O problema persistente das armas nucleares no cenário internacional

AutorPaulina Boéchat
Páginas33-35
33
ORGANIZADORA
PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA
B. B.
JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL
O PROBLEMA PERSISTENTE DAS ARMAS
NUCLEARES NO CENÁRIO INTERNACIONAL
Em abril de 2014, as
Ilhas Marshall entraram com
uma aplicação unilateral de
responsabilização contra o Reino
Unido, Paquistão e Índia pertinente
ao seu uso contínuo de armas
nucleares, que violam obrigações
convencionais e costumeiras de
Direito Internacional. Em outubro
de 2016, por uma votação acirrada
- 8 votos a 8 – a Corte Internacional
de Justiça (CIJ) decidiu pela
improcedência do pedido, pois
não detinha jurisdição sobre o
assunto. O uso de armas nucleares
e a política de desarmamento
são assunto polêmico e sensível
no mundo internacional, devido
à influência dos países ditos
potências nucleares (NWS, do
inglês: Nuclear Weapons States).
Nesse sentido, iremos analisar
especificamente o pedido contra
o Reino Unido e a decisão da CIJ
à luz da opinião dissidente do juiz
Antônio Cançado Trindade, que
discorreu largamente sobre o tema.
As Ilhas Marshall entraram
com uma aplicação unilateral
denunciando o Reino Unido
(RU), mesmo não tendo sido
diretamente lesadas, baseando-se
no reconhecimento da Assembleia
Geral da ONU e da Comunidade
Internacional de que a proibição
do uso de armas nucleares seria
obrigação erga omnes e, portanto,
afetando a todos os membros
da Comunidade Internacional e
dando-lhes o direito de vigiarem
e responsabilizarem eventuais
violadores. Em sua aplicação,
as Ilhas Marshall detalham o
histórico de uso e mantimento
de arsenal nuclear por parte do
RU, e descrevem as obrigações
internacionais que o país
respondente tomou para si,
especialmente às pertinentes
no Tratado de Não Proliferação
de Armas Nucleares (TNP) de
1968. Dessas, as Ilhas Marshall
acusam especificamente o
descumprimento da obrigação
presente no art. VI do TNP,
respaldado tanto por um costume
internacional quanto pela
Opinião Consultiva da CIJ de
1996, consistindo na obrigação de
“prosseguir de boa fé e concluir
negociações que levarão ao
Por Paulina Boéchat*
desarmamento nuclear em todos
os seus aspectos sob o controle
internacional estrito e efetivo”.
No mais, percebe-se que o RU adota
a estratégia de “deterrence”, tática
fruto da Guerra Fria, que consiste
na posse de armas nucleares como
uma forma de dissuadir embates
com outras nações, mantendo tais
armas nucleares como ameaça,
sem necessariamente usá-las de
fato.
Assim, as Ilhas Marshall acusam o
RU, pois, ao mesmo tempo que vem
diminuindo seu arsenal nuclear,
vem modernizando-o, achando
uma “brecha” à obrigação assumida
pelo TNP de redução do armamento
nuclear – numericamente
reduzido, mas tecnicamente mais
letal e potente. As Ilhas Marshall
apontam também as declarações
de diversos representantes do RU,
como primeiro-ministro, líder da
Câmara dos Lordes, entre outros,
que reconhecem publicamente
a intenção do RU de continuar a
possuir armas nucleares, além de
prosseguir na sua modernização,
mantendo a estratégia de
“deterrence”. Tanto é verdade que o
RU já contratou a renovação de sua
frota de submarinos nucleares para
além de 2020. Continuamente,
o RU se esquiva de participar de
reuniões especiais da Assembleia
Geral da ONU para discutir e criar
um tratado para banir o uso de
armas nucleares, a ponto de dizer
que não reconhece a 10º “High-
Level Meeting” da AGNU e que não
reconhecerá nenhuma provisão
dela advinda.
No entanto, a CIJ, após rever o
caso, determina que, baseado no
art. 36 (2) do Estatuto da Corte,
ela só detém jurisdição sobre
casos de disputas internacionais.
Examinando o caso presente,
a Corte acaba por decidir pela
inexistência de uma disputa
prévia, expondo que tal disputa só
é reconhecida a partir da aplicação
à Corte feita pelas Ilhas Marshall.
De fato, a Corte frisa que, por
não reconhecer objetivamente
a existência de disputa entre
os Estados mencionados até o
momento da aplicação, não pode
então reconhecer a presente
aplicação por não se adequar às
suas competências. Assim, a CIJ
afirma em seu Julgamento de
Exceções Preliminares que, por
não ter jurisdição, não poderá
proceder ao mérito do caso
presente, aquiescendo à objeção
preliminar do RU.
Insatisfeito com a posição da
maioria dos juízes da Corte, o
juiz Cançado Trindade então
anexa a sua Opinião Dissidente,
permeada por uma visão
jusnaturalista, em que aborda
diversos pontos do Direito
Internacional, dentre eles o
uso da Cláusula Martens, da
insustentabilidade do Princípio
Lótus, da oposição entre Raison
D’État e Raison D’Humanité.
De fato, em sua opinião de 88
páginas, ele aponta claramente a
importância da discussão acerca
dos armamentos nucleares e a
oportunidade desperdiçada pela
CIJ de contribuir no avanço dos
rumos do Direito Internacional.
Assim, destacaremos alguns
pontos da Opinião do referido
juiz.
Ao longo de sua Opinião, Cançado
Trindade frisa extensivamente
as conclusões da Assembleia
Geral da ONU, em que ela afirma
claramente que “o uso de armas
nucleares é uma violação à
própria Carta da ONU”. Partindo
dessa afirmação, entende-se
que a postura do RU está em
violação com os pressupostos
do Direito Internacional. Além
disso, Trindade aprofunda-se na
análise explicando que a rejeição
do uso de armas nucleares
já se tornou um Costume
Internacional Geral, ressaltando
a prática na Comunidade
Internacional, amparada pela
Opinio Juris da AGNU, que,
reiteradamente, condena seu uso
em diversas ocasiões, instaurando
sessões especiais – as quais o
RU se recusa a participar ou até
mesmo reconhecer – para tratar
do tema do desarmamento nuclear
e elaborar um tratado para banir
definitivamente a posse e uso de
armas nucleares.
No mais, o juiz aponta também a
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