Processo Penal Premial (Colaboração premiada - Lei nº 12.850/2013)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas523-531
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Tratado Doutrinário de processo Penal
Colaboração premiada - Lei nº 12.850/2013
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Para desvendar as indagações supracitadas, te-
mos que dissertar sobre o “Processo penal premial”
(Colaboração premiada):
Origem: O primeiro registro sobre a colaboração
premiada foi feita no século 19, por Rudolf Von Ihe-
ring. Em 1853, o jurista alemão escreveu:
“Um dia, os juristas vão ocupar-se do direito premial.
E farão isso quando, pressionados pelas necessida-
des práticas, conseguirem introduzir a matéria premial
dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade ou ar-
bítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem tanto
no interesse do aspirante ao prêmio, mas, sobretudo,
no interesse superior da coletividade”. 1177
A colaboração premiada tem origem no direito anglo-
saxão, do qual advém a expressão ¨crown witness¨
(testemunha da coroa), que fora amplamente utilizada
no combate ao crime organizado e adotada com
grande êxito na Itália, em prol do desmantelamento/
destruição da má a (basta lembrar as declarações
prestadas por Tommaso Bruscetta ao promotor italiano
Giovanni Falcone).1178
Na Itália, o instituto da colaboração do corréu surgiu
em meados dos anos 70 na luta contra o terrorismo e
contra o crime de extorsão mediante sequestro.1179 Sob
a denominação de pentitismo, o instituto ganhou forças
em meados da década de 80, no combate a má a. Em
referência a  gura do delator, denominado pela impren-
sa como pentito, que além de confessar também “in-
1177 (In: IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 23. ed. rev.
Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 73).
1178 Fonte da pesquisa: https://juridicocorrespondentes.
com.br/adv/cayonperes/artigos/aspectos-fundamen-
tais-da-colaboracao-premiada-948.
1179 (GUIDI, José Alexandre Marson. Delação premiada no
combate ao crime organizado. Franca/SP: Lemos & Cruz
Publicações Jurídicas,2006)
formava às autoridades detalhes dos crimes conexos
com o terrorismo, bem como apontava outros agentes
criminosos”. 1180
No direito americano, o instituto da delação pre-
miada recebeu o nome de plea bargaining, sendo a
colaboração do acusado utilizada unicamente para
ns processuais, tendo o representante do órgão
responsável pela acusação (prosecuters) amplos
poderes para negociar com o acusado (defendant)
acerca dos termos da cooperação, cabendo ao Juiz
a mera homologação do acordo  rmado. 1181
No Brasil, o instituto teve grande ápice quando
do surgimento das Ordenações Filipinas, que, na
sua parte criminal, apareceu no Título CXVI do Livro
V – “como se perdoará aos malfeitores que derem
outros à prisão” (1603-1830)
A colaboração premiada foi incorporada ao Código
Penal brasileiro (1940) de forma muito tímida, sendo
aceita, inicialmente, apenas como atenuante, vide
artigo 65, III, b, in verbis:
“Tenha buscado, espontânea e e cazmente, logo após
o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências,
ou ter, antes do julgamento reparado o dano”.
1. Conceito
Colaboração premiada é uma técnica de investiga-
ção por meio da qual o agente ativo de um delito, con-
fessa voluntariamente globalmente o seu envolvimen-
to na prática de um ou mais crimes, fornecendo aos
órgãos responsáveis pela persecução penal extraju-
dicial, persecução penal judicial ou execução penal,
1180 (FONSECA, Pedro Henrique Carneiro da. A delação Premia-
da. Disponível em:
bitstream/handle/123456789/201/dela%C3%A7ao%20pr
emiada_Fonseca.pdf?sequence=1>. Acesso em: 28 de
junho de 2013).
1181 (GUIDI, José Alexandre Marson. Delação premiada no
combate ao crime organizado. Franca/SP: Lemos & Cruz
Publicações Jurídicas,2006).
Capítulo 20
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informações que têm força de elementos informativos
conjugados e tem como objetivos: a) concretizar uma
das nalidades previstas em lei; b) em caso da con-
rmação da efetividade das informações, receber um
prêmio legal.
2. Finalidades da colaboração premiada:
São várias as finalidades da colaboração pre-
miada, podendo ser aplicadas de forma alternativa
ou cumulativa são elas:
a) Identicação dos demais coautores/partícipes da
organização das infrações praticadas;
b) Revelação da estrutura hierárquica e da divisão
de tarefas;
c) Prevenção de novas infrações;
d) Recuperação total ou parcial do produto/proveito
das atividades criminosas;
e) Localização de eventual vítima com sua integri-
dade física preservada.
3. Momento em que pode ser realizada a
colaboração premiada
A colaboração premiada pode ser realizada du-
rante a persecução penal extrajudicial (investigação
criminal), na persecução penal judicial (durante a
instrução criminal) e até após o trânsito em julgado
na fase da execução penal.
