Princípios de Outras Ciências Jurídicas

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas253-267

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151. Introdução

Independentes entre si, os ramos jurídicos interferem uns nos outros. Vaso comunicante dos mais novos, o Direito Previdenciário sofre a inluência de diversas disciplinas, em particular do Direito do Trabalho, do Direito Tributário e do Direito Administrativo. Os canais dessas interferências são as normas e os princípios.

Embora menos proximamente, os princípios de outras ciências jurídicas se prestam para a análise das situações securitárias, particularmente quando elas se desenham fora da tipicidade previdenciária. Em muitos casos, esses postulados são os únicos recursos à disposição dos estudiosos para enfrentar e tentar remover os obstáculos.

O emprego de preceitos de outras ciências jurídicas deve ser precedido de acurado exame dos princípios previdenciários. Quando insuicientes, devem-se admitir postulados estranhos à cadeira. O confronto far-se-á no mesmo nível, não tendo sentido comparar-se os princípios gerais de um ramo jurídico com os princípios particulares de outro.

A utilização de alguns princípios atípicos tem interesse na medida de sua universalidade. Especíicos do ramo jurídico de onde provêm, como é o caso do nulla poena sine lege, transportam-se por inteiro para a parte penal do Direito Previdenciário. O mesmo acontece com alguns princípios tributários abrigados na parte impositiva da contribuição previdenciária. Os preceitos de Direito Agrário ou Direito Sindical têm afetação menor, registrando-se sua presença apenas para completar o quadro.

Sobrepairando o Direito Previdenciário, os princípios de Direito Social são diretrizes mais altas e, no mais das vezes, geradoras de princípios típicos do Seguro Social, daí porque, às vezes, referidos.

152. Princípios de Direito Social

Sem constituir-se em um terceiro gênero, entende-se o Direito Social como um conglomerado de ramos jurídicos versando sobre objetivo comum, a proteção social dos trabalhadores. Não se compreende como ramo especíico, e sim como designação genérica correspondente à soma de todas as disciplinas jurídicas referentes à proteção do trabalhador: Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Direito Sindical, Direito Processual do Trabalho, Direito Procedimental Previdenciário, Legislação de Assistência Social e outras técnicas de proteção social compreendidas no gênero.

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Os princípios de cada uma dessas ciências jurídicas são postulados de Direito Social. Antonio Ferreira Cesarino Júnior dá a seguinte deinição de Direito Social: “complexo dos princípios e leis imperativas, cujo objetivo imediato é, tendo em vista o bem comum, auxiliar e satisfazer convenientemente às necessidades vitais próprias e das suas famílias, às pessoas físicas para tanto dependentes do produto de seu trabalho”, mas ao analisar a deinição não arrola os princípios envolvidos. Ele diz: “Aqui, a palavra princípio é empregada no sentido de lei cientíica e a palavra lei, no de lei positiva, norma legal” (Direito Social Brasileiro. São Paulo: LTr, v. I, p. 43). Os princípios seriam técnicas cientíicas.

Não são arrolados os princípios de Direito Social, face à sua generalidade e em virtude de comparecerem inspirando os princípios previdenciários. Ressalta-se apenas o fato de esses preceitos, mesmo duradouros, serem acidentais, em razão da evolução histórica. Sofrem a presença da época, transmutam-se conforme as modiicações sociais, mas, basicamente, representam instrumento de defesa de uma camada substancial da população, os trabalhadores, em face dos desencontros existentes nas relações de trabalho e nas relações sociais.

153. Princípios de Direito Público e Privado

No direito positivo, é tradicional a divisão em direito público e privado. Antonio Ferreira Cesarino Júnior acrescenta um tertius genus, Direito Social. Não estão estabelecidas as regras para determinar quais as atividades jurídicas pertencentes a um ou a outro desses troncos jurídicos (Direito Social Brasileiro, p. 43).

Em princípio, haveria interesse público e interesse particular, mas, ao examinar essa dicotomia, assevera-se ser o interesse público abstrato e o interesse privado concreto. Nas palavras de Matos Peixoto, citado por Hermes Lima, “Esse critério”, o do interesse, “apesar de geralmente seguido ainda hoje, tem sido criticado, porque, sendo o Estado composto de indivíduos, não há direito que interesse àquele sem interessar a este ao mesmo tempo e vice-versa” (Introdução à Ciência do Direito, p. 91).

