Procedimentos Especiais Trabalhistas

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas1267-1310

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1. Inquérito judicial para apuração de falta grave

O inquérito judicial para apuração de falta grave consiste numa ação de rito especial trabalhista, de jurisdição contenciosa destinada a pôr fim ao contrato de trabalho do empregado estável. Em razão disso, a natureza do inquérito é de ação constitutiva negativa ou desconstitutiva do contrato de trabalho.

Falta grave é todo ato doloso ou culposamente grave, previsto na lei, praticado pelo empregado, violando obrigações legais trabalhistas ou inerentes do contrato de trabalho, tornando insuportável a manutenção do vínculo de emprego por abalar, de forma indelével, a confiança do empregador.

Parte da doutrina distingue a falta grave da justa causa, argumentando que a falta grave tem intensidade maior que a justa causa. Filiamo-nos à corrente que não faz distinção entre justa causa e falta grave, entendendo as expressões como sinônimas, considerando-se que o rol de condutas que ensejam a justa causa e a falta grave está previsto no art. 482, da CLT.

Segundo o consagrado Evaristo de Moraes Filho1, a justa causa “é todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e boa-fé que devem entre elas existir, tornando, assim impossível o prosseguimento da relação”.

Dispõe o art. 482, da CLT:

Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra e boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; I) prática constante de jogos de azar.

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Para a doutrina, são elementos para valoração da justa causa: gravidade, imediatidade, proporcionalidade entre a falta e punição e também as condições em que se deu a falta grave.

Adverte Délio Maranhão2, com suporte em Evaristo de Moraes Filho: “a culpa do empregado deve ser apreciada em concreto, isto é, levando-se em conta não a medida padrão — bonus pater familias — como também a personalidade do agente, suas condições psicológicas, sua capacidade de discernimento, e assim por diante”.

A Constituição de 1988 pôs fim à estabilidade decenal e, em razão disso, o inquérito judicial para apuração de falta grave praticamente não é mais utilizado.

Atualmente, apenas os empregados que já possuíam a estabilidade decenal, quando da vigência da Constituição de 1988, têm estabilidade definitiva, entretanto, a Constituição de 1988 e a Lei Ordinária preveem algumas hipóteses de estabilidades provisórias, também denominadas garantias de emprego.

De outro lado, os empregados públicos concursados, cujo regime é o da CLT, por força do art. 41, da Constituição Federal, gozam da estabilidade definitiva.

Rememorando as lições do professor Mauricio Godinho Delgado, as estabilidades são em caráter geral e definitivo, já as estabilidades provisórias, também denominadas garantias de emprego, são em caráter provisório e atendendo a determinada situação especial do empregado. Como exemplos de garantias de emprego temos a do dirigente sindical (art. 8º, da CF c/c. art. 543, da CLT); a da gestante (art. 10, II, b, do ACDT), a do membro de CIPA (art. 10, II, a, do ADCT c/c. art. 165, da CLT), a doempregado acidentado (Lei n. 8.213/91); a do empregado integrante de Comissões de Conciliação Prévia (Lei n. 9.958/00) e a domembro do conselho curador do FGTS (Lei n. 8.036/00).

Há discussões na doutrina se o inquérito judicial para apuração de falta grave é aplicável somente para o empregado estável ou também para o empregado que detém alguma garantia de emprego (estabilidade provisória).

Para parte da doutrina, o inquérito também é necessário para as chamadas estabilidades provisórias. Nesse sentido, sustenta Wagner D. Giglio3:

“A ação de inquérito é admissível somente contra empregado estável: dirigente sindical (Lei n. 5.107/66), dirigente de cooperativa ou outros empregados beneficiados por estabilidade criada por convenção coletiva, acordo coletivo, decisão normativa ou cláusula de contrato individual do trabalho”.

