Processo legislativo

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas669-736
12
PROCESSO LEGISLATIVO
12.1 CONCEITO DE PROCESSO LEGISLATIVO
A Constituição de 1988, ao tratar do Poder Legislativo, também disciplina o denomi-
nado processo legislativo. Este último, conforme lição de Uadi Lammêgo Bulos,1 é def‌inido
como “o conjunto de atos preordenados que permitem a feitura, a mudança e a substituição
de espécies normativas”. Pedro Lenza,2 por sua vez, o def‌ine como o conjunto de “regras
procedimentais, constitucionalmente previstas, para a elaboração das espécies normativas,
regras estas a serem criteriosamente observadas pelos ‘atores’ envolvidos no processo”.
O processo legislativo, portanto, refere-se ao conjunto de atos preordenados e sucessi-
vos destinados à formulação das diversas espécies normativas. A Carta Magna de 1988, por
exemplo, em seu artigo 59, traz um extenso elenco de espécies normativas que podem ser
criadas por meio do processo legislativo.3 Ademais, em alguns outros dispositivos, nossa Lei
Maior trata do processo legislativo relativo à elaboração das denominadas leis f‌inanceiras
(lei plurianual, lei de diretrizes orçamentárias, lei orçamentária anual e lei de abertura de
créditos adicionais) e também dos tratados e convenções internacionais.
Apenas a título de informação, em cumprimento ao que determina o parágrafo único
do artigo 59, da Constituição Federal,4 o Congresso Nacional editou a Lei Complementar
95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a
consolidação das leis, além de estabelecer normas para a consolidação de outros atos nor-
mativos nela disciplinados. O Poder Executivo, por sua vez, editou o Decreto 4.176/2002,
para regulamentar referida lei complementar.
É importante ressaltar, por outro lado, que o processo legislativo não se refere somente
à edição das normas previstas na Constituição Federal. Com efeito, as diversas constituições
dos Estados-membros, bem como a Lei Orgânica do Distrito Federal e as leis orgânicas dos
Municípios brasileiros também contêm normas disciplinando o processo legislativo, para
a elaboração das respectivas leis editadas por aqueles entes da Federação.
Contudo, também é imperioso ressaltar, nesta oportunidade, que as normas relativas
ao processo legislativo, contidas naquelas constituições estaduais e leis orgânicas do Distrito
Federal e Municípios, e destinadas à elaboração das normas de competência de cada uma
daquelas pessoas políticas, deverão observar, sempre que possível, as normas gerais f‌ixadas
1. Curso de direito constitucional. 5. ed. Saraiva, 2010, p. 1137.
2. Direito constitucional esquematizado. 14. ed. Saraiva, 2010, p. 440.
3. São elas: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos
legislativos e resoluções.
4. Constituição Federal, artigo 59, parágrafo único: “Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e
consolidação das leis”.
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pela Constituição Federal, tudo por força do denominado princípio da simetria, também
conhecido por princípio do paralelismo.
Com efeito, como já vimos no Capítulo 2, o princípio da simetria é aquele que exi-
ge que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotem, tanto quanto possível, em
suas respectivas constituições e leis orgânicas, os princípios fundamentais e as regras de
organização estatal (inclusive as relativas à separação funcional do poder) existentes na
Como consequência disso, naquilo que for possível, os diversos entes da Federação
deverão adotar regras semelhantes (simétricas, portanto) às existentes na Lei Maior, relativas
ao poder de iniciativa de leis no processo legislativo. É por essa razão, por exemplo, que a
iniciativa de leis, no âmbito estadual, distrital e municipal, para aumentos dos respectivos
servidores públicos, deverá ser de competência do chefe do Poder Executivo, de maneira
semelhante ao que se dá na Constituição Federal (artigo 61, § 1º, II, a). Sobre o tema, su-
gerimos a leitura da Ação Direta de Inconstitucionalidade 882/RS, Pleno, Relator Ministro
Sepúlveda Pertence, in RTJ 150/482.
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por outro lado, não poderão observar as
regras f‌ixadas pela Constituição Federal, em seu artigo 65 e parágrafo único, relativas à com-
petência revisional dos projetos de lei ordinária, justamente porque, nessa hipótese, referida
simetria não se mostra possível. Com efeito, os Poderes Legislativos daqueles entes da Federação
são unicamerais (compostos por uma única Casa Legislativa), ao contrário do Federal, que é
bicameral (formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal).
