Princípios do Direito do Trabalho

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro
Ocupação do AutorPós-Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Castilla-La Mancha com bolsa de pesquisa da CAPES
Páginas87-100

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Diante das considerações históricas realizadas, reafirma-se a necessidade da apreensão do significado dos princípios do Direito do Trabalho, bem como da sua importância em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista a sua moderna concepção como fonte normativa para a elaboração e para a aplicação do Direito.

6.1. Conceito e importância

Atualmente, os princípios desempenham imprescindível papel no Direito. Por meio dos princípios, direitos são assegurados, controvérsias são resolvidas, impasses interpretativos elucidados. Para tanto, apreender o significado de princípio é o primeiro passo para que se possa bem os utilizar, a fim deque, numa perspectiva integrativa, os direitos trabalhistas garantidos, sobretudo em sede heterônoma, não sejam suprimidos pela negociação coletiva, o que, aliás, constitui o tema central deste livro.

Ademais, o próprio legislador reconhece que as leis elaboradas não são suficientes para cobrir todos os acontecimentos e vicissitudes da experiência humana, gerando situações imprevistas que não poderia vislumbrar no momento de feitura da lei. Para as lacunas que daí surgem existem os princípios.167Nos ensinamentos de Luiz Otávio Linhares Renault fica perfeitamente transmitida a concepção do que são os princípios:

Os princípios são como que o cerne, são como que a atividade matricial, como que o suporte, como que a base, a viga mestra, o guia, a luz, como que o coração do coração de qualquer instituto ou ciência, e, ao mesmo tempo em que dão substância, auxiliam a compreensão da realidade a ser analisada, por meio de um método de síntese, pelo qual se recompõe o núcleo do que foi decomposto.168

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Miguel Reale ensina que os princípios “são certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”. Ainda de acordo com este autor, a palavra princípio possui duas acepções: “a primeira, de ordem moral, e a segunda, de ordem lógica. Naquela se enquadra o sentido ético, para significar as virtudes, a boa formação e as razões morais do homem. A acepção lógica, por sua vez, deve partir da escorreita compreensão de juízo, ou seja, a apreciação qualitativa de algo, até a formulação de uma proposição, nascendo dessa combinação o raciocínio”.169Na lição inexcedível do mestre Mauricio Godinho Delgado, de maneira geral, os princípios expressam proposições ideais geradas na consciência das pessoas e dos grupos sociais, em virtude de certa realidade, destinadas à sua compreensão, reprodução ou recriação.170Conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.171Portanto, pode-se afirmar que os princípios constituem fontes fundamentais para o Direito em qualquer de suas ramificações. Assim, enquanto determinações ideais sobre certa realidade, universalmente aceitas como verdades incontestáveis, os princípios influem tanto na formação como na aplicação do Direito.

Deste modo, cabe a assertiva de que toda ciência, inafastavelmente, funda-se em princípios, e o Direito, como ciência que é, não poderia fugir dessa regra.

Oportuno lembrar a advertência de Plá Rodriguez, no sentido de que “todos os princípios devem ter alguma conexão, ilação ou harmonia entre si, já que em sua totalidade perfilam a fisionomia característica de um ramo autônomo do Direito, que deve ter sua unidade e coesão internas”.172

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De fato, não poderia ser diferente em relação ao Direito do Trabalho, vez que toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica na existência de princípios, que como o próprio significado acima estudado deixou claro, são as bases fundamentais que lhe ditam a forma e a estrutura.

E o Direito do Trabalho, como ciência autônoma, assenta-se em princípios estruturais, de modo a justificar sua identidade própria.

6.2. Distinção entre regras e princípios Funções dos princípios

Uma vez compreendidos o significado e a importância dos princípios em nosso ordenamento jurídico, urge distingui-los das regras jurídicas e, após, demons-trar as suas funções.

Para Luiz de Pinho Pedreira da Silva “a principal diferença, e fundamental, é que as regras jurídicas estão, sempre, insertas explicitamente no ordenamento interno enquanto que com os princípios isto não acontece. Estão geralmente implícitos no mesmo ordenamento, sendo inferidos de uma regra ou de um complexo de regras”.173Uma segunda diferença, apontada por Eros Grau174, é que as regras jurídicas são aplicadas em sua plenitude ou não o são. “Trata-se de um tudo ou nada. Já os princípios não se aplicam automática e necessariamente, ainda que as condições previstas como suficientes para sua aplicação se manifestem”.