Em reforço ao posicionamento acima demonstra-
do, o ministro Gilson Dipp, em livro sobre o tema,
arma que:
Para se ter uma ideia, a delação premiada pode
dar-se após a sentença de mérito (antes ou depois
do trânsito em julgado, mas sobretudo depois) e
pode acarretar, por exemplo, o perdão judicial, a re-
dução da pena imposta, ou a substituição dela, mesmo
em face de deliberações processuais consolidadas
ou de preclusão ou contra ato judicial coberto por
garantias constitucionais e legais.1182
Quanto a colaboração na fase da execução penal,
arma FREIRE JÚNIOR que a lei é um tanto omissa
em relação ao momento adequado para a utilização
do instituto, uma vez que, diante do grande número
de legislações existentes, não há qualquer determi-
nação quanto ao momento processual mais oportu-
no para a concessão do benefício, podendo, como
já referido, ser empregado em qualquer fase da
persecução penal. Mesmo antes do próprio trânsito
em julgado, o que acontece é a sua utilização antes,
1182 DIPP, Gilson. A “delação” ou colaboração premiada: uma análise
do instituto pela interpretação da lei. Brasília: IDP, 2015. p. 18.
durante e depois do recebimento da denúncia feita
pelo Ministério Público. 1183
Entendo de forma diversa. A Lei 12.850/2013, no
artigo 4º, em dois parágrafos, autoriza a concessão
da colaboração premiada, a saber:
§ 2º: “Considerando a relevância da colaboração
prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o
Delegado de polícia, nos autos do inquérito policial,
com a manifestação do Ministério Público, poderão
requerer ou representar ao Juiz pela concessão de
perdão judicial ao colaborador, ainda que esse be-
nefício não tenha sido previsto na proposta inicial,
aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-
-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de
Processo Penal)”.
§ 5º: Se a colaboração for posterior à sentença, a
pena poderá ser reduzida até a metade ou será ad-
mitida a progressão de regime ainda que ausentes
os requisitos objetivos.
Neste caso, teremos uma colaboração premiada
restrita, pois a mesma só será efetivada:
a) Após a conrmação da efetividade das informa-
ções e do deferimento de uma revisão criminal;
b) O benefício só poderá ser uma redução de pena, pois
o fundamento da revisão criminal será o artigo 619,
inciso III, do Código de Processo Penal, in verbis:
A revisão dos processos ndos será admitida:
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas
provas de inocência do condenado ou de circunstância
que determine ou autorize diminuição especial da pena.
4. Natureza jurídica da colaboração pre-
miada:
Quanto à natureza jurídica do instituto, há grande
discussão. A doutrina e a jurisprudência entendem
que a colaboração premiada é uma prova anômala,
por não se identicar com nenhuma outra prevista
no ordenamento jurídico brasileiro, só adquirindo
real valor probatório quando corroborado com as
demais provas constantes nos autos.
A colaboração, vindo, no entanto, isolada nos
autos, ou seja, sem ser acompanhada de outros
element os probatórios, inexistindo elementos coesos
e robustos a apontar com nitidez a participação de
1183 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. Qual o meio processual
para requerer a delação premiada após o trânsito em jul-
gado da sentença penal condenatória? Revista IOB Direito
Penal e Processual Penal, v. 6, n. 36, p. 235-236, fev./mar.,
2006. p. 235.
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outro coautor ou partícipe no delito, não poderá haver
decreto condenatório.
No mesmo sentido o professor Adalberto José
Queiroz Telles:
“Todos nós tememos que a chamada do corréu, sendo
ele um elemento único de prova acusatória, não pode
servir de base para condenação de outros elementos
envolvidos no crime, em virtude de uma possível violação
ao princípio do contraditório”. 1184
Enrico Altavilla é um dos que admite a força incri-
minadora da colaboração premiada, desde que ela
esteja “vestida”, isto é, seja compatível com o núcleo
central acusatório. E acrescenta:
“A acusação do corréu não deve ser uma simples ar-
mação, antes precisa ser enquadrada numa narração
completa. Efetivamente, não basta dizer que alguém
tomou parte do crime, mas é necessário descrever a
modalidade dessa participação, pois o pormenor pode
revelar a veracidade ou a falsidade do que se narra”. 1185
Assim como no direito italiano, a delação “nua”,
qual seja, aquela desacompanhada de outras pro-
vas, não pode ensejar uma condenação.
• Segundo a posição dominante do STJ: (...) não
contém validade jurídica a sentença condenatória
que tem como único embasamento a colaboração
de corréu, que não consubstancia prova isenta,
demonstrativa da verdade substancial, sob pena
de ofensa ao princípio constitucional do contraditó-
rio (CF, art. 5o, LV). Habeas Corpus concedido.1186
(STJ, HC no 11.240 e no 17.276).