12.2 PRINCIPAIS FINALIDADES DO PROCESSO LEGISLATIVO
O processo legislativo refere-se, como vimos na seção anterior, ao conjunto de atos
destinados à formulação das diversas espécies normativas. Cabe, então, uma indagação: qual
a f‌inalidade de a Carta Magna prever um sem-número de normas para f‌ixar os diferentes
ritos que deverão ser adotados, na elaboração das diversas espécies normativas? São 2 (duas)
as principais f‌inalidades: garantir a observância do princípio da separação e harmonia dos
poderes, bem como permitir um controle mais efetivo da constitucionalidade das normas
editadas pelo Estado.5
Com efeito, como já vimos ao estudar os denominados princípios fundamentais da
Constituição Federal (Capítulo 4), o princípio da separação de poderes contém duas caracte-
rísticas fundamentais: a especialização funcional, que confere a cada órgão uma função estatal
típica; e a independência orgânica, que permite a cada um daqueles órgãos exercer sua função
especializada de forma independente, sem qualquer subordinação aos demais.
Naquela oportunidade, contudo, também ressaltamos que, tanto a especialização
funcional, quanto a independência orgânica, não podem ser encaradas como absolutas,
uma vez que referidos poderes também devem ser harmônicos entre si, o que signif‌ica que
cada um deles deve poder praticar atos típicos dos outros poderes e também exercer algum
controle sobre os demais, um mecanismo conhecido como sistema de freios e contrapesos,
também denominado checks e balances.
5. Essa segunda f‌inalidade de f‌ixação do processo legislativo, vale mencionar, é expressamente ressaltada por Pedro Lenza,
como se pode verif‌icar do trecho a seguir transcrito: “A importância fundamental de estudarmos o processo legislativo
de formação das espécies normativas é sabermos o correto trâmite a ser observado, sob pena de ser inconstitucional a
futura espécie normativa”. Op. cit., p. 440.
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E é justamente em observância à separação e harmonia dos poderes que a Constituição
Federal previu, também na seara do processo de elaboração das leis, não só a possibilidade de
um poder realizar atos típicos de outro, como também exercer algum controle nas funções
típicas do outro poder. Vejamos, em seguida, alguns poucos exemplos, para tentar aclarar
essa af‌irmação.
As medidas provisórias são atos normativos com força de lei, editados pelo presi-
dente da República. Vê-se, portanto, que a própria Lei Maior atribuiu ao Chefe do Poder
Executivo a competência para editar um ato normativo, ou seja, para praticar uma função
típica do Poder Legislativo. Contudo, o mesmo texto constitucional também conferiu ao
Parlamento a competência para exercer controle sobre as medidas provisórias, podendo
inclusive rejeitá-las. Ademais, também será possível ao Poder Judiciário exercer o controle
de constitucionalidade de tais diplomas normativos.
Outro exemplo, nós o temos nas chamadas leis delegadas, em que o Poder Legislativo
delega sua função típica de legislar ao Poder Executivo.6 Contudo, a Constituição Federal
também prevê a possibilidade de o Congresso Nacional exigir que o texto seja submetido ao
seu controle, inclusive para verif‌icar se o Executivo não exorbitou os limites de delegação
legislativa.7 O Poder Judiciário, naturalmente, poderá ser sempre chamado para analisar a
constitucionalidade do ato normativo editado.
Mencionemos, ademais, que as normas do processo legislativo, contidas na Constituição
Federal, permitem a participação de todos os três Poderes, na elaboração das espécies norma-
tivas ali previstas. Basta lembrarmos, por exemplo, que o poder de iniciativa é conferido não
só aos membros e Comissões do Poder Legislativo, como também ao presidente da República
e até mesmo aos Tribunais Superiores e ao Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, aliás, Alexandre de Moraes8 nos lembra que “a primazia do processo
legiferante foi constitucionalmente concedida ao Poder Legislativo, que, porém, não detém
o monopólio da função normativa, em virtude da existência de outras fontes normativas
primárias, tanto no Executivo (medidas provisórias, decretos autônomos), quanto no Judi-
ciário (regimento interno dos Tribunais e poder normativo primário do Conselho Nacional
de Justiça)”.
Lembremos, por f‌im, que, em boa parte das espécies normativas relacionadas no artigo
59, da Carta Magna, o Poder Executivo participa efetivamente da chamada fase constitutiva
de elaboração das leis, seja por meio de sanção aos projetos de lei com os quais concorda, seja
através do veto àqueles outros que considera inconstitucionais (veto jurídico) ou contrários
ao interesse público (veto político), como também participa da fase complementar, através
da promulgação e publicação da espécie normativa.
Como se vê, os exemplos que demonstram a observância do princípio da separação e
harmonia dos poderes, no processo de elaboração das diversas espécies normativas previs-
tas na Constituição Federal, são inúmeros. No transcorrer deste Capítulo, o prezado leitor
seguramente observará outros casos em que isso ocorre. Vejamos, em seguida, a segunda
f‌inalidade para o estabelecimento das normas relativas ao processo legislativo: o controle
mais efetivo da constitucionalidade das normas editadas pelo poder público.
6. Constituição Federal, artigo 68: “As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a
delegação ao Congresso Nacional”.
7. Constituição Federal, artigo 68, § 3º: “Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este
a fará em votação única, vedada qualquer emenda”.
8. Direito constitucional. 26. ed. Atlas, 2010, p. 650.
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