Princípios dos Recursos Trabalhistas

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação da PUC/SP (Cogeae)
Páginas52-113

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1. Do conceito e importância dos princípios no sistema recursal trabalhista

Ensina-nos Miguel Reale:

Princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.28

Prossegue o jurista:

A nosso ver, princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem, desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do direito quanto o de sua atualização prática. Alguns deles se revestem de tamanha importância que o legislador lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a nossa Constituição sobre os princípios de isonomia (igualdade de todos perante a lei), de irretroatividade da lei para proteção dos direitos adquiridos etc.29

Na clássica definição de Celso Antonio Bandeira de Mello, princípio "é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico".30

Segundo a doutrina clássica, os princípios têm quatro funções, quais sejam:

(a) inspiradora do legislador; (b) interpretativa; (c) suprimento de lacunas; (d) sistematização do ordenamento, dando suporte a todas as normas jurídicas, possibilitando o equilíbrio do sistema.

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Os princípios costumam inspirar o legislador na criação de normas (função inspiradora). Muitos princípios, hoje, estão positivados na lei.

Na função interpretativa, os princípios ganham especial destaque, pois eles norteiam a atividade do intérprete na busca da real finalidade da lei, inclusive, se ela está de acordo com os princípios constitucionais. Segundo a doutrina, violar um princípio é muito mais grave do que violar uma norma, pois é desconsiderar todo o sistema de normas.

Os princípios também são destinados ao preenchimento de lacunas na legislação processual. Há lacuna quando a lei não disciplina determinada matéria. Desse modo, os princípios, ao lado da analogia, do costume, serão um instrumento destinado a suprir as omissões do ordenamento jurídico processual.

De outro lado, os princípios têm a função de sistematização do ordenamento processual trabalhista, dando-lhe suporte, sentido, harmonia e coerência.

Os princípios dão equilíbrio ao sistema jurídico, propiciando que este continue harmônico toda vez que há alteração de suas normas, bem como em razão das mudanças da sociedade.

Em países de tradição romano-germânica como o Brasil, há tradição positivista, com prevalência de normas oriundas da lei, com constituição rígida, havendo pouco espaço para os princípios. Estes atuam, na tradição da legislação, de forma supletiva, para preenchimento das lacunas da legislação. Nesse sentido, destacam-se os arts. 4º da LINDB, 8º da CLT e 140 do CPC.

Não obstante, diante o Estado social, que inaugura um novo sistema jurídico, com a valorização do ser humano e necessidade de implementação de direitos fun-damentais para a garantia da dignidade humana, a rigidez do positivismo jurídico, paulatinamente, vai perdendo terreno para os princípios, que passam a ter caráter normativo, assim, como as regras positivadas, e também passam a ter primazia sobre elas, muitas vezes sendo o fundamento das regras e outras vezes propiciando que elas sejam atualizadas e aplicadas à luz das necessidades sociais.

A partir do constitucionalismo social, que se inicia após a 2ª Guerra Mundial, os direitos humanos passam a figurar de forma mais contundente e visível nas constituições de inúmeros países, entre os quais o Brasil. Esses direitos humanos, quando constantes do texto constitucional, adquirem o status de direitos fundamentais, exigindo uma nova postura do sistema jurídico, com primazia dos princípios.

Como bem advertiu José Joaquim Gomes Canotilho, "o direito do Estado de direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do Estado constitucional e de direito leva a sério os princípios, é o direito dos princípios [...] o tomar a sério os princípios implica uma mudança

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profunda na metódica de concretização do direito e, por conseguinte, na atividade jurisdicional dos juízes".31

Diante disso, há, na doutrina, tanto nacional como estrangeira, uma redefinição dos princípios, bem como suas funções no sistema jurídico. Modernamente, a doutrina tem atribuído caráter normativo dos princípios (força normativa dos princípios), vale dizer: os princípios são normas, atuando não só como fundamento das regras ou para suprimento da ausência legislativa, mas para ter eficácia no ordenamento jurídico como as regras positivadas.

Nesse sentido, a visão de Norberto Bobbio:

Os princípios gerais, a meu ver, são apenas normas fundamentais ou normas generalíssimas do sistema. O nome ‘princípios’ induz a erro, de tal forma que é antiga questão entre os juristas saber se os princípios gerais são normas. Para mim não resta dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E essa é também a tese sustentada pelo estudioso que se ocupou mais amplamente do problema Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: em primeiro lugar, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, mediante um procedimento de generalização excessiva, não há motivo para que eles também não sejam normas: se abstraio de espécies animais, obtenho sempre animais e não flores e estrelas. Em segundo lugar, a função pela qual são extraídos e usados é igual àquela realizada por todas as normas, ou seja, a função de regular um caso. Com que objetivo são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas então servem ao mesmo objetivo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?32

Os princípios recursais constituem o fundamento, as diretrizes básicas e finalidade última dos recursos. Violar um princípio é mais que violar uma norma, pois viola todo um sistema de normas.

Os recursos trabalhistas seguem basicamente as mesmas diretrizes dos princípios recursais do Código de Processo e também da Constituição Federal, com singularidades própria do processo trabalhista.

De outro lado, a CLT e a legislação processual trabalhista extravagante elencam os recursos de forma taxativa no Processo do Trabalho. Portanto, não é possível se aplicar ao Processo do Trabalho um recurso previsto no Código de Processo Civil ao argumento de que a Consolidação é omissa a respeito. Não obstante, regras sobre tramitação e processamento dos recursos previstas no CPC, desde que compatíveis com a principiologia recursal trabalhista, são aplicáveis ao recursos trabalhistas.

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Como bem adverte Wagner D. Giglio33, a taxatividade se restringe, porém, somente ao arrolamento em si, dos recursos admissíveis, e não a toda a regulamentação da matéria. Assim incidem no Processo Trabalhista as demais normas do Código de Processo Civil referentes a recurso, para suprir omissões da Legislação consolidada (CLT, art. 769).

2. Dos princípios recursais em espécie
2.1. Duplo grau de jurisdição

Como destaca Nélson Nery Júnior34:

O princípio do duplo grau de jurisdição tem íntima relação com a preocupação dos ordenamentos jurídicos em evitar a possibilidade de haver abuso de poder por parte do Juiz, o que poderia, em tese, ocorrer se não estiver a decisão sujeita à revisão por outro órgão do Poder Judiciário.

O princípio do duplo grau de jurisdição se assenta na possibilidade de controle dos atos jurisdicionais dos órgãos inferiores pelos órgãos judiciais superiores e também a possibilidade ao cidadão de recorrer contra um provimento jurisdicional que lhe foi desfavorável, aperfeiçoando, com isso, as decisões do Poder Judiciário.

Em sentido contrário, argumenta-se que o duplo grau de jurisdição provoca uma demora desnecessária na tramitação do processo, propiciando, principalmente ao devedor inadimplente, uma desculpa para postergar o cumprimento de sua obrigação.

Como destacam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart35:

Nas hipóteses de "causas de maior simplicidade" não há razão para se insistir em duplo juízo sobre o mérito. Se o duplo grau dilata o prazo para a prestação da tutela jurisdicional, não há dúvida que a falta de racionalidade no uso do duplo grau - ou sua sacralização - retira do Poder Judiciário a oportunidade de responder mais pronta e efetivamente aos reclamados do cidadão. Além disto, em sistema que a sentença apenas excepcionalmente pode ser executada na pendência do recurso interposto para o segundo grau em que todas as causas devem ser submetidas à revisão, a figura do juiz de primeiro grau perde muito em importância. Isso porque se retira da decisão do juiz a qualidade que é inerente à verdadeira e própria decisão, que é aquela de modificar a vida das pessoas, conferindo tutela concreta ao direito do autor. O duplo grau tem nítida relação com a ideia de...

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