• Segundo a posição dominante do STF: A cola-
boração de um concorrente do crime por outro, em
sede policial ou em juízo, denominada “conssão
delatória”, embora não tenha o condão de em-
basar, por si só, uma condenação, adquire força
probante suciente, desde que harmônica com as
outras provas produzidas sob o crivo do contradi-
tório (STF, HC no 75.226).
Nesse sentido, o § 16 do artigo 4º da Lei
12.850/13:
§ 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida
com fundamento apenas nas declarações de agente
colaborador.
1184 (ARANHA, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo. Da pro-
va no processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 76).
1185 (apud ARANHA, 2006, p. 133).
1186 STJ – HC no 9.850/SP; Sexta Turma; Rel. Min. Vicente
Leal; DJ 16/11/1999.
POSIÇÃO DIVERGENTE
Diversamente, Mittermayer, adepto da doutrina
que relega a força condenatória da colaboração pre-
miada, ventila que:
“O depoimento do cúmplice apresenta também graves
diculdades. Tem-se visto criminosos que, desespera-
dos por conhecerem que não podem escapar à pena,
se esforçam em arrastar outros cidadãos para o abis-
mo em que caem; outros denunciam cúmplices, aliás
inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmen-
te tomaram parte no delito, ou para tornar o processo
mais complicado, ou porque esperam obter tratamento
menos gravosos, comprometendo pessoas em altas
posições. (MITTERMAYER, 1996, p. 195).
5. Possibilidade jurídica
A colaboração premiada é prevista nas leis:
nº 8.072/1990 (crimes hediondos, art. ), lei nº
9.807/1999, (programa federal de assistência a víti-
mas e a testemunhas ameaçadas, arts.13 e 14), lei
nº 9.613/1998 (crimes de “lavagem” ou ocultação de
bens, direitos e valores, art. 1º, § 5º), lei nº 11.343/
2006, (drogas, art. 41), lei nº 7.492/1986, (crimes
contra o sistema nanceiro nacional, art. 25, § 2º),
lei nº 8.137/1990, (crimes contra a ordem tributária,
econômica e contra as relações de consumo, art.
16), código penal, artigos 159, § 4º, e 288 – A, Lei
12.529/11 (Arts. 86 e 87. Acordo de leniência); Lei
12.850/2013 (Arts. 4° a 7°. Colaboração premiada).
Convenção de Palermo (COT-ONU) art. 26 Redução
de pena, imunidade e medidas de proteção. Con-
venção de Mérida (CAC-ONU) art. 37 Redução de
pena, imunidade e medidas de proteção.
6. Requisitos para concessão
A concessão do benefício da colaboração premiada
exige revolvimento de matéria probatória para ns de
identicar o preciso grau de efetividade das contribui-
ções da paciente para as investigações do crime.1187
Consagra-se assim o instituto da colaboração
premiada como um importante e ecaz meio a ser-
viço do Estado na elucidação de crimes e proteção
dos bens jurídicos, mas que exige cautela na sua uti-
lização. Impõe, pois, não só a análise cautelosa das
1187 (Precedentes (HC 106393, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA,
Primeira Turma, julgado em 15.02.2011; RHC 98731,
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado
em 02.12.2010; HC 72979, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES,
Primeira Turma).
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declarações, que devem estar em consonância com
o lastro probatório colhido, mas ainda apreciação da
real e efetiva participação do delator para deslinde
da causa quando da individualização da pena, para
que só então se conceda o prêmio legal. 1188
Aqui, merece destaque alerta feito pelo doutri-
nador Eugênio Pacelli, no sentido de que o instituto
deve ser analisado com cautela redobrada, visando
evitar oportunismo do delator em detrimento da Jus-
tiça como valor ético-social almejado pela socieda-
de. Nesse sentido arma que:
De outra parte, uma das mais consistentes críti-
cas que é feita ao modelo de colaboração premiada
diz respeito ao oportunismo e, via de consequência,
à possibilidade de mendacidade intrínseca da atua-
ção do colaborador, em prejuízo, tanto da persecu-
ção penal quanto do direito de defesa dos demais
participantes da organização criminosa (se e quan-
do existente, efetivamente).
A colaboração, portanto, há de ser vista com cau-
tela e com prudência, cuidados esses que devem
ser redobrados quando aquela (colaboração) pre-
ceder às diligências regulares que teriam o condão
de determinar a abertura de inquérito policial. Se o
Santo deve desconar quando a esmola é demais,
na lição da sabedoria popular, o Estado, que nem
tem a transcendência espiritual daquele, há de se
guiar pelos princípios da legalidade e da eciência
na sua atuação, não limitando as investigações à
pauta apresentada por eventual colaborador.1189
Recentemente tivemos intensa discussão juris-
prudencial no âmbito do Supremo Tribunal Federal
analisando a possibilidade de a delação do colabo-
rador ser revista pelo colegiado após a aprovação
pelo relator do processo.
