Prisão: a decisão judicial entre Hércules e a banalidade do mal

AutorArtur Cortez Bonifácio, Rodrigo Cavalcanti
CargoPós-Doutor pela Universidade de Lisboa, Portugal. Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Professor da graduação e mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: artur_bonifacio@yahoo.com.br https:/...
Páginas225-247
Revista Direito.UnB | Setembro – Dezembro, 2020, V. 04, N. 03 | ISSN 2357-8009 | pp. 225-247
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PRISÃO: A DECISÃO JUDICIAL ENTRE HÉRCULES E A
BANALIDADE DO MAL
PRISON: THE JUDICIAL DECISION BETWEEN HERCULES AND THE
BANALITY OF EVIL
Artur Cortez Bonifácio
Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa, Portugal.
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN).
Professor da graduação e mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
E-mail: artur_bonifacio@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0001-5942-1510
Rodrigo Cavalcanti
Professor da Universidade Potiguar (UnP).
Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Advogado.
E-mail: rodrigo_oab@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0003-4078-8122
RESUMO
O presente trabalho produz uma análise partindo de uma analogia entre o livro Eichmann
em Jerusalém, de Hannah Arendt, que retrata a impressão filosófica e histórica da autora
acerca do tratamento do Estado em relação ao extermínio de judeus na Europa e as
condições em que juízes brasileiros decidem por ordens de aprisionamento de indivíduos
criminosos, em ambos os casos, as consequências são graves infrações à dignidade
humana. Na sequência, propõe-se a análise das possibilidades de interpretação das
normas jurídicas a partir das concepções de Dworkin e Alexy, para que se possa chegar
a uma decisão de um “juiz Hércules” e evitar a banalidade do mal.
Palavras-chave: Decisão judicial. Direitos Humanos Fundamentais. Direito Penal.
Filosofia. Hermenêutica jurídica.
ABSTRACT
This paper produces an analysis based on an analogy between Hannah Arendt’s book
Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil, that portrays the author’s
philosophical and historical impression of the state’s treatment of the extermination of
Jews in Europe and the conditions under which Brazilian judges decide to arrest orders
of criminal individuals, in both cases the consequences are serious violations of human
Artigo | Article | Artículo | Article
Recebido: 22/03/2020
Aceito: 11/09/2020
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Revista Direito.UnB | Setembro – Dezembro, 2020, V. 04, N. 03 | ISSN 2357-8009 | pp. 225-247
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dignity, analyzing the possibilities of interpretation of legal norms from the conceptions
of Dworkin and Alexy, so that a decision of Judge Hercules can be reached and avoid the
banality of evil.
Keywords: Criminal law. Fundamental human rights. Judicial decision. Legal
hermeneutics. Philosophy.
1. Introdução
A desumanização do tratamento carcerário brasileiro, em um movimento de
retroalimentação e potencialização da violência, propicia ao estudo científico um vasto
campo de atuação para se estudar e analisar pontos de convergência, não só para o
discurso da violência ou da problemática do sistema prisional, mas também para buscar
proposições e provocações de como evitá-los, tomando por base as normas jurídicas e
a interpretação normativa e constitucional possível aos juízes ao decidirem acerca pelo
aprisionamento de um indivíduo.
Ao decidir pelo aprisionamento como medida prevista na norma jurídica, exercendo
o poder e a função interpretativa da norma, o juiz não está apenas executando uma
função burocrática ou inerente apenas à sua condição de servidor público, haja vista
que sua decisão, no caso da prisão, acarreta resultados que interferem na vida de outro
indivíduo, neste caso na esfera de sua liberdade e, em grande potencial, de sua dignidade.
No que tange à decidibilidade judicial em casos difíceis (hard cases) Ronald
Dworkin1 e Robert Alexy2 tecem teses de aplicabilidade e utilização das regras e dos
princípios para que o juiz intérprete possa, ao analisar o caso concreto, decidir da maneira
“certa”, ou seja, atendendo o cumprimento da norma, integrando-a e concretizando
direitos fundamentais, cujos princípios estariam em um patamar normativo hierárquico
superior às regras.
Ao escrever sobre a Banalidade do Mal em 1963, Hannah Arendt trouxe uma
discussão acerca da condição do servidor público Adolf Eichmann que, ao servir o Partido
Nazista durante a segunda guerra mundial, exerceu função ligada diretamente ao que foi
chamado de “solução final” à questão dos judeus na Europa hitlerista.
O julgamento de Eichmann se deu em Jerusalém e em sua base de defesa insurgia
como fundamento basilar aos atos praticados e que culminaram com a emigração forçada,
tortura, aprisionamento em campos de concentração e morte de milhões de pessoas,
o fato de que estaria tão somente atendendo e cumprindo normas jurídicas vigentes
à época, assim como que os fatos que lhe seriam atribuídos jamais foram praticados
1 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
2 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

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