Processo Administrativo Disciplinar

AutorÁtila J. Gonzalez/Ernomar Octaviano
Páginas151-172

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1. Conceito de Processo Administrativo Disciplinar

“O processo administrativo disciplinar, também chamado impropriamente inquérito administrativo, é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de deter-minados estabelecimentos da Administração. Tal processo se baseia na supremacia especial que o Estatuto mantém sobre todos aqueles que se vinculam aos seus serviços ou atividades, definitiva ou transitoriamente, submetendo-se à sua disciplina. É um processo punitivo, mas com tais peculiaridades e tanta frequência na prática administrati-

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va que merece destaque dentre seus congêneres, mesmo porque os estatutos dos servidores públicos geralmente regulam a sua tramitação para cada órgão ou entidade interessada” (Hely Lopes Meirelles, cit., pág. 693).

Além do processo administrativo com conotação típica de falta disciplinar, pode o feito dirigir-se à apuração de ilícito civil, para ressarcimento de dano, ou criminal, se o servidor cometeu crime, caso em que a comissão informará a autoridade policial para a abertura de inquérito, fornecendo-lhe as peças de conhecimento e em poder da Administração.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro adverte que “não há, com relação ao ilícito administrativo, a mesma tipici-dade que caracteriza o ilícito penal. A maior parte das informações não é definida com precisão, limitando-se a lei, em regra, a falar em falta de cumprimento dos deveres, falta de exação no cumprimento do dever, insubordinação grave, procedimento irregular, incontinência pública; poucas são as informações definidas, como abandono de cargo ou os ilícitos que correspondem a crimes ou contravenções.

Isto significa que a Administração dispõe de certa margem de apreciação no enquadramento da falta dentre os ilícitos penais previstos na lei (...). É precisamente essa margem de apreciação (ou discricionariedade limitada pelos critérios previstos em lei) que exige a precisa motivação da penalidade imposta, para demonstrar a adequação entre a infração e a pena escolhida e impedir o arbítrio da Administração. Normalmente essa motivação consta

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do relatório da comissão ou servidor que realizou o procedimento; outras vezes, consta de pareceres proferidos por órgãos jurídicos preopinantes aos quais se remete a autoridade julgadora; se esta não acatar as manifestações anteriores, deverá expressamente motivar a sua decisão”. (Direito Administrativo, 18a ed., São Paulo, Atlas, 2005, pág. 534).

Uma falta disciplinar, que parece traduzir, às vezes, simples infração administrativa, pode tipificar ilícito penal de graves consequências, expondo o agente a investigações policiais e judiciais, com desfechos imprevisíveis, inclusive perda da função pública.

Correta, pois, a doutrina de Eliezer Pereira Martins, quando vê “afinidades do Direito Administrativo com o Direito Penal e o Direito Processual Penal”, entendendo que “nesta ordem de raciocínio pode-se afirmar que o Direito Administrativo Disciplinar abebera-se nas disposições do Direito Administrativo comum até a medida em que as disposições deste último segmento não comprometam sobretudo a ampla defesa e o contraditório”. (Direito Administrativo Disciplinar Militar, Leme, LED, 1996, pág. 55).

Importante lembrar ainda que o Código de Processo Civil é a norma subsidiária principal aos procedimentos administrativos no processo disciplinar, enquanto a lei penal e seu código prevalecem como parâmetros para estudos de medidas e decisões relacionadas aos apenamentos que possam ocorrer no processo.

Insta destacar ademais que, por não ter seus procedimentos convenientemente codificados, o processo disciplinar

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exige que a comissão tenha plena capacidade de exercício do chamado direito resolutivo, a fim de encontrar soluções jurídicas aplicáveis a casos incomuns e imprevisíveis, muitas vezes presentes no curso da atividade processual.

Por todas estas razões, é imprescindível que a equipe apuradora se valha sempre da Consultoria ou Assessoria Jurídica do órgão interessado para aconselhamento e estudo conjunto de casos especiais, que por sua natureza possam exigir posicionamentos jurídicos diferenciados.

2. Finalidade

O processo administrativo disciplinar tem por finalidade apurar ação ou omissão grave de servidor havida na Administração Pública, punível disciplinarmente, ou seja, que venha a infringir dispositivos de leis regulamentares dos seus serviços gerais.

A finalidade do processo administrativo disciplinar visa, pois, em especial, a controlar a conduta do servidor público no desempenho do seu trabalho, à guisa de exemplo, no interesse da Administração. O servidor público pode ser alvo de processo administrativo disciplinar, não importando a natureza do seu vínculo admissional com a Administração.

Amauri Mascaro Nascimento adverte que, “como há relações de trabalho tanto no setor privado quanto no público, nosso sistema distingue o pessoal estatutário, cujo trabalho prestado para a Administração Pública, direta, autárquica e fundacional, é regido pelo direito administrativo, do celetista, do setor privado, incluindo empre-

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sas públicas e de economia mista (CF, art. 173, § 1º)” – in Curso de Direito do Trabalho, 13a ed., São Paulo, Saraiva, 1997, pág. 155.

No caso de falta grave, irregularidade, e observado o seu potencial, a autoridade se vale do poder disciplinar da Administração para impor ao administrado, de forma legalmente coercitiva, o respeito à lei, à hierarquia, à ordem, à moralidade administrativa.

A punição, quando ocorre, não tem, assim, a conotação da penalidade criminal, visando, em especial, à eficiência e ao aprimoramento dos serviços administrativos.

Enfim, a finalidade da ação processual disciplinar é punir para melhorar não só a atividade administrativa como a própria pessoa do servidor para que passe a exercer seu trabalho sempre de forma eficiente e honesta, ou, se for o caso, excluí-lo do quadro de pessoal, quando a gravidade da falta por ele praticada demonstrar ser inviável sua permanência no serviço público oficial.

3. Fatos Apuráveis por Processo

Nem todas as irregularidades ocorrentes no serviço público necessitam ser apuradas por meio da instauração de processo administrativo.

A instauração de processo administrativo só é obrigatória quando a natureza da falta disciplinar se eivar de manifesta gravidade, como no caso de atos que possam implicar em demissão, demissão a bem do serviço público, cassação de aposentadoria ou disponibilidade.

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No caso especial de abandono do cargo ou função pelo servidor, deverá também ser instaurado processo administrativo porque pode implicar demissão. Abandono do cargo é a interrupção quase sempre intencional do trabalho pelo servidor por prazo superior ao prescrito em lei.

Quando o abandono se dá nestas circunstâncias, o processo administrativo decidirá pela decretação do abandono, com registro nos assentamentos do servidor indiciado.

Há, todavia, casos em que o abandono não se caracteriza nem pode ser decretado, decidindo-se em favor do servidor faltoso. Isto quando a defesa comprovar excludentes advindas dos motivos de força maior, estado de necessidade ou outra circunstância legalmente...

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