No julgamento da questão de ordem e agravo
regimental, ambos na Pet. 7074, cou rearmado o
posicionamento segundo o qual os termos da dela-
ção serão da prerrogativa do relator, bem como só
poderão ser revistos pelo plenário em casos de ile-
galidade ou descumprimento da medida.
Além disso, é preciso deixar claro que, como meio
de obtenção da prova, é necessário que a delação seja
1188 (FALCÃO, Alfredo Carlos Gonzaga. Delação Premiada:
constitucionalidade e valor probatório. Disponível em:
1/>.
Acesso em: 04 de junho de 2013).
1189 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 19. ed. São
Paulo: Atlas. 2015. p. 837-838
submetida a contraditório, como forma de garantir o
devido processo legal. Nesse sentido, defende Aury
Lopes Jr. que:
Mais grave ainda é a situação do delator, ou seja,
do corréu beneciado pela delação premiada, que
ao assumir o papel de mais relevante “testemunha”
da acusação (ainda que tecnicamente não o seja)
é imprescindível estabelecer-se o contraditório na
sua oitiva, com os demais corréus realizando per-
guntas. Do contrário, teremos um ato probatório nulo
— prova colhida ao arrepio do contraditório e ampla
defesa — e, por consequência, uma sentença (ab-
solutamente) nula por derivação. 1190
Essa discussão extensa sobre o tema demonstra
claramente a importância do instituto, assim como
que sua análise deve ser feita de modo paciente e
cauteloso pelas autoridades legitimadas à sua reali-
zação e validação em juízo.
7. Colaboração premiada versus delação
premiada
Existe diferença entre colaboração premiada
e delação premiada?
Resposta: A delação premiada é uma das espé-
cies de colaboração premiada. Segundo o professor
Luiz Flávio Gomes: 1191
Há diferença sim entre colaboração premiada e delação
premiada. Inspirado na doutrina de Vladimir Aras e
tendo por base a Lei 12.850/13 (art. 4º), entendemos
que a colaboração premiada (gênero) subdivide-se em
cinco espécies, que se justicam conforme o resultado
pretendido e alcançado:
1ª) delação premiada ou chamamento de corréu: é a
destinada à identicação dos demais coautores e/ou
partícipes da organização criminosa bem como das
infrações penais por ela praticadas (artigo 4º, inciso I,
2ª) colaboração reveladora da estrutura e do funcio-
namento da organização (da burocracia): é a colabo-
ração focada na revelação da estrutura hierárquica e
da divisão de tarefas da organização criminosa. Em
homenagem ao economista alemão Max Weber, que
criou a Teoria da Burocracia para explicar a forma
como as empresas se organizam, adotamos a nomen-
clatura “colaboração reveladora da burocracia”; anal,
1190 JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 13. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016. p. 389.
1191 (Artigo publicado no http://cartaforense.com.br/conteudo/
colunas/ha-diferenca-entre-colaboracao--e-delacao-pre-
miada/14756, acesso 21 de junho de 2015).
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a estrutura e a forma como as organizações crimino-
sas se organizam é empresarial ou quase-empresarial
3ª) colaboração preventiva: tem por escopo prevenir
infrações penais decorrentes das atividades da organi-
zação criminosa (artigo 4º, inciso III, da Lei 12.850/13);
4ª) colaboração para localização e recuperação de
ativos: visa à recuperação total ou parcial do produto
ou do proveito das infrações penais praticadas pela
organização criminosa (artigo 4º, inciso IV, da Lei
12.850/13);
5ª) colaboração para libertação de pessoas: tem por
nalidade a localização da vítima (de um sequestro,
por exemplo) com a sua integridade física preservada
8. O crime cometido pelo colaborador
quando prestar depoimento falso
A Lei das organizações criminosas (Lei
12.850/13), em seu artigo 4º, § 14º traz:
“Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará,
na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e
estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”.
Evidentemente, nós temos no Brasil o crime de
perjúrio, mas ao assumir o compromisso de dizer a
verdade, o colaborador pode cometer o crime de de-
nunciação caluniosa do colaborador.
O artigo 19 da Lei 12.850/13 arma:
Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração
com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa
que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a
estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas:
Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.
9. O caráter personalíssimo da colaboração
Os benefícios legais da colaboração são dire-
cionados apenas para o colaborador, portanto, não
será extensivo aos outros corréus.
Neste sentido o STF:
A redução da pena de corréu, por força de acordo de
delação premiada (art. 25, § 2º, da Lei nº 7.492/86 e
arts. 13 e 14 da Lei nº 9.807/99) e de sua efetiva co-
laboração com a Justiça, tem natureza personalíssima
e não se estende ao recorrente. O recorrente, que não
estava obrigado a se autoincriminar nem a colaborar
com a Justiça (art. 5º, LXIII, CF), exerceu seu direi-
to constitucional de negar a prática dos ilícitos a ele
imputados. 7. Após adotar essa estratégia defensiva,
por reputá-la mais conveniente aos seus interesses,
não pode agora, à vista do resultado desfavorável do
processo, pretender que lhe seja estendido o mesmo
benefício reconhecido àquele que, desde o início, vo-
luntariamente assumiu a posição de réu colaborador,
arcando com os ônus dessa conduta processual, na
expectativa de obter as vantagens dela decorrentes.
(Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 124192/PR,
1ª Turma do STF, Rel. Dias Toffoli. j. 10.02.2015, maio-
ria, DJe 08.04.2015).
10. A colaboração sem acordo prévio
A delação voluntária de outros implicados, sem
formalização de acordo com a acusação, não im-
pede o oferecimento da denúncia. Eventuais bene-
fícios pela colaboração serão avaliados na fase de
julgamento. 1192
11. Ecácia da colaboração premiada
Para que seja possível a concretização do acordo
de colaboração e a concessão dos prêmios legais, é
indispensável aferir a relevância e a ecácia objetiva das
declarações prestadas pelo colaborador. A concessão do
benefício da colaboração premiada exige revolvimento
de matéria probatória para ns de identicar o preciso
grau de efetividade das contribuições da paciente para
as investigações do crime.
Neste sentido o STJ:
A colaboração efetiva é imprescindível para a conces-
são do perdão judicial. (Recurso Especial nº 1.477.982/
DF (2014/0218118-9), 2ª Turma do STJ, Rel. Og Fer-
nandes. j. 14.04.2015, DJe 23.04.2015).
“..... não houve efetiva colaboração com a investigação
policial e com o processo criminal, tampouco o forne-
cimento de informações ecazes para a descoberta da
trama delituosa. Sendo assim, visto que a mera cons-
são parcial do paciente não representou auxílio efetivo
na investigação e elucidação do evento delituoso, inapli-
cável à espécie a benesse da delação premiada REsp
1.111.719-SP, DJe 13/10/2009. (STJ, HC 174.286/DF,
Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/4/2012)
No caso de não efetividade da colaboração é
possível o poder Judiciário não reconhecer o acordo.
Neste sentido o STF:
No caso sub examine, a Corte Regional vedou a apli-
cação da delação premiada, pois “não se pode falar
que houve colaboração efetiva. O acusado se limitou
a formular declarações vagas, indicando apenas os
prenomes dos supostos aliciadores, sendo provável
que as informações de que dispõe provavelmente não
1192 (No mesmo sentido: Inquérito nº 3204/SE, 2ª Turma do
STF, Rel. Gilmar Mendes. j. 23.06.2015, unânime, DJe
03.08.2015).
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correspondem à verdade, (…) os dados fornecidos
não trouxeram qualquer proveito concreto à efetiva
localização dos integrantes da organização crimino-
sa que nanciou a prática do delito”. (Habeas Cor-
pus nº 119.976/SP, 1ª Turma do STF, Rel. Luiz Fux. j.
25.02.2014, maioria, DJe 18.03.2014).
Quem descumprir um acordo de delação pre-
miada pode fazer um novo acordo?
Resposta: Sim. O STF analisando o caso de um
doleiro disse que o que importa é a ecácia da nova
delação, portanto, pouco importa se houve um des-
cumprimento anterior.
12. Os benefícios da colaboração premiada
São benefícios da colaboração premiada:
a) Diminuição da pena, que pode variar de 1/6 (menor
diminuição do CP) até 2/3;
b) Substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos (artigo 4º caput, Lei 12.850),
ainda que ausentes os requisitos do artigo 44 do
c) Perdão judicial (artigo 4º, § 2º);
d) Sobrestamento do prazo para o oferecimento da
denúncia ou suspensão do processo por até 6
meses, prorrogável por igual período, suspen-
dendo-se o prazo prescricional (artigo 4º, § 3º);
e) Não oferecimento da denúncia (artigo 4º, § 4º).
f) Possibilidade de progressão de regimes, ainda
que ausentes os requisitos objetivos.
13. A retratação da proposta de colaboração
premiada
O art. 4º, parágrafo 10, da Lei nº 12.850/13, prevê
que, na hipótese de retratação da proposta de co-
laboração premiada, as provas autoincriminatórias
produzidas pelo colaborador não poderão ser utiliza-
das exclusivamente em seu desfavor.
