintivos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos dos direitos de liberdade (ex.: liberdade de expressão).

Page 128

Na perspectiva da concepção liberal, os direitos individuais surgiram para proteger o cidadão contra a arbitrariedade do Estado. Porém, segundo as concepções sociais, direitos fundamentais significam também uma relação não entre o cidadão e o Estado, mas entre particulares, como as relações que se estabelecem entre o empregador e o empregado, na defesa deste contra a exacerbação do poder diretivo daquele.

Valverde, Guttiérrez e Murcia, em Derecho del Trabalho (2000), mostram que os direitos fundamentais, reconhecidos para a pessoa em sua condição como tal e não especificamente em sua condição de participante no processo produtivo, podem ser também exercidos pelos trabalhadores no âmbito das relações de trabalho.

Esses direitos, na esfera das relações de trabalho, têm como fundamento a necessidade de garantia de um mínimo ético que deve ser preservado nos ordenamentos jurídicos, nas relações de trabalho, como forma de organização jurídico-moral da sociedade quanto à vida, à saúde, à integridade física, à personalidade e a outros bens jurídicos valiosos para a defesa da liberdade e integração dos trabalhadores na sociedade e perante o empregador.

A Declaração da Organização Internacional do Trabalho — OIT, que trata dos princípios e direitos fundamentais no trabalho, adotada na Conferência Internacional do Trabalho, na sua octogésima sexta reunião, em Genebra, em 18 de junho de 1998, e destinada a responder aos desafios gerados pela globalização da economia, embora nela reconhecendo um fator de crescimento econômico e condição essencial para o progresso social, mas entendendo que não é uma condição suficiente para assegurar o referido progresso e que deve ser acompanhada de um mínimo de regras de funcionamento social fundadas em valores comuns, lembrou que os princípios relativos aos direitos fundamentais são: “a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação”.

A União Europeia, por meio de Diretivas e Resoluções que se aplicam a todos os países integrantes da Comunidade, prioriza os seguintes direitos: a) o diálogo social; b) a livre circulação dos trabalhadores; c) o direito do estrangeiro de concorrer às ofertas de trabalho que vêm de outros Estados-membros em relação ao de origem, nas mesmas condições e oportunidades de que se beneficiam os trabalhadores nacionais; d) o direito de residir no Estado onde a atividade for desenvolvida e de permanência depois de expirado o contrato de trabalho; e) a proibição de diferenciações por motivos de salário, dispensas, requalificação profissional ou recolocação; f) a paridade de tratamento quanto à inscrição dos trabalhadores nas associações sindicais, compreendido o direito de voto e o acesso a cargos administrativos e diretivos da mesma entidade.

F — DIREITOS DE PERSONALIDADE. Ao trabalhador devem ser assegurados direitos de personalidade. Que são direitos de personalidade? São prerrogativas de toda pessoa humana pela sua própria condição, referentes aos seus atributos essenciais em suas emanações e prolongamentos; são direitos absolutos, implicam num dever geral de abstenção para a sua defesa e salvaguarda; são indisponíveis, intransmissíveis, irrenunciáveis e de difícil estimação pecuniária.

Dê-se, nesse ponto, destaque ao Código Civil (Lei n.10.406, de 2002). Nos arts. 11 a 21, dispõe sobre direitos de personalidade, declarando que são direitos indisponíveis e irrenunciáveis

Page 129

(art. 11), prevê a possibilidade de pleitear perdas e danos (art. 12) sem prejuízo de outras sanções, dispõe que o nome da pessoa não pode ser usado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público ainda quando não haja intenção difamatória (art. 17), veda, sem autorização do interessado, o uso do seu nome em propaganda comercial (art. 18) e declara que a vida privada da pessoa natural é inviolável.

No âmbito processual, autoriza o juiz, a requerimento do interessado, a adotar as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma (art. 21).

São direitos de personalidade o direito à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT