Princípios Jurídicos

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas75-85

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Ainda uma vez é preciso distinguir entre a previdência social e o Direito Previdenciário. Preceitos técnicos não se confundem com jurídicos. Normalmente, a cada comportamento prático corresponde um tratamento nor? mativo adequado ou não.

Dois exemplos:

  1. não devolver contribuições devidas (fato considerado apenas porque, até 1960, subsistia essa possibilidade) é construção filosófica da fonte material, mas, a partir da regulamentação da matéria, por via legal, constitui disposição jurídica;

  2. a precedência do custeio é uma constatação lógica transportada para o Texto Maior, ali consubstanciando princípio.

    Alguma confusão se faz entre princípios e fundamentos ou diretrizes mais gerais. Daí cada autor escolhê-los segundo concepção própria.

    Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena distingue entre regra, norma e princípio de direito. Para ele, este último resulta em ditame filosófico; norma, o comando disciplinador, e regra, a direção nela contida ("Direito do Trabalho & Fundo de Garantia", p. 175).

    Affonso Almiro ("Direito Previdenciário", in RPS n. 78/259) elege os seguintes: 1) princípio do bem-estar dos operários (Bismarck); 2) princípio da necessidade de prover os riscos sociais (Leão XIII); 3) princípio do patrimônio comum (Pio XI); 4) princípio da distribuição da renda nacional (João XXIII); e 5) princípio do caráter das prestações pagas (OIT), posicionando-se com relação à solidariedade social.

    Não sendo fontes formais, referi-los ou arguí-los tem sentido quando contribuem para o aperfeiçoamento do tema ou com vistas à aplicação, integração ou interpretação da lei. Isto é, ressaltada sua função de ferramenta operacional. Estudo completo foi feito ("Princípios de Direito Previdenciário", 6. ed., São Paulo: LTr, 2015), convindo relembrar os mais significativos. Podem ser sopesados rapidamente, recomendando-se sua análise, em cada caso, antes do seu aproveitamento.

    161. Princípio da solidariedade social - Na previdência social, a solidariedade é essencial, e, exatamente por sua posição nuclear, esse preceito sustentáculo distinguiu-se dos básicos e técnicos, sobrepairando como diretriz elevada. Ausente, será impossível organizar a proteção social.

    a) significado: Solidariedade quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em certos casos, da tota? lidade em direção à individualidade. Dinâmica a sociedade, subsiste constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado momento, todos contribuem e, noutro, muitos se beneficiam da participação da coletividade. Nessa ideia simples, cada um também se apropria de seu aporte. Financeiramente, o valor não utilizado por uns é cana? lizado para outros.

    Significa a cotização de certas pessoas, com capacidade contributiva, em favor dos despossuídos. Socialmente considerada, é ajuda marcadamente anônima, traduzindo mútuo auxílio, mesmo obrigatório, dos indivíduos.

    b) origem: A solidariedade provém da assistência social, berço comum de quase todas as técnicas de proteção. O mutualismo encampou a ideia e ela adquiriu funcionalidade. Contribuiu para isso a forma facultativa. A obri? gatoriedade foi o passo seguinte na sua consolidação. Na previdência social, é exigência lógica e técnica matemá? tico-financeira.

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    Projeção do amor individual exercitado entre parentes e estendido ao grupo social, o instinto animal de preservação da espécie, sofisticado e desenvolvido no seio da família, na organização social encontrou amplas possibilidades de manifestação.

    c) limites: Seu perímetro é a sociedade, num primeiro momento, e a comunidade internacional, num passo mais avançado. Seu alcance corresponde à universalidade do instrumental considerado. Enorme no seguro social, total na seguridade social.

    d) tipos: Fenômeno complexo, a solidariedade social apresenta inúmeros aspectos, comportando variados prismas. Costuma ser pessoal, profissional, urbano-rural, regional e entre as gerações. E, como antecipado, até planetária. Classifica-se quanto ao tipo de interação, sujeitos da relação, motivação ou fonte, extensão material e âmbito.

    e) aplicação: Solidariedade não é instrumento de aplicação prática; diz respeito ao legislador. Ferramenta formal, extravasada para o Direito Previdenciário, no qual encontra acolhida, em providência técnica, a solidariedade fiscal.

    Impregna todo o edifício securitário e, de certa forma - no caso mais comum -, passa despercebida da clientela protegida, constituída de milhões de pessoas, sem nenhuma consciência da participação delas. A solidariedade é apoio sociológico e econômico do sistema, sem os partícipes sentirem diretamente os seus efeitos, em virtude do distanciamento entre si, quando da efetivação dos serviços. Inspiração para o legislador e diretriz do administrador, aproxima as pessoas e coopera na integração do trabalhador à empresa.

    162. Princípios básicos - Hierarquizados os princípios, os básicos fixar-se-iam no ápice da pirâmide; abaixo, deles derivados, situar-se-iam os técnicos, quase sempre expressos ou indicados na norma jurídica, formulados em meios práticos de efetivação do seguro social.

    Classificados, verifica-se a existência de informadores e veiculadores das normas públicas, alguns invocados na aplicação, outros na integração e parte deles na interpretação da lei. Raramente, notabilizam-se como estados jurídicos ou situações.

    a) princípio da proteção: Proteção lembra poder e necessidade. Ela enlaça dois sujeitos: protetor e protegido. Ressalta a capacidade de dar e a contingência de precisar. Distintamente, proteção social não tem sentido pejorativo; a relação é acentuadamente jurídica.

    Hodiernamente, numa sociedade organizada, desenvolvida a previdência social como técnica sociológica e ciência jurídica, proteção significa faculdade, direito à participação do bem geral, de todo trabalhador construtor da sociedade. E dever do Estado.

    A proteção é absolutamente coerente, porque, concretizada a contingência protegida, presente o risco social, o trabalhador tem de ser mantido, sob pena de perecimento. A previdência social é técnica criada por homens reunidos em sociedade para substituir os meios habituais de subsistência, quando da ocorrência de eventos obstaculizadores da aquisição desses recursos. Fala-se de proteção securitária; ela pode ser vislumbrada noutras técnicas vigentes, caso da assistência pública.

    b) princípio da obrigatoriedade: A solidariedade não é espontânea. A adesão a sistemas facultativos, caso do mutualismo e do seguro privado e, particularmente, da assistência privada ou pública, não lhe retira a compulsoriedade, uma vez admitido o segurado no sistema.

    O seguro social é imposto. Para Raggi, "o seguro social é obrigatório, porque, se não for, não será seguro social" (apud Augusto Venturi, in "I Fondamenti Scientificie della Sicurezza Sociale", p. 109).

    A sujeição legal é condição para a solidariedade efetivar-se. A sustentação de sistema financeiro dessa natureza nela calcado impõe logicamente a obrigatoriedade.

    Esta não é só da contribuição ou, eventualmente, da filiação, em si, mas de todo o sistema do seguro social em relação às pessoas protegidas. Norma pública, jus cogens, à qual nenhum dos tutelados pode se subtrair, não importando o motivo.

    A obrigatoriedade contraria a natureza imprevidente do homem não acostumado à poupança. Esse estado de coisas, porém, é aculturação defluente da desconfiança em relação à gestão do seguro social e ao Estado, gerada empiricamente, não derivada do homem, instintivamente cuidadoso. Ela arrosta o princípio constitucional da

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    liberdade, da autonomia da vontade e a propriedade privada. Requer pesados ônus aos participantes, enquanto não puderem auferir os benefícios correspondentes aos encargos.

    c) princípio da facultatividade: A facultatividade, de certa forma, opõe-se à obrigatoriedade. Subsiste, não

    devendo ser compreendida como fissura do sistema, diga-se de passagem, não atingido por essa possibilidade legal.

    Ela, em primeiro lugar, relaciona-se ao ingresso e à permanência no regime de pessoa em determinada circunstância (atualmente, quem não exerce atividade enquadrável como segurado obrigatório ou segurado especial). Em segundo lugar, visa a completar a continuidade, permitindo ao interessado sem condição mínima garantidora do estado de beneficiário (trabalho) continuar pertencendo à clientela protegida, caso do facultativo.

    d) princípio da universalidade: Tanto na seguridade social quanto na previdência social, presencia-se a ideia de clientela protegida, reunião de destinatários da proteção social correspondente. O conjunto dessa clientela, definida em lei, distingue-se de outros segmentos securitários, como é exemplo o dos contribuintes; em confronto, é maior e tem como integrantes pessoas físicas e jurídicas.

    Num dado momento, esse domínio é perfeitamente definido; a qualquer instante ele pode ser definível. Desconhece exceções ou falhas. Neste particular, o princípio da universalidade é absoluto. Todos os elementos estão abrangidos e, para isso, a legislação fixa condições, tais como capacidade contributiva, filiação, inscrição e carência.

    e) princípio da continuidade: A ideia da contribuição como meio e da prestação como fim é nuclear na previdência. Embora o benefício seja o objetivo atraente e fundamento de participação financeira de cada um, esta última é condição material é realizadora daquele.

    Diferentemente da individual, a poupança coletiva indisponível jacente no seguro social realiza-se por meio de contribuições, aportes contínuos e sucessivos. O cálculo atuarial orientador do arcabouço securitário baseia-se na relação das pessoas pagantes e daquelas sob a proteção, na qual o número das primeiras tem de ser superior ao das segundas. Fechado o sistema, para as pessoas necessitadas serem atendidas, impõe-se aos segurados não deixarem de recolher. Em todas as técnicas, é imposta a condição de os segurados recolherem continuamente.

    f) princípio da essencialidade: A origem do seguro social é histórica. Ele se explica...

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