14. O colaborador na condição de informante
O STF tem posicionamento, antes da novel Lei
nº 12.850/13, no sentido de que é possível, desde
que não tenha sido denunciado no mesmo processo
que os demais corréus, inclusive para que as de-
clarações prestadas na fase investigatória sejam
submetidas ao crivo do contraditório, possibilitando
o cumprimento dos termos do acordo de colabora-
ção por ele celebrado com o Ministério Público (STF,
Pleno, AP 470 QO3, DJe. 29/04/2009)
15. Renúncia ao direito do silêncio
Deve-se lembrar que o Direito ao silêncio e o
Princípio do nemo tenetur se detegere não têm na-
tureza absoluta, como todo e qualquer direito funda-
mental (Ex.: a CF autoriza até a morte em caso de
guerra declarada). Desta forma, ele pode ser usado
para defender o acusado, mas não pode ser usado
como um escudo protetivo para as atividades ilícitas;
ex.: O casal Nardoni mexeu no local do crime para
esconder as pistas, e por isso foram condenados
também pelo crime de fraude processual — isso não
está protegido pelo nemo tenetur? Não, pois não
pode se valer de um direito constitucional como um
escudo protetivo para as atividades ilícitas. 1193
Nessa linha de raciocínio, segundo a qual não
é um direito absoluto, vale lembrar que o próprio
Supremo e o STJ vêm entendendo que hoje tipica
o crime de falsa identidade (art 307, CP) quando o
agente presta informações falsas quanto a sua qua-
licação. Nenhum direito fundamental é absoluto,
nenhum direito fundamental pode ser usado para a
prática de ilícitos.
Como ressalta Paulo Gustavo Gonet Branco:
“(...) os direitos fundamentais podem ser objeto de limi-
tações, não sendo, pois, absolutos. (...) Até o elementar
direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a,
do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em
caso de guerra formalmente declarada”. 1194
Na jurisprudência do STF, Pleno, RMS 23.452/
RJ, destacou o Ministro Celso de Mello:
“Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou
garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo
porque razões de relevante interesse público ou
exigências derivadas do princípio de convivência das
liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a
adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas
restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas,
desde que respeitados os termos estabelecidos pela
própria Constituição. O estatuto constitucional das
liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a
que estas estão sujeitas — e considerado o substrato
ético que as informa — permite que sobre elas incidam
1193 Disponível em: https://juridicocorrespondentes.com.br/adv/
cayonperes/artigos/aspectos-fundamentais-da-colabora-
cao-premiada-948).
1194 (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, et al. Curso de Direito
Constitucional, pp. 230 e 231. São Paulo; Saraiva, 2007).
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Tratado Doutrinário de processo Penal
Colaboração premiada - Lei nº 12.850/2013
limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a
proteger a integridade do interesse social e, de outro,
a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades,
pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em
detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos
direitos e garantias de terceiros”.
16. A concessão do benefício e a personali-
dade do colaborador
A ideia de colaboração não é beneciar o líder da
organização, sendo exatamente o contrário, vez que
se oferece a colaboração ao indivíduo com menor
grau de culpabilidade, isso para se chegar aos líde-
res dessa organização.
Deve-se, in casu, ser analisada a personalidade
do colaborador. Nesse sentido, tem-se o § 1º do artigo
Artigo 4º § 1º: Em qualquer caso, a concessão do bene-
fício levará em conta a personalidade do colaborador, a
natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercus-
são social do fato criminoso e a ecácia da colaboração.
17. A colaboração premiada e o princípio
do contraditório
O princípio do contraditório deve ser pleno e efetivo
— pleno em virtude da exigência do contraditório
durante todo o processo, até o seu devido encer-
ramento; efetivo, pois não é suciente dar à parte
apenas a possibilidade formal de se pronunciar
sobre os atos da outra parte, sendo imprescindível
proporcionar os meios necessários para que possa
contrariá-los.1195
As declarações do colaborador, quando pres-
tadas na fase inquisitorial, serão submetidas a um
contraditório deferido, ou seja, na fase judicial.
18. A necessidade de homologação do
acordo de colaboração premiada
A negociação empreendida para a delação pre-
miada é sedimentada em acordo sigiloso que deve
ser submetido ao Poder Judiciário para homologação.
Exige-se nesse momento que os termos da delação
relacionem-se às provas colhidas nos autos, devendo,
ademais, obrigatoriamente, que se analise os resulta-
dos obtidos pela colaboração do corréu fundamenta-
rem-se em outros elementos de prova, os quais deve-
rão ter sido submetidos ao princípio do contraditório.1196
1195 (FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitu-
cional. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 63).
1196 CONSERINO, Cassio Roberto; MAGNO, Levy Emanuel;
“Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo
termo, acompanhado das declarações do colabo-
rador e de cópia da investigação, será remetido ao
Juiz para homologação, o qual deverá vericar sua
regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo
para este m, sigilosamente, ouvir o colaborador, na
presença de seu defensor”.
19. O direito subjetivo à percepção dos be-
nefícios da colaboração
Conrmada a efetividade das informações pres-
tadas pelo colaborador, os benefícios são de caráter
obrigatório.