Em Direito Social, essa assertiva é particularmente feliz. Não pode o seguro social buscar continuamente o interesse geral da coletividade protegida em detrimento da individualidade do protegido. A relação de seguro social é intuitu personae, deve cuidar do indivíduo quando possível e não tratar em nome de uma coletividade abstrata.

A doutrina acolhe três correntes para estabelecer a distinção: a) quem ixa a distinção no im da norma; b) quem divisa nos sujeitos referidos pelas normas; e c) quem baseia a diferença no interesse ou na utilidade da norma.

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Se é difícil a distinção entre interesse público e privado, o mesmo não se passa com a área de atuação dos dois campos jurídicos. O seguro social pertence ao Direito Público, ou ao Direito Social, como querem alguns, mas impõe-se como um conjunto de normas e princípios voltados à proteção do indivíduo, proteção prevalecente sobre a vontade do Estado, só não suplantando a segurança deste.

Os princípios de direito privado úteis à integração ou interpretação do Direito Previdenciário não são muitos. Todavia, em razão da complexidade dos institutos da iliação, contribuição e prestação, em várias oportunidades se apresentam relações com feições contratuais e eis aí presentes e aplicáveis tais princípios.

Há o princípio geral de direito do não enriquecimento ilícito que pode ser aplicado nessas situações. O beneiciário não pode icar com valores indevidos nem o órgão gestor arrecadar contribuições impróprias.

O segundo, o qual diz que ninguém pode invocar a própria malícia, tem aplicação no Direito Infortunístico. O beneiciário não pode causar dano a si próprio sob vontade livre e consciente e, acabando mutilado, obter a prote-ção acidentária. Somente em uma fase mais adiantada do seguro social o direito se preocupará apenas com o efeito, desprezando a causa.

Um princípio geral de direito, conforme o qual quem exercita regular-mente o próprio direito não prejudica terceiros, é igualmente aplicável. A esposa separada do marido, de fato, desquitada ou divorciada, percipiente de pensão alimentícia, tem direito de receber a pensão por morte ou parte dela, em detrimento parcial do direito da companheira.

Todos os princípios de direito privado com universalidade não privativa do Direito Civil ou Direito Comercial têm aplicação no seguro social. Às vezes, a relação jurídica de seguro social é elo entre pessoas (de um lado a pessoa jurídica de direito privado e do outro a pessoa jurídica de direito público, o órgão gestor). Nesses casos, aplicam-se os princípios compatí-veis com o Direito Público.

Pouco resta a aduzir especiicamente quanto aos princípios de Direito Público. A maioria dos preceitos apresentados é de Direito Público. A ideia central é da prevalência do interesse geral. Não do Estado, este deve submeter-se ao interesse da coletividade.

154. Princípios de Direito Sindical

O Direito Sindical é parte do Direito do Trabalho. A ele pertence, mas tem suas próprias características. No seu bojo, podem ser entrevistos vários princípios técnicos. Amauri Mascaro Nascimento assinala a presença dos seguintes:

  1. Liberdade sindical;

  2. Exclusividade sindical;

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    c) Unidade sindical;

  3. Autonomia sindical;

  4. Pluralismo sindical (Compêndio de Direito do Trabalho, p. 101-102).

    A atividade sindical, particularmente a referente aos ajustes coletivos, é signiicativa para o seguro social. Em certas situações, tais acordos múltiplos são fontes formais do Direito Previdenciário, aplicando-se as condições neles ixadas.

    A legislação sindical é subsidiária da previdenciária.

    Exempliicativamente, cita-se o art. 19, § 3º, do Decreto n. 83.081/79: “A dúvida referente a enquadramento na condição de segurado empregador rural é dirimida com base na legislação que dispõe sobre o enquadramento e a contribuição sindical rurais”.

    O enquadramento sindical serve de baliza para determinar a situação de certos trabalhadores rurais. A contribuição destinada a terceiros (v. g., SENAI, SENAC, SESI, SESC, SEST, SENAT e SENAR), em muitos casos é determinada pela contribuição sindical. A esse respeito, a Instrução de Serviço SAF n. 201.6/70 (In: BS/INPS n. 131/70) determina: “Todas as atividades e categorias econômicas incluídas no Plano Básico de Enquadramento Sindical, pertencentes ao âmbito da Confederação Nacional do Comércio (art. 577 da Consolidação das Leis do Trabalho), em princípio, estão obrigadas quanto aos empregados em geral, à contribuição para o SENAC” (item 2).

155. Princípios de Direito Agrário

Em seu art. 19, § 4º, o...

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