Na mesma linha, Plá Rodriguez: “só as regras podem ser observadas e aplicadas mecânica e passivamente. Mas essa aplicação é absolutamente inconcebível quanto aos princípios”175. Também são importantes as considerações de Alexy, teórico da festejada teoria principiológica adotada no Brasil contemporâneo. Para esse autor, “o ponto determinante para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são comandos de otimização enquanto que as regras tem o caráter de comandos definitivos.”176Por fim, Dworkin177ensina que a terceira distinção entre regras jurídicas e princípios reside na dimensão do peso ou importância. Assim, a circunstância da

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adoção de um princípio pelo aplicador do Direito, em um caso concreto, implicar o afastamento do outro por apresentar incompatibilidades, não significa sua eliminação do sistema, até porque, em outro caso, diante do mesmo princípio, este pode vir a prevalecer.

Denotadas as principais diferenças entre princípios e regras jurídicas, verifica-se que, apesar da generalidade de ambas, “os princípios têm uma aplicação mais abstrata, comporta uma série indefinida de aplicações, ao passo que a generalidade da regra diz respeito ao seu alcance de um número indeterminado de atos ou fatos”.178Desta feita, constatadas as diferenças entre regras e princípios, torna-se importante demonstrar as funções destes no ordenamento jurídico.

Nos dizeres de José Augusto Rodrigues Pinto, eles representam magna importância para a atividade criadora, a evolução e a aplicação do Direito.179Segundo De Castro, citado por Plá Rodriguez180, os princípios gerais de direito têm três funções: informadora, normativa e interpretadora.

Informadora, tendo em vista que, de forma direta ou indireta, inspiram o legislador, servindo-lhe como fundamento do ordenamento jurídico; Normativa, dado o fato de atuarem de forma supletiva, no caso de ausência de lei, ou seja, funcionam como elemento de integração da norma jurídica; Interpretadora, eis que funcionam como um critério de orientação do juiz ou do intérprete da lei.181Percebe-se, pois, que os princípios possuem tríplice função dentro da ciência jurídica, tendo a consequência imediata de informar o legislador na época da elaboração da norma jurídica, servindo justamente de inspiração. Funcionam, ainda, como critério para a integração e aplicação da lei aos casos concretos, o que demonstra a exuberância de suas funções, em favor das quais os autores modernos tanto lutam.

Indo um pouco além, tais funções têm manifestações em duas fases próprias, com base nos ensinamentos de Mauricio Godinho Delgado, quais sejam, a de sua construção, chamada fase pré-jurídica; e de sua realização social, denominada fase jurídica típica.

Na fase pré-jurídica, os princípios apresentam-se como proposições gerais que propiciam uma direção coerente na construção da regra de direito. Já na fase

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jurídica típica desempenham funções diferenciadas e combinadas, em face de já existir o direito posto, construído.182Conforme ensina Renault183, a fase pré-jurídica consiste no período de gestação da regra jurídica, não podendo dizer que se trata de um princípio stricto sensu. Uma vez que tudo nasce dos fatos, certamente, a fonte material do direito é essencialmente factual, o que, no entanto, não permite concluir que todos os comportamentos sejam considerados princípios.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, nova e atual dimensão foi atribuída aos princípios, sob a denominação de função normativa, uma vez que constitucionalizados no Direito do Trabalho.

A partir de então, grande avanço foi imprimido pela doutrina que passou a considerá-los, ao lado das regras jurídicas, como espécies do gênero norma jurídica, dotando-os também de força normativa.

Essa nova função é denominada de normativa própria184, pois considera que os princípios se relacionam com as normas jurídicas em pé de igualdade e direcionam o próprio comando da norma para que esta se harmonize com o sistema jurídico.

Ainda Luiz Otávio Linhares Renault atenta para a função normativa dos princípios, afirmando que:

Não há mais como se admitir que os princípios tenham as funções meramente interpretativa e normativa subsidiária. Valorizar cada vez mais a sua função normativa concorrente é admitir que o tempo não para nunca para o intérprete e que existem valores principiológicos que assoalham, estruturam o conteúdo da norma jurídica elaborada pelo legislador, mas que se sobrepõem a ela.185

6.3. Aplicação dos princípios gerais de direito ao direito...

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