Nesse sentido, se observa que é possível que
surja ao criminoso que se vale do instituto direito
subjetivo a percepção dos benefícios elencados pela
legislação, ainda que o seu tratamento não seja uni-
forme no âmbito das legislações que o preveem, des-
de que, contudo, os requisitos exigidos sejam preen-
chidos. Pode-se dessa feita elencar quatro requisitos
necessários à sua ocorrência. São eles: colaboração
espontânea; relevância das declarações; efetividade
das informações; personalidade do colaborador, natu-
reza, circunstância, gravidade e repercussão social do
fato criminoso sejam compatíveis com o instituto.1197
VASCONCELOS, Clever Rodolfo Carvalho. Crime Organi-
zado e Institutos Correlatos. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
1197 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação premiada no
combate ao crime organizado. Franca/SP: Lemos & Cruz
Publicações Jurídicas, 2006.
As informações pormenorizadas da colaboração serão di-
rigidas diretamente ao Juiz a quem recair a distribuição, o
qual decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
O acesso aos autos será restrito ao Juiz, ao Ministério Público
e ao Delegado de polícia, como forma de garantir o êxito
das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse
do representado, amplo acesso aos elementos de prova
que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devi-
damente precedido de autorização judicial, ressalvados os
referentes às diligências em andamento.
O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigilo-
so assim que recebida a denúncia.
20. Suspensão do prazo para oferecimento de denún-
cia e da prescrição
O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo
relativo ao colaborador poderá ser suspenso por até 6
(seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam
cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o
respectivo prazo prescricional.
21. Rejeição do acordo
O Juiz poderá recusar homologação à proposta que não aten-
der aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.
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Francisco Dirceu Barros
Colaboração premiada - Lei nº 12.850/2013
O Ministério Público tem legitimidade para impetrar habeas
corpus com o escopo de garantir a efetivação do acordo em
favor do colaborador.
“A legitimação do Ministério Público para impetrar habeas
corpus, garantida pelo art. 654, caput, do CPP, somente
pode ser exercida de acordo com a destinação própria da-
quele instrumento processual, qual seja, a de tutelar a liber-
dade de locomoção ilicitamente coarctada ou ameaçada.
Vale dizer: o Ministério Público somente pode impetrar ha-
beas corpus em favor do réu, nunca para satisfazer os inte-
resses, ainda que legítimos, da acusação”. (HC 22.216⁄RS,
Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 10⁄3⁄03).
Ordem concedida para aplicar a minorante da delação pre-
miada em seu grau máximo, xando-se, assim, a pena do
paciente em 2 anos e 4 meses de reclusão, competindo,
destarte, ao Juízo da Execução a imediata vericação acer-
ca da possível extinção da punibilidade pelo cumprimento
da pena imposta na Ação Penal 3.111⁄04, oriunda da Co-
marca de Estrela do Sul⁄MG. (STJ, 5ª Turma, HC 97509/
MG, rel. min. Arnaldo Esteves de Lima, j. em15/06/2010).
21.1. O descumprimento de acordo de delação premia-
da e decretação da prisão preventiva
Não se pode decretar a prisão preventiva do acusado pelo
simples fato de ele ter descumprido acordo de colaboração
premiada.
Não há, sob o ponto de vista jurídico, relação direta entre
a prisão preventiva e o acordo de colaboração premiada.
Tampouco há previsão de que, em decorrência do descum-
primento do acordo, seja restabelecida prisão preventiva
anteriormente revogada.
Por essa razão, o descumprimento do que foi acordado não
justica a decretação de nova custódia cautelar.
“É necessário vericar, no caso concreto, a presença dos
requisitos da prisão preventiva, não podendo o decreto pri-
sional ter como fundamento apenas a quebra do acordo”.
(STJ. 6ª Turma. HC 396.658-SP, Rel. Min. Antônio Salda-
nha Palheiro, julgado em 27/6/2017 (Info 609). STF. 2ª Tur-
ma. HC 138207/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em
25/4/2017 (Info 862).
21.2. Diversos aspectos relacionados com a homologa-
ção do acordo analisados pelo STF
Analisando o julgado STF. Plenário. Pet 7074/DF, Rel. Min.
Edson Fachin (Info 870), o juiz federal Márcio André Lopes
A colaboração premiada é um negócio jurídico processual
entre o Ministério Público e o colaborador, sendo vedada a
participação do magistrado na celebração do ajuste entre
as partes.
A colaboração é um meio de obtenção de prova cuja ini-
ciativa não se submete à reserva de jurisdição (não exige
autorização judicial), diferentemente do que ocorre nas in-
terceptações telefônicas ou na quebra de sigilo bancário ou
scal.
Nesse sentido, as tratativas e a celebração da avença são
mantidas exclusivamente entre o Ministério Público e o pre-
tenso colaborador.
O Poder Judiciário é convocado ao nal dos atos negociais
apenas para aferir os requisitos legais de existência e vali-
dade, com a indispensável homologação.
A decisão do magistrado que homologa o acordo de co-
laboração premiada não julga o mérito da pretensão acu-
satória, mas apenas resolve uma questão incidente. Por
isso, esta decisão tem natureza meramente homologatória,
limitando-se ao pronunciamento sobre a regularidade, le-
galidade e voluntariedade do acordo (art. 4º, § 7º, da Lei nº
12.850/2013).