Outros defendem a necessidade do inquérito somente nas hipóteses de estabilidades definitivas, ou quando a lei o exigir, como na hipótese do dirigente sindical, porquanto o § 3º do art. 543 da CLT exige que a falta grave do dirigente sindical seja

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apurada nos termos da Consolidação, e a referida expressão reporta-se ao inquérito, que é o meio de que dispõe a CLT para apurar a falta grave.

No nosso sentir, a razão está com os que pensam ser cabível o inquérito somente nas hipóteses que a lei expressamente o exigir, quais sejam:

  1. estabilidade decenal (art. 478 e seguintes da CLT);

  2. dirigente sindical (art. 543, § 3º, da CLT c/c. Súmula n. 197 do STF4);

  3. empregado público celetista concursado (art. 41, da CF5), salvo quando houver previsão legal de apuração da falta grave mediante procedimento administrativo ou sindicância administrativa.

Nesse sentido, destacamos as seguintes ementas:

Inquérito judicial — Cabimento. O inquérito judicial para a apuração de falta grave somente se justifica quando comprovado que o trabalhador está em gozo de estabilidade trabalhista definitiva. (TRT – 15a R. – 3a T. – Ac. n. 25514/2001 – rel. Luiz Antônio Lazarim – DJSP
25.6.2001 – p. 35) (RDT 07/2001, p. 55)

Falta grave — Estabilidade provisória — Inquérito judicial. Em se tratando de empregado detentor de estabilidade provisória, necessário o inquérito judicial de que trata o art. 543, § 3º, da CLT c/c a Súmula n. 197 do STF e OJ da SDI n. 114/TST, para demonstrar, de forma insofismável, a falta grave, a ter por correta a demissão por justa causa. (TST – 3a T. – RO
n. 1526/2001 – rel. Leônidas José da Silva – DJ 21.9.2001 – p. 38) (RDT n. 10/2001, p. 58)

Estabilidade — Cipa — Justa causa — Inquérito para apuração de falta grave — Desnecessidade. Adequada exegese do parágrafo único do art. 165 da Consolidação das Leis do Trabalho e da alínea b do inciso II do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é contrária à obrigatoriedade da instauração de inquérito para apuração de falta grave cometida por empregado eleito para integrar Comissão Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho. Dentre as hipóteses da estabilidade provisória que exige tal formalidade, prevista para a demissão dos empregados detentores de estabilidade decenal, não se encontra incluída a estabilidade do cipeiro eleito. (TRT – 15a R. – 5a T. – Ac. n. 11675/2002 – rel. José Antônio Pancotti – DJSP 18.3.2002 – p. 83) (RDT n. 04 – abril de 2002)

Inquérito judicial — Trabalhador não detentor de estabilidade — Ausência de interesse processual. Segundo art. 853 da CLT, o inquérito judicial para apuração de falta grave é exigido para a extinção motivada do contrato de trabalho do empregado detentor de estabilidade no emprego, de sorte que, não sendo o trabalhador detentor da estabilidade consagrada no art. 8º, VIII, da CF, impõe-se a decretação da extinção do feito, sem julgamento

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do mérito, por ausência de interesse processual, já que o provimento jurisdicional mostra-se desnecessário porquanto a dispensa pode ser promovida imediatamente sem a instauração de inquérito judicial. Sustentação oral: sustentaram oralmente o Dr. Alcides Carlos Bianchi e o Dr. Antônio Carlos Aguiar. (TRT – 15a R. – 3a T. – Ac. n. 24619/2002 – rel. Lorival F. dos Santos – DJSP 25.10.2002 – p. 29) (RDT n. 11 – novembro 2002)

1.1. Do procedimento do inquérito judicial para apuração de falta grave

Dispõe o art. 853 da CLT:
Para a instauração de inquérito para apuração de falta grave contra empregado garantido com estabilidade, o empregador apresentará reclamação por escrito à Junta ou Juízo de Direito, dentro de 30 dias, contados da data da suspensão do empregado.

Parte da doutrina entende que a prévia suspensão do empregado é requisito para a propositura da ação de inquérito, vale dizer: trata-se de um pressuposto processual de validade do processo.

Nesse sentido, é a visão...

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