Problematizando a suspensão da Venezuela do Mercosul

AutorGabriela Hühne Porto
Páginas19-22
19
ORGANIZADORA
PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA
A. A.
ANÁLISES DE ATUALIDADES INTERNACIONAIS
PROBLEMATIZANDO A SUSPENSÃO DA
VENEZUELA DO MERCOSUL
Ao não cumprir o
ultimatum estipulado por
Argentina, Brasil e Paraguai,
a Venezuela foi formalmente
suspensa do Mercosul no dia 2
de dezembro de 2016. Existem
inúmeros elementos que
auxiliam a compreensão desse
acontecimento e de seus efeitos
na região sul-americana. No
presente artigo, será analisado
o encadeamento de eventos
que culminou na suspensão da
Venezuela do bloco. Além disso,
serão expostos os argumentos que
problematizam tal decisão e que
relativizam a própria legitimidade
e validade do ato, especialmente
no que diz respeito à natureza
jurídica ou política da suspensão.
Primeiramente, a fim de
contextualização, observa-se
que o Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL) foi fundado por
Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai por meio do Tratado de
Assunção, em 1991, visando à
integração comercial, política e
econômica em nível regional. Em
2006, a Venezuela manifestou
seu interesse de incorporação,
expresso no “Protocolo de Adesão
da República Bolivariana da
Venezuela ao MERCOSUL”,
que foi ratificado pelo Brasil em
agosto de 2012 e promulgado
em dezembro do mesmo ano.
O efetivo ingresso do país,
portanto, só ocorreu em 2012,
concomitantemente à suspensão
do Paraguai do bloco.
Esperava-se que a entrada da
Venezuela proporcionaria o
crescimento do setor energético
do Mercosul e a intensificação
da transação de alimentos e
produtos industrializados, de
modo a fortalecer o PIB do bloco.
Por outro lado, desde aquela
época já existiam preocupações
no que tange ao desrespeito aos
princípios democráticos no país e
à efetiva adoção da Tarifa Externa
Comum (TEC).
Não passado muito tempo, desde
a incorporação da Venezuela,
o cenário de dezembro de 2016
demonstrou o dinamismo político
ao qual o MERCOSUL está sujeito.
Por Gabriela Hühne Porto*
O panorama atual é o Paraguai
novamente como membro (desde
agosto de 2013) e a Venezuela
afastada da presidência do bloco -
ao contrário do que previa a regra
de rotatividade da organização - e
recentemente declarada suspensa
do Mercosul. Independentemente
da opinião valorativa sobre
o afastamento, deve ser
reconhecido que tal medida não
foi tomada repentinamente,
como foi o caso da suspensão do
Paraguai em 2012. Pelo contrário,
meses antes já havia concretos
indícios de tal possibilidade.
Vencido o prazo para
incorporação das normas do
MERCOSUL ao ordenamento
jurídico venezuelano, em 12
de agosto de 2016, Argentina,
Paraguai e Brasil, por meio de
uma nota conjunta datada em 13
de setembro de 2016, intimaram
a Venezuela a cumprir as normas
exigidas até o dia 1º de dezembro,
sob pena de suspensão. Segundo
a Declaração Relativa ao
Funcionamento do Mercosul
e o “Protocolo de Adesão da
República Bolivariana da
Venezuela, “entre os importantes
acordos e normas que não foram
incorporados ao ordenamento
jurídico venezuelano estão o
Acordo de Complementação
Econômica nº 18 (1991), o
Protocolo de Assunção sobre
Compromisso com a Promoção e
Proteção dos Direitos Humanos
do Mercosul (2005) e o Acordo
sobre Residência para Nacionais
dos Estados Partes do Mercosul
(2002)”.
Na sequência, a prometida
suspensão foi posta em prática
sob o fundamento de que a
Venezuela não cumpriu os
requisitos necessários à adesão,
uma vez que não internalizou as
normas essenciais do bloco, e,
assim, descumpriu os deveres
assumidos em seu protocolo
de Adesão ao Mercosul. No
âmbito jurídico, sustentou-se
que o não cumprimento violou
os dispositivos previstos no
Protocolo de Ushuaia – que
possui cláusula que determina a
suspensão de um país membro
no caso de ruptura democrática
– bem como o artigo 60.2, a, i), da
Convenção de Viena de Direitos e
Tratados.
Antes da data do vencimento
do prazo, previsto para 1º de
dezembro, o presidente da
Venezuela, Nicolás Maduro,
já havia adiantado que não iria
incorporar todas as resoluções
e normas do Mercado Comum
do Sul à legislação local. Sendo
assim, a suspensão de fato
ocorreu na data anunciada,
restando apenas as sanções a
serem definidas (provavelmente
em reunião no dia 14 de dezembro
de 2016, em Montevideo).
O teor das penalidades foi tópico
de discussão entre os países
membros, uma vez que, enquanto
o Uruguai defendia que a
Venezuela mantivesse seu direito
de voz, os demais fundadores
pregavam a suspensão absoluta
– não apenas do direito de voto,
mas também do de voz. Ressalta-
se que não há previsão clara de
critérios de quantificação de
sanção, o que significa, na prática,
que se trata de um julgamento cuja
essência é política, e não jurídica.
Uma ressalva importante quanto
aos efeitos é de que a suspensão
não interfere em determinados
benefícios do país como membro
do Mercosul, como o livre
trânsito de cidadãos em sua zona
territorial.
A partir dos fatos enunciados,
cabe agora apresentar pontos
capazes de problematizá-los.
Isso significa que compreender
a suspensão da Venezuela não se
esgota aos fatos supraexpostos,
pois, ante a sua dimensão, os
aspectos jurídicos e diplomáticos
subjacentes à questão merecem
ser mais bem elaborados.
Em primeiro lugar, deve-
se atentar para a falta de
regulamentação no que tange à
incorporação de novos membros
ao Mercosul. Ao contrário do
modelo da União Europeia,
que possui os critérios de
elegibilidade de Copenhagen
(necessidade de aceitação prévia
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