A análise se as declarações do colaborador são verdadei-
ras ou se elas se conrmaram com as provas produzidas
será feita apenas no momento do julgamento do processo.
Na decisão homologatória, magistrado examina se as cláu-
sulas contratuais ofendem manifestamente o ordenamento
jurídico
Em caso colaboração premiada envolvendo investigados
ou réus com foro no Tribunal, qual é o papel do Relator?
É atribuição do Relator homologar, monocraticamente, o
acordo de colaboração premiada, analisando apenas a sua
regularidade, legalidade e voluntariedade, nos termos do
Em caso colaboração premiada envolvendo investigados
ou réus com foro no Tribunal, qual é o papel do órgão co-
legiado? Compete ao órgão colegiado, em decisão nal de
mérito, avaliar o cumprimento dos termos do acordo homo-
logado e a sua ecácia, conforme previsto no art. 4º, § 11
O acordo de colaboração devidamente homologado in-
dividualmente pelo relator deve, em regra, produzir seus
efeitos diante do cumprimento dos deveres assumidos pelo
colaborador.
Vale ressaltar, no entanto, que o órgão colegiado detém
a possibilidade de analisar fatos supervenientes ou de co-
nhecimento posterior que ram a legalidade do acordo, nos
termos do § 4º do art. 966 do CPC/2015.
O direito subjetivo do colaborador nasce e se perfectibiliza
na exata medida em que ele cumpre seus deveres. Assim,
o cumprimento dos deveres pelo colaborador é condição
sine qua non para que ele possa gozar dos direitos decor-
rentes do acordo.
22. O acordo de leniência
Leniência signica aquilo que é suavidade ou aquilo que é
manso e agradável. No âmbito jurídico, os acordos de leni-
ência ocorrem quando um acusado participa do processo
de investigação de um crime de ordem econômica.
Esse acordo consiste na colaboração efetiva do autor do
crime econômico com as investigações e o processo admi-
nistrativo, resultando na identicação dos demais coautores
da infração e na obtenção de informações e documentos
que comprovem a infração. Celebrado o acordo, ca sus-
penso o oferecimento da denúncia, bem como a prescrição
da pretensão punitiva, até que o ajuste seja integralmente
cumprido, após o que haverá extinção da punibilidade. (No
mesmo sentido: Capez. Fernando. Código de Processo Pe-
nal Comentado, editora Saraiva, São Paulo, 2014).
As principais leis que tratam da matéria são: a) Acordo de
leniência no âmbito concorrencial (Lei 12.529/11); b) Acor-
do de leniência anticorrupção (Lei 12846/13); c) Acordo de
leniência nas infrações de licitações (Lei 12846/13).
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Tratado Doutrinário de processo Penal
Colaboração premiada - Lei nº 12.850/2013
A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública po-
derá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas
responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que
colaborem efetivamente com as investigações e o processo
administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I - a identicação dos demais envolvidos na infração, quan-
do couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que
comprovem o ilícito sob apuração.
O acordo de leniência somente poderá ser celebrado se
preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre
seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvi-
mento na infração investigada a partir da data de propositu-
ra do acordo;
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e
coopere plena e permanentemente com as investigações e
o processo administrativo, comparecendo, sob suas expen-
sas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais,
até seu encerramento.
A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídi-
ca das sanções previstas ou reduzirá em até 2/3 (dois terços)
o valor da multa aplicável, dependendo do caso concreto.
O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obri-
gação de reparar integralmente o dano causado.
Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pes-
soas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de
fato e de direito, desde que rmem o acordo em conjunto,
respeitadas as condições nele estabelecidas.
A proposta de acordo de leniência somente se tornará
pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no
interesse das investigações e do processo administrativo.
Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito
investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.
Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a
pessoa jurídica cará impedida de celebrar novo acordo
pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela
administração pública do referido descumprimento.
A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo pres-
cricional dos atos ilícitos previstos na lei nº 12.846/2013.
A Controladoria-Geral da União — CGU é o órgão compe-
tente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do
Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos
praticados contra a administração pública estrangeira.
A administração pública poderá também celebrar acordo de
leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de
ilícitos previstos na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,
com vistas à isenção ou atenuação das sanções adminis-
trativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.
23. A colaboração premiada e o princípio nemo tenetur
se detegere
Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará,
na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio, isso
é possível, pois nenhuma garantia individual tem caráter
absoluto.
No mesmo sentido o STF:
“OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM
CARÁTER ABSOLUTO. O estatuto constitucional das liber-
dades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas
estão sujeitas — e considerado o substrato ético que as
informa — permite que sobre elas incidam limitações de
ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integri-
dade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexis-
tência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou
garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública
ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros”.
(STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de
Mello, DJ de 12.05.2000, p. 20).
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