O Problema da Interpretação do âmbito material dos Regulamentos Comunitários em Direito Internacional Privado Algumas notas

AutorGeraldo Rocha Ribeiro
CargoMestre e Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas181-205
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Revista Logos | Edição 1/2015
O Problema da Interpretação do âmbito material dos
Regulamentos Comunitários em Direito Internacional
Privado. Algumas notas
Geraldo Rocha Ribeiro
Mestre e Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Assistente Convidado da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Membro do Centro de Registos e Notariado da Faculdade de Direito
da UC, Membro do Centro de Direito da Família da Faculdade de Direito da UC,
Membro do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da UC
1. Introdução
Com o avanço no processo de integração europeu a cooperação judicial afirmou-se
como meio de concretização do mercado interno europeu, consolidando as competências
e atribuições da União consagradas desde o Tratado de Amesterdão1.
A pretensão de estabelecer uma regulamentação uniforme a respeito da lei
aplicável e competência internacional não é acompanhada de soluções sistemáticas
uniformes por não estar consagrada (pelo menos ainda) uma parte geral do direito
internacional privado e um tronco comum de direito substantivo. Não existindo conceitos
verdadeiramente comunitários, colocam-se problemas de metodologia que acabam por
relançar a debate os problemas clássicos inerentes à qualificação e interpretação e
método do direito internacional privado. Em especial quando a solução nacional pode
periclitar os objectivos da regulamentação uniforme prosseguido pela UE. Tanto mais
que o âmbito material dos conceitos (âmbito objectivo) dos regulamentos é pressuposto
de aplicação destes. Delimitam-se não só o âmbito de aplicação, de forma imediata,
do regulamento comunitário e, subsidiariamente, o âmbito de aplicação de outros
instrumentos internacionais em vigor nos Estados-Membros2.
1 – Abreviaturas:
Bruxelas I — Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000 relativo à competência judiciária, ao
reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial reformulado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do
Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012
Bruxelas IIbis — Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao
reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental
Convenção de Bruxelas — Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial
Convenção de Lugano — Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria
civil e comercial
DIP — Direito Internacional Privado
Roma I — Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008 sobre a lei aplicável às
obrigações contratuais (Roma I)
Roma II — Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Julho de 2007 relativo à lei aplicável às
obrigações extracontratuais («Roma II»)
TFUE — Tratado de Funcionamento da União Europeia
TJUE — Tribunal de Justiça da União Europeia
UE — União Europeia
2 – A este respeito veja-se o artigo 57.º da Convenção de Bruxelas e o artigo 71.º do Bruxelas I. Este último dispõe que o Bruxelas
I não prejudica as convenções em que os Estados-Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência
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O Problema da Interpretação do âmbito material dos Regulamentos
Comunitários em Direito Internacional Privado. Algumas notas
2. A criação de um direito internacional privado e processual europeu
— o processo de europeização
Há muito que se fala em comunitarização do direito internacional privado e do
direito processual privado, contudo o processo de criação de um verdadeiro direito
europeu internacional, foi (é) feito por etapas, no qual o marco decisivo para a evolução
foi a revisão operada, nos Tratados, pelo Tratado de Amesterdão.
A grande consequência da alteração do Tratado da União, através do Tratado de
Amesterdão, foi a UE ter assumido competência para regulação das questões de direito
internacional privado com vista a assegurar a liberdade de circulação dentro do espaço
comunitário. A partir daqui e de acordo com o artigo 73.º-O do Tratado de Amesterdão
a UE passou a ter competência directa para legislar em direito internacional privado3.
Competência que foi confirmada e reforçada com o Tratado de Lisboa na reformulação
dada pelo artigo 81.º e que passou a fazer parte do Título V do TFUE. Neste foi reforçado
objectivo de realização de um Espaço Europeu Comum que garanta a circulação livre
das pessoas e com isso assegurar que as pessoas em circulação possam obter uma
protecção jurídica eficaz. As instituições europeias podem hoje adoptar novas medidas
da cooperação judiciária em matéria civil e comercial através de um processo de co-
decisão (com excepção para as matérias de direito da família), permitindo assim agilizar
os processos legislativos europeus.
Estas mudanças introduzidas pelo alargamento da competência da UE acabou
por desagregar e fraccionar o sistema de DIP português. Agora fala-se em três níveis
de regulamentação: nível de integração e espaço comunitário, nível de cooperação
internacional (a relação do espaço comunitário com estados terceiros, particularmente
visível com o reconhecimento da UE como membro de pleno direito da Conferência
de Direito Internacional Privado da Haia) e nível interno (espaço cada vez mais
residual de aplicação do direito nacional internacional privado). Estes diferentes níveis
de regulamentação encontram-se patentes na regulamentação e sobreposição de
instrumentos jurídicos comunitários com as convenções da Haia e DIP interno em matéria
de alimento, responsabilidade extracontratual na violação de direitos de personalidade ou
protecção de menores.
Uma vez ultrapassada a fase de cooperação e no caminho para a integração
desenvolvem-se, em várias dimensões, as liberdades fundamentais da UE com o escopo
último de criação de um mercado único. Para tal é necessário afirmar um espaço de
judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões. Ao abrigo da Convenção de Bruxelas, o artigo 57.º era entendido como uma
cláusula de derrogação do primado da convenção face a outros instrumentos normativos.
3 – Cfr. RAMOS, Rui Manuel Moura. “Previsão normativa e modelação judicial nas convenções comunitárias relativas ao direito
internacional privado.” In Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional, 209-244. Coimbra:
Coimbra Editora, 2002, p. 219.

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