Prisão por dívida alimentar: a jurisprudência do STJ e as disposições do novo CPC

AutorIvan Cláudio Pereira Borges
Páginas63-73

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1. O projeto e os debates

O projeto de lei sobre a renovação do atual Código de Processo Civil foi proposto pelo senador José Sarney, em 2010, e tomou o número 166 no Senado Federal. Aprovado inicialmente naquela casa, foi destinado à Câmara dos Deputados para o cumprimento do dispositivo previsto no art. 65, e seu parágrafo único, da Constituição Federal. Recebido na Câmara, tomou o número 8046/2010, agregando emendas ao projeto inicial. Terminado o prazo de apresentação de emendas, voltou ao Senado em março de 2014, cujo despacho do presidente Renan Calheiros foi submeter ao plenário do Senado o texto emendado pela Câmara dos Deputados.

O texto votado no plenário do Senado Federal dispõe sobre a execução de alimentos a partir do artigo 909 (texto consolidado). Definida a obrigação alimentar, enseja o cumprimento da sentença, conforme artigo 525 e seguintes. Porém, houve por bem o legislador estabelecer procedimentos prévios à reclusão em prisão. Neste sentido, o juiz, antes da decretação da prisão ou simultaneamente, como se interpretar, mandará “protestar o pronunciamento judicial”. O procedimento de protesto obedecerá aos ditames do artigo 514.

Prevaleceu a tese de que a prisão por dívida alimentar deve ser o último recurso a ser requerido pela parte e decretado pelo juiz, e nunca a medida imediata. O imediatismo da decretação de prisão previsto no § 1º do artigo 733 do CPC ainda em vigor foi abrandado por mais um procedimento: o protesto. O prazo, contudo, para o pagamento ou a comprovação do pagamento feito, ou ainda, de uma justificativa do inadimplemento, permanece inalterado: três dias (art. 525, caput). De qualquer forma, o inadimplente,

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negligente ou recalcitrante, não terá refúgio processual que o livre da prisão. Esta foi mantida.

A modificação sugerida de extensão do prazo de recolhimento ao cárcere por até dez meses, sendo o regime semiaberto, não vingou. O legislador não se convenceu de que a preservação da dignidade do alimentante seria mais importante que a dignidade do alimentando. Ambos sofrem, é o que se supõe na maioria dos casos, mas este último é refém de quem alimenta e dele depende o reconhecimento de sua dignidade.

A manutenção dos parâmetros anteriores significa que mesmo no estágio atual de compreensão da dignidade da pessoa humana o legislador não encontrou um meio que atendesse sob um mesmo patamar os requisitos da eficácia da medida e da dignidade.

A prisão, para muitos, ainda envergonha. Para outros, acostumados na vida marginal, nem tanto. A criminalidade crescente no país fez o criminoso dominar a prisão e não o inverso. O encarcerado de hoje no Brasil soube ser livre mesmo isolado. Fez de sua mente presa mais forte que a livre, e sobre esta domina e dela se serve. Atravessou as grades e transpôs os muros, fazendo de terceiros, como o carcereiro, a mulher, o advogado, os comparsas livres, os braços estendidos para além dos limites da cadeia.

Não é de hoje, mas muito mais agora, que o preso contumaz, envolvido em outros crimes, desdenha da prisão civil por inadimplência aos alimentos. É comum ouvir conversas entre os encarcerados sobre a fugacidade do prazo de um a três meses de prisão. Contudo, a prisão civil por dívida alimentar não se destina aos profissionais do crime. Destes não falamos, mas de outros que, no fluxo da crescente irresponsabilidade social, que atualmente grassa no Brasil, desprezam a previsão legal e a esta se consideram imunes.

A exemplo do tipo humano brasileiro traçado por Holanda em Raízes do Brasil, ou mesmo de Freyre, em Casa Grande e Senzala, revelam que ainda vige no seio do traço brasileiro a “crise de adaptação dos indivíduos ao mecanismo social”2. Por detrás da “cordialidade” do homem brasileiro, uma certa “polidez”, descrita por Holanda, há uma “peça de resistência”, um “disfarce”, em que, “armado dessa máscara, o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o social”3. É o brasileiro comum, que não participa da criminalidade, mas resiste à intromissão do Estado em questões que mexem com seu patrimônio e com suas relações familiares. São estes que, como se verá adiante, buscam sempre a tolerância da lei frente a sua própria intolerância com o pagamento dos alimentos.

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2. O texto do projeto de lei do Senado (PLS) e o texto do substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD)

A previsão da execução de dívida alimentar no PLS 166/2010 encontra-se a partir do art. 514 e vai até o art. 518. Já o texto do substitutivo da Câmara dos Deputados consta o dispositivo do art. 542 a 547. Esta é a disposição comparativa encontrada no mês de novembro de 2014.

Contudo, como já se disse alhures, o texto básico do novo Código de Processo Civil foi aprovado em dezembro de 2014. Ainda permanece sob as vistas da revisão daquela casa o texto consolidado. E somente após minudente análise dos técnicos será encaminhado à sanção da Presidência da República.

Como se verá a seguir, os deputados abriram flancos na muralha hermenêutica fincada pelo Superior Tribunal de Justiça. A prisão civil por dí-vida de alimentos continua no texto, mas a possibilidade real do inadimplente livrar-se dela de forma imediata foi garantida. Será plausível admitir-se que as prisões civis ocorrerão mais lentamente; até que a jurisprudência fixe o entendimento padrão é certo que os defensores do executado optarão por ganhar mais tempo com a exigência do protesto antes da reclusão do seu cliente.

Comparando-se os textos verifica-se que houve por parte do legislador da Câmara a inclusão da anotação em protesto no cartório do inadimplente, que poderá ser retirado, por ofício do juiz, imediatamente após o pagamento (SCD, art. 542).

No § 1º do substitutivo, o legislador incluiu a possibilidade do executado justificar de maneira absoluta sua falência ao pagamento. Trata-se de previsão aberta, uma vez que